A saga de meu avô, Cel. Luiz Augusto de Azevedo

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A saga de meu avô, Cel. Luiz Augusto de Azevedo

Em 30/11/2013, por Luiz Juarez Nogueira de Azevedo


LUIZ JUAREZ NOGUEIRA DE AZEVEDO[1]


Já me referi, em escritos anteriores, à figura de meu avô paterno, Luiz Augusto de Azevedo. Ele foi e continua a ser uma legenda na história da família. Continua até hoje a ser lembrado por todos os seus descendentes como exemplo de inteligência, cultura, com domínio de variados conhecimentos, probidade, dignidade e coragem pessoal. Seu nome é até hoje repetido nos nomes de muitos descendentes, também chamados de Luiz Augusto.

Sei que nasceu em 1856, precisamente no dia 17 de agosto, numa localidade chamada Santana do Rio dos Sinos, atualmente município de Capela de Santana, junto ao rio Caí, que chegou a ser denominada Azevedo ou Estação Azevedo. Era filho de outro Luiz, Luiz Custódio de Azevedo, e de uma senhora chamada Virgínia Leite de Oliveira, descendente de Jerônimo de Ornellas, o sesmeiro da região de Porto Alegre, considerado o fundador da capital. Seu pai, Luiz Custódio, ao que consta, desempenhava a profissão de professor e terá contraído núpcias e se radicado, não sei se de modo definitivo ou temporário, em Santana do Livramento. Por isso, reina certa confusão sobre o lugar de nascimento de meu avô: se foi na Santana do Rio dos Sinos (Capela de Santana) ou na cidade fronteiriça. Tenho certeza de que nasceu na localidade próxima aos rios Caí e Sinos. Seu assento de batismo está no arquivo da Cúria Metropolitana de Porto Alegre, lavrado no livro próprio da paróquia local. Foi-me mostrado pelo falecido Padre Neiss, um dos maiores conhecedores das genealogias fundadoras do Rio Grande. Acredito, porém, que o avô e seus numerosos irmãos tenham vivido algum tempo em Santana do Livramento, ao menos em sua primeira juventude. Um deles, Cirino Luiz de Azevedo, — também professor, escritor, autor de peças teatrais, que teve significativo protagonismo no movimento abolicionista e na propaganda republicana no Rio Grande do Sul — é um dos personagens mais importantes da histórica da cidade fronteiriça, sendo nome do principal estabelecimento de ensino estadual: o Colégio Estadual Cirino Luiz de Azevedo.

Pelo lado paterno, era descendente em linha reta de José de Azevedo Barbosa e de Maria Marques de Sousa, um dos casais integrantes do grupo que, por ordem do Rei de Portugal D. Pedro II, no início do século XVIII, veio a refundar a Colônia do Sacramento (hoje Colônia, no Uruguai). Esta localidade, hoje situada no Uruguai, junto ao Rio da Prata, em frente a Buenos Aires, foi o último e mais meridional bastião militar do reino português, representante da sua política expansionista na parte mais meridional da América do Sul.

Descendia, por linha feminina, através de sua mãe, Virginia Leite de Oliveira, do patriarca Jerônimo d’Ornellas Menezes e Vasconcellos1, o “sesmeiro do morro de Santana”, que, no século XVIII, foi o proprietário da sesmaria onde, depois da ocupação dos açorianos, veio a ser fundada a cidade de Porto Alegre. Por sua avó, Henriqueta Júlia Pamplona e por sua bisavó, Desidéria Maria de Oliveira Pinto Bandeira2, descendia de Francisco Pinto Bandeira, um dos principais guerreiros rio-grandenses do século XVIII. Francisco foi o pai do legendário general Rafael Pinto Bandeira, que se notabilizou na chamada “guerra guaranítica”, contra os índios guaranis, que não se submetiam aos tratados celebrados entre os dois reinos peninsulares e nas que se travaram entre Espanha e Portugal na disputa pelos territórios que hoje constituem o nosso Rio Grande do Sul.

A família Azevedo (ou Azevedo e Sousa) emigrou para o Brasil em 1778, quando seu chefe José de Azevedo e Sousa, com seus filhos, teve que transferir-se para Rio Grande quando Portugal, por força do Tratado de Madri3, veio a entregar a Colônia do Sacramento à Espanha.

Devido à escassez de dados, pouco se sabe da infância e da juventude de meu avô. Depois de ter vivido com seus pais em Santana do Livramento, juntamente com o irmão Cirino, foi para Porto Alegre estudar com os famosos professores Inácio Montanha e Emílio Mayer, tempo em que também exerceu o magistério.

Mais tarde, ainda no período imperial, veio a cursar a Escola Preparatória e Tática de Rio Pardo, famosa no tempo do Império, onde concluiu os cursos de engenheiro militar e agrimensor. Ignoro o motivo pelo qual não seguiu a carreira das armas, preferindo desde cedo dedicar-se à profissão de agrimensor, na qual foi exímio. No fim da vida, a Escola de Engenharia de Porto Alegre (depois da UFRGS) o galardoou com diploma de reconhecimento pelos “expressivos serviços prestados à engenharia no Rio Grande do Sul”.

Nessa condição, há documentos que comprovam sua participação na demarcação da Colônia Caxias, por volta de 1880. Já em 1890 aparece, sob a chefia do Engenheiro Augusto Pestana — de quem seria o segundo em autoridade — na comissão que efetuou a demarcação e instalou a Colônia Ijuí. Ali, numa experiência inédita, foi formada uma colonização que se pode dizer multinacional, integrada por franceses, suecos, poloneses e alemães, entre indivíduos de outras origens. Dessa experiência de meu avô ficou a lembrança da extrema violência e perigo do ambiente. Nos fastos familiares é sempre lembrada a sua coragem e habilidade no desempenho da sua missão. Nela teve que enfrentar as rebeliões e ameaças dos colonos descontentes com o descumprimento das promessas do governo, deixadas de atender depois de os ter deslocado para aquelas terras então distantes e selvagens. Já casado com minha avó Corina4, o avô chegou a residir na incipiente Ijuí, onde teria perdido uma filha, que ficou sepultada no cemitério local.

Pouco mais tarde aparece residindo em Montenegro (outrora São João do Montenegro), onde teria continuado a exercer a profissão de agrimensor. (Meus tios Olmiro e Crespo nasceram naquela cidade, em 1892 e 1895, sendo Ijuí o berço de outros tios, Dagoberto e Luiz. No fim do século XIX, aparece em Cruz Alta, que era uma espécie de metrópole da região missioneira. Lá voltou a exercer a profissão de agrimensor, com escritório na rua do Comércio, que Erico Veríssimo, inspirado por sua velha Cruz Alta, recoloca na mítica Santa Fé de O Tempo e o Vento. O avô ali adquiriu uma fazenda no Cadeado — a fazenda Boa Esperança —, onde desenvolveu atividade agropecuária. Era, ao mesmo tempo, o juiz distrital da localidade, supervisionado pelo juiz de direito, seu compadre Dr. Ernesto Guarita Cartaxo, que depois foi desembargador no Tribunal de Apelação (hoje Tribunal de Justiça).

O juiz distrital era o encarregado de alguns julgamentos e do preparo dos processos (instrução), para depois serem submetidos ao julgamento do juiz de comarca (juiz de direito). À função de juiz distrital tinham acesso pessoas não formadas em direito, nomeadas pelo governo do Estado. Por certo meu avô se mostrou qualificado e apto para ela.

Na história das instituições judiciárias do Rio Grande é apontado como magistrado de escol, cognominado “austero magistrado”. Sua recordação confunde-se com as de outros notáveis juízes de direito que jurisdicionaram a comarca, como os Dr. João Martins França e o próprio Dr. Ernani Guarita Cartaxo.

Por suas tradições familiares, aliadas a seus méritos próprios, integrava a elite riograndense do seu tempo. Como acontecia com todas as notabilidades da época, integrou a antiga Guarda Nacional5, na qual detinha o posto de tenente-coronel.

Em 1912 foi nomeado notário em Porto Alegre, titular do 1º cartório de notas da capital. Consta que teria vendido a fazenda da Boa Esperança, no distrito de Cadeado, para poder comprar o cartório. (Naquele tempo os cartórios ainda podiam ser comprados, desde que o comprador estivesse de bem com o partido e o chefe político dominante).

Por certo a terá obtido não somente por sua cultura probidade e austeridade, mas também por sua fidelidade ao PRR (Partido Republicado Riograndense), cuja chefia unipessoal era exercida pelo Dr. Borges de Medeiros e, em Cruz Alta, pelo Gen. Firmino de Paula. Foi tabelião probo e digno, exercendo a função com muita competência e austeridade. Todos os filhos varões, à exceção do mais velho, Victor Hugo, que permaneceu em Cruz Alta, trabalharam no cartório.

Com a nomeação para o cargo de tabelião, a família se transferiu para Porto Alegre, lugar onde os filhos tiveram a oportunidade de estudar, foram educados e orientados para o trabalho. É curioso que, com exceção de dois — do tio Dagoberto, que se tornou sacerdote e mais tarde veio a trocar o Rio Grande por São Paulo, e do tio Armando, que foi policial e depois se aposentou como funcionário da prefeitura de Caxias — todos os demais foram titulares de cartórios.

Alguns não permaneceram na função, como o tio Olmiro, que renunciou ao cargo de 1º notário de Porto Alegre para ser advogado em Caxias, e o tio Victor, que, tendo sido oficial do registro civil em Cruz Alta, preferiu mais tarde a nomeação para o cobiçado cargo de exator estadual. Meu pai e o tio Crespo (Rosvaldo) tiveram os seus cartórios e vieram a aposentar-se em seus cargos de tabelião em Farroupilha e oficial do registro especial em Passo Fundo.

Os dissabores que vieram a roubar-lhe a vida começaram no início da década de 1920. Dois dos filhos — Luiz e Waldemar — sucumbiram à terrível tuberculose, o mal du siècle. A Waldemar, que levava vida boêmia e dissipada, foi imposta pelo pai, como punição por seus desregramentos, a ordem de sentar praça na Brigada Militar. Destacado para a guarda do antigo Cadeião6, exposto às noites e aos ventos dos invernos passadas em vigília em seu posto junto ao Rio Guaíba, foi contaminado pela moléstia. Para ela ainda não havia tratamento eficiente, pois ainda não haviam sido descobertos os antibióticos.

O velho Luiz Augusto, pai devotado, arrependido do rigor com que o tratara, tomou a seu cargo os cuidados com o filho enfermo. Foi a sua vez de contrair a doença, da qual jamais se recuperou.

Em seus últimos meses de vida, na esperança de uma cura ou melhora com os bons ares serranos, retornou com a esposa para Cruz Alta, onde continuava a manter uma moradia, sonhando um dia voltar definitivamente para lá. Contudo, faleceu, em 3 de setembro de 1924, deixando inconsolável a família que o idolatrava. O poeta Olmiro de Azevedo, seu filho, em inspirados versos, assim retrata o sofrimento que os filhos e a família experimentaram devido à irremediável perda:


“Uma tarde...(setembro chegava

e com ele chegava a Primavera radiante!)

A cidade serrana era triste e pequena...

Minha gente chorava. Muita gente de pena

também chorava.

Foi levado a enterrar numa cova distante...

E ficou-me a saudade, somente a saudade,

que o próprio pranto já apaga e esvai...

Só, recolhido e mudo, eu me ponho a pensar:

recordo o gado, o campo, a velha herdade...

Que vontade dorida de chorar,

de chorar, mansa, inutilmente, por meu pai...”7

Referências

  1. (Luiz Juarez Nogueira de Azevedo é Mestre em Direito e membro da Academia Passo-Fundense de Letras.)