Atualidade da Carta-Testamento de Getúlio Vargas

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Atualidade da Carta-Testamento de Getúlio Vargas

Em 05/12/2010, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


Atualidade da Carta-Testamento de Getúlio Vargas

PAULO MONTEIRO[1]


No dia 24 de agosto de 1954 os brasileiros foram surpreendidos com a notícia de que Getúlio Vargas, o Presidente da República, havia se suicidado com um tiro no coração.

Vargas que voltara ao poder “nos braços do povo”, como previra alguns anos antes, vinha sofrendo forte oposição, à esquerda e à direita. Uns porque temiam o crescimento dos “sindicatos pelegos”, liderados por trabalhadores que defendiam a política trabalhista de reformas sociais; outros porque viam os interesses dos grupos econômicos nacionais e estrangeiros serem contrariados pela política getulista que propunha uma série de “reformas de base”.

Logo depois que o suicídio de Getúlio Vargas foi noticiado veio a público a carta em que expunha as razões que o levaram ao ato extremo. Hoje se sabe que o documento em que o presidente justificava os motivos que o levaram a por termo à própria vida e, um dos mais conhecidos de nossa história, foi cuidadosamente meditado. A revolta popular se espraiou pelo país inteiro. Encurralados, seus adversários políticos recuaram, mas meio século depois, ainda continuam rapinando o povo brasileiro.

É interessante o fato de que Vargas usa a expressão “aves de rapina” para caracterizar os inimigos do povo brasileiro. Não é mera coincidência, pois o mais ferrenho adversário do então Presidente da República chamava-se Carlos Lacerda. E era conhecido como “Corvo”, nome popular dado a uma ave de rapina, o carniceiro urubu.

Carlos Lacerda era um renegado comunista, como tantos ex-comunistas que hoje governam o Brasil, que se vendeu aos “grupos econômicos e financeiros internacionais”, aliados aos “grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho”. Isso fica patente quando vemos as mudanças colocadas em prática recentemente na política salarial e previdenciária e denúncias ligando altos dignitários político-partidários com organizações criminosas e elementos facinorosos.

Por isso, a atualidade da “Carta-Testamento”, a confissão de um homem, que mesmo gerado no seio das elites nacionais foi cada vez mais se identificando com as camadas marginalizadas da população, ao contrário de muitos que, nascidos do ventre mais miserável da sociedade brasileira, cada vez mais se identificam com “as forças e os interesses contra o povo”.

A “Carta-Testamento”, transcrita do livro Getúlio Vargas: A Revolução Inacabada, de Luthero Vargas, Edição do Autor, Rio de Janeiro, 1988, págs. 335-336. A carta  fala por si mesma. Ei-la:

“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim.

Não me acusam, insultam, não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. À campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se a dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A Lei de Lucros Extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional, potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.

Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater a vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota do meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia, não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte, nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”

Referências

  1. Membro Academia Passo-Fundense de Letras e à Academia Literária Gaúcha