A revolta dos motoqueiros: 40 anos depois, uma releitura dessa tragédia

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A revolta dos motoqueiros: 40 anos depois, uma releitura dessa tragédia

Em 15/02/2019, por Ivaldino Antônio Tasca


A revolta dos motoqueiros: 40 anos depois, uma releitura dessa tragédia

Ivaldino Tasca[1]

A revolta dos motoqueiros, grafite Foto data NI Desconhecido[2]

Dia 5 de fevereiro de 1979 pilotando moto o jovem Clodoaldo Teixeira morre ao ser atingido com um tiro nas costas ao ser perseguido por viatura da Brigada Militar pelas ruas da cidade após desobedecer ao sinal de pare numa barreira.

O que ocorre após seu sepultamento é extraordinário: a cidade transforma-se em praça de guerra, estima-se que mais de dez mil pessoas saíram às ruas para protestar e, dia seguinte outros dois jovens são mortos: Adão Faustino, de 19 anos (um observador do caos na avenida Brasil que morre com um tiro no tórax e é identificado dois dias depois pela mãe) e Joceli Joaquim Macedo, de 17.


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Clodoaldo Teixeira passeata de motos, Foto: 1979 Desconhecido[2]

Nesse dia 6 sem a intervenção de soldados do exército do 20º/1º Regimento de Cavalaria Motorizado, sob o comando do tenente-coronel Isauro Piaguaçu Pires Correa, teríamos uma carnificina. Isto porque voz de comandando não identificada bradou no meio da multidão:


“quem tem arma em casa vá buscar”.

Populares que iniciam os protestos em frente à Catedral (perímetro fechado ao publico pela BM) decidem se armar para invadir o quartel do Comando de Policiamento de Área-3 (CPA-3) localizado no prédio que hoje é sede Instituto de Idiomas da UPF, na avenida Brasil.

Minutos antes dos soldados do exército que vieram do Quartel pela rua Teixeira Soares entrarem à esquerda na Avenida Brasil eu estava em frente da agora Loja Doce Mania passando boletim para a Rádio Guaíba de Porto Alegre quando uma bala explode no prédio, algo como palmo em meio acima da minha cabeça.

Colegas jornalistas e eu escrevemos à saciedade que as ocorrências desses dias de fevereiro de 1979 constituíram-se em levante gigante tendo como força subjacente o cansaço, o ódio contra a ditadura militar. Será? Essa tese foi encampada por também por historiadores e sociólogos e tal acontecimento é sempre rememorado como sendo produzido pelo cansaço da população de Passo Fundo para com a ditadura.

Reitero indagando: o tiro nas costas do jovem Clodoaldo foi a senha para os passo-fundenses demonstrar total indignação contra a ditadura? Ou seja, a repercussão da ditadura foi tão violenta em Passo Fundo que levou parcela da população ao paroxismo e sair às ruas para descarregar o que a opressão introjetara em seus seres?

Quem, como eu, pagou preço alto por enfrentar o arbítrio não vai aqui negar ou dizer que reflexos das condições de excepcionalidades institucionais então vividas não tiveram algum tipo influência nesse episódio. Até porque devemos combater sempre as ditaduras, mas debitar à nossa todos os males que padecemos é ignorância e comodismo – ignorância e comodismo que podem aplainar o caminho para novas ditaduras.

Aprendi, depois de 50 anos de jornalismo, que é fácil levantar uma causa quando se tem dificuldade ou não se tem tempo para detectar todas as causas que podem estar na natureza íntima de um acontecimento emblemático como esse.

Tenho comigo que até hoje não tivemos a capacidade/chance de identificar as reais motivações e fatores, para definir objetivamente o ambiente, o contexto que, embutidos naquela situação levaram a população a se mobilizar daquele modo diante de inconsequente e inaceitável ato de violência cometido por quem nos deve proteger.

Alguns usaram morte do motoqueiro para externar indignação contra a ditadura e nós jornalistas, com certeza, estamos entre esses. Hoje creio que há outros elementos fortes inseridos naquele cenário que produziram resultado tão dantesco. As motivações desse fato da nossa história são difusas, muitas vezes imperceptíveis, porém profundas. Algumas, com certeza têm relação com o período violento que a cidade então vivia e a outros acontecimentos que influenciavam nosso ânimo.

Aquele estampido da tarde de 5 de fevereiro de 1979 pode, simplesmente, ter produzido o efeito que um estrondo semelhante produziria se detonado numa praça de pombos!


QUATRO PONTOS

Passei a pensar diferente e a desafiar a postura cômoda de que tudo fora por obra e graça da ditadura por causa de sentença do filósofo espanhol José Ortega Y Gasset. Segundo ele “o homem é o homem e a sua circunstância”. Para ele, “não é possível considerar o ser humano como sujeito ativo sem levar em conta simultaneamente tudo o que o circunda, a começar pelo próprio corpo e chegando até o contexto histórico em que se insere”.

Curioso, fui em frente fazendo algumas pesquisas para entender os antecedentes da realidade de fevereiro de 1979 que poderiam em maior ou menor grau, influenciar o animo dos passo-fundenses sem a questão da ditadura.

Uma sutileza também impulsionou essa busca por novas respostas: entre nós os defensores de ditaduras comandadas por psicopatas como Josef Stalin, Mao Tse Tung, Kim Jon-um, Fidel Castro e esse maluco do Maduro são os que mais insistem na tese de que “o levante” dos motoqueiros foi obra e graça do regime militar.

Para uma releitura dessa revolta dos motoqueiros me ative a quatro pontos: 1) as mudanças sofridas a partir do início dos anos de 1970 na forma de agir da imprensa nacional, gaúcha e local; 2) o comportamento do eleitorado de Passo Fundo frente os candidatos do bipartidarismo que ou representava a “ditadura” a Arena ou a condenava, o MDB; 3) intensidade da criminalidade no período e 4) acontecimentos danosos para a economia e saúde pública que afetaram drasticamente o ânimo das pessoas.


1) NOVAS FORMAS DE FAZER RÁDIO-JORNALISMO

Vamos ao primeiro ponto: no final dos anos de 1960, início dos anos de 1970, os meios de comunicação de massa iniciam mudança significativa na forma de informar – jornais, rádio e a nascente televisão passam a dar ênfase ao noticiário cobrindo os fatos cotidianos mais de perto.

Com novas tecnologias, como o gravador, repórteres de rádio, especialmente, tinham agora sua ação jornalística potencializada.

Os jornais passam a exigir que seus repórteres e fotógrafos vão aos locais dos fatios para coletar o máximo de detalhes para melhor informar seus leitores.

No rádio foi o inicio do fim do formato burocrático em que o locutor só lia um texto, em regra curto, sobre determinado fato. De modo gradativo novos recursos tecnológicos possibilitam transmissão ao vivo direto da rua. Como ressaltam estudiosos dessa área “o rádio passa a ser instantâneo”, ágil, inundando o ouvinte de informações.

Nesse período engatinha a formatação radiofônica resultante da fusão entre os formatos all news (tudo notícias, na tradução livre) e all talk (tudo conversa). Estudos mostram que nos anos 50/60, quando a informação era veiculada basicamente no início da manhã e ao meio dia, além dos noticiários de hora em hora, não havia elaboração do conteúdo jornalístico. O “gilette press”, ou seja, o recorte de informações de veículos impressos para transforma-las em notas radiofônicas e a rádio escuta de emissoras (a rádio menor ouvia a rádio maior) eram as alternativas para munir-se de informações.

Nos anos de 1970 também teve a prática da rádio escuta e do gilette press, mas a veiculação de notícias locais passou a ser feita com mais intensidade. Conforme relatos de locutores da época havia produção de notícias policiais e políticas sempre com foco nos municípios da região. No final dessa década, a reportagem de rua era prática que enriquecia o rádio jornalismo ainda que o repórter não tivesse toda a tecnologia de hoje.

Nesse períodos assassinatos, roubos, acidentes, enchentes, estiagens, geadas, epidemias são temas do rádio jornalismo desde a manhã ao fechamento da emissora e ganham manchetes de primeira página nos jornais. No embalo de esmiuçar fatos, fazer confrontações, analisar com especialistas, aplicar estatísticas, buscar opinião contrária os jornais também mudam seu jeito e seus repórteres deixam a zona de conforto para estar presentes onde os fatos aconteciam. Essa nova postura fez o estilo que a Rádio Uirapuru adotou e aperfeiçoou a partir de sua fundação e que hoje é sua marca inconfundível.

No contexto estadual Passo Fundo tinha posição diferenciada em se tratando de veículos de comunicação social. A começar que era das raras cidades do interior com dois jornais diários: O Nacional e Diário da Manhã. E contava com três emissoras na década de 1970: Municipal, Passo Fundo e Planalto e com a televisão chegando.

Para realçar ainda mais essa variada, forte e dinâmica estrutura de comunicação de massa na cidade o Grupo RBS coloca aqui um correspondente para seus veículos (Rádio Gaúcha e jornal Zero Hora) e a Companhia Jornalística Caldas Junior, a mais potente do Rio Grande na épica, implanta sucursal em Passo Fundo (e correspondentes em Erechim e Carazinho) para alimentar com dados quentes Correio do Povo, Folha da Manhã, Folha da Tarde e Rádio Guaíba. Aqui circulava ainda o Jornal do Comércio.

Como foi repercutindo na comunidade que deixava se ser rural e se urbanizava essa avalanche de informações que esses veículos de comunicação passaram a despejar diuturnamente?

Qual o reflexo no comportamento das pessoas que enorme avalanche de notícias sobre fatos tidos como negativos, agressivos, preocupantes, angustiantes, deletérios que se repetiam à exaustão em determinados períodos, como ocorreu entre 1975 e inicio de 1979, aqui em Passo Fundo?

É oportuno ressaltar que a tensão proporcionada pelos fatos aqui gerados foi ampliada pelos acontecimentos negativos que ocorriam em todos os municípios da região Norte: muitos batiam entre a população como sendo coisa nossa!


2) VOTANDO COM A DITADURA?

Vamos a um segundo ponto e, repita-se, sim, ainda vivíamos na ditadura militar. Ditadura carregando incongruências como a que permitia eleições para alguns postos – aqui entre nós passo-fundenses para prefeito, vereadores, deputados estaduais e federais e senadores. Mais, sobre o que interessa aqui, estávamos, em termos nacionais, num processo de distensão.

Nas eleições de novembro de 1974 o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) obtém expressiva vitória, conquistando 59% dos votos no Senado, 48% da Câmara dos Deputados e as prefeituras da maioria das grandes cidades. Por essa razão, o presidente Ernesto Geisel, um general, inicia o processo de distensão “lenta e gradual” em direção à abertura e à redemocratização.

Na prática um contraponto do endurecimento ocorrido em 1968 com a edição do chamado Ato Institucional n° 5.

Em Passo Fundo o coronel da reserva Edu Villa de Azambuja é eleito prefeito pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido que dava sustentação ao regime miliar e governa entre 1973 e 1977 de forma tranquila e eficiência administrativa.

Ele fez campanha cantando um tango o que em termos até de marketing não lembra regimes autoritários. Atentem para o detalhe: sua candidatura nasce em bancos acadêmicos, ou seja, na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de Passo Fundo, entidade que sempre teve grupos de estudantes com forte militância contra a ditadura, especialmente nos anos de 1960. Mais, o militar Villa de Azambuja derrota nas urnas o que, tecnicamente, poderíamos chamar de ala civil da ARENA eis que a ele foi garantida uma legenda numa convenção em que tinha irrisório apoio partidário.

Antes (1970) o advogado e agropecuarista Augusto Trein fora eleito deputado estadual pela ARENA, tendo presidido o diretório municipal do partido no período. Ele foi eleito três vezes para a Câmara Federal: em 1974, 1978 e 1982. Mais, o advogado e professor Romeu Martinelli foi deputado estadual de 1975 a 1986 também pela legenda governista.

Outro dado para reflexão: nas eleições de 1972 a Arena faz maioria na Câmara de Vereadores (10 a 9) e até 1977 é presidida pelo vereador arenista Antônio Lourenço Pires de Oliveira eleito com os votos da bancada do MDB. Lourenço, depois, seria vice-prefeito da cidade e deputado estadual. Na eleição de 1976 a Arena ainda obtém votação expressiva para o Legislativo que passa a ter 21 integrantes sendo nove arenistas.

Intriga, realmente, como a ARENA, partido que dava sustentação aberta e total a um governo tido como sendo de ditadores, teoricamente odiada com muito vigor pela população, consegue angariar tantos votos em Passo Fundo!

Outros detalhes: as lideranças sindicais mantinham suas ações no seu campo estrito da busca de melhores condições de trabalho e salários para seus associados. Mais, um major da reserva presidia o Sindicato de Jornalistas profissionais de Passo Fundo e a orientação da igreja era tida por muitos como conservadora.


3) CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA

Por causas ainda não apuradas a cidade vivenciou, praticamente durante toda a década de 1970, verdadeiro inferno astral no que diz respeito ao grau de violência e ao índice de criminalidade.

A violência se incorporou de forma tão densa ao nosso cotidiano que a imprensa passou a denominar Passo Fundo como a “Chicago dos Pampas”, referência à cidade americana que foi tomada pela máfia décadas antes.

Especialmente no período de 1976 a 1979 a onda de assassinatos, roubos, furtos, assaltos, latrocínios, extorsão chega ao paroxismo.

O ano de 1978 contabiliza 41 assassinatos, número exorbitante em cidade aonde a população não chegava e cem mil pessoas. Isso é tão descomunal que incontáveis países não chegam a dois homicídios para cada cem mil habitantes o que ilustra o grau insano de violência vivenciado por Passo Fundo na época.

Bandidos como “Rasga Diabo” e “Teixeirinha” alimentavam a crônica policial. E, para subir mais ainda a temperatura dessa época, uma bomba molotov incendeia a Boate Urso Branco na avenida Brasil.

Outros registros de extrema violência exacerbam a situação, manchetes tipo “bandidos exigem cem mil cruzeiros para não queimar residência”, “criança é morta a socos e dentadas”, “criança é queimada viva pelo padrasto”, “garoto é achado morto: espancado ou vilmente estuprado?” alimentavam os repórteres que agora faziam um radio-jornalismo pungente, nos mínimos detalhes.

E o que ocorria ao redor (Carazinho, Soledade, Marau, Erechim, Santa Bárbara, Casca, Sarandi) – também com muitos homicídios e casos bárbaros de violência excruciante – batia estrondosamente em nossas mentes elevando a tensão e o clima de medo existente em Passo Fundo. O que vinha de outros pontos do Estado e do centro do País, pelo noticiário, também era combustível para o mal estar que se instalou.

Foi tempo de complexidade impar no quesito violência que até os jornalistas, em seus encontros, se indagavam, com perplexidade, em todos os recantos da cidade: o que está acontecendo conosco?

A onda de crimes, o clima de barbárie deixa a população perplexa e o psicólogo Getúlio Vargas Zauza dá entrevista a O NACIONAL e diz que o fenômeno dessa violência é, em parte, resultado “de um esvaziamento humano”.


4) TRAUMAS NA ECONOMIA E NA SAÚDE

Para estropiar de vez os nervos dos passo-fundenses esse período que vai de 1977 a 1979 é marcado também por sucessão de fatos que afetaram nossa economia ( a década em que o setor primário é o principal formador de nosso PIB) e por questões de saúde pública extremamente preocupantes.

A peste suína (77/78), por exemplo, fez estragos terríveis na pequena propriedade rural e sé em Capão Bonito os produtores foram obrigados a sacrificar 167 animais.

Uma geada intensa e fora de época (77) frustrou a lavoura de trigo e a seguir uma longa estiagem acaba com a soja (também afetada por surto de lagartas) e a lavoura de milho, cujas perdas chegavam a 60% nos 160 mil cultivados na região Norte. No inicio de 1979 estimava-se em 40% as perdas nos 400 mil hectares cultivados com soja.

Num crescendo essa imprensa – agora dinâmica, pontual, atenta, contagiante – foi registrando as calamidades da época: 1) tudo está pintando que 1979 será muito pior do no ano passado, diz o secretário municipal da agricultura Sinval Bernardon; 2) gerência da CORSAN apela para que a população economize água; 3) “se por infelicidade tivermos mais dez dias sem chuva estaremos diante de uma desgraça sem precedentes” diz presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Passo Fundo, Auxilio Rebechi; 4) com mais uma frustração de safra serão necessárias medidas de exceção, afirma o presidente da COOPASSO; 5) se não chover em oito dias haverá calamidade pública, diz o prefeito Wolmar Salton; 6) consternação geral, agricultor morre após aplicar veneno contra lagarta da soja: 7) população tensa, pois começa a faltar água potável no interior; 8) seca torna cada vez mais desesperadora a situação no Rio Grande do Sul.

O estrago da seca leva diretores das cooperativas de Passo Fundo, Erechim, Vacaria, Getúlio Vargas, Marau, Tapejara, Sananduva, São José do Ouro, Lagoa Vermelha, Ibiraiaras, aglutinados na UNICOOPER, a alertar o governo: os produtores da região não terão como pagar as dividas e sobreviver.

Em 8 de fevereiro de 1979 o bispo diocesano Dom Cláudio Colling pede calma ao povo na Rádio Planalto após os fatos com motoqueiros, brigadianos e Exército e lembra dessa terrível estiagem:

… Já bastam os efeitos desastrosos desta seca, cujos reflexos negativos ainda não podemos sequer ainda avaliar plenamente. Não nos destruamos mutuamente”.

Seguindo a máxima de que por pior que seja a situação ela sempre tem chance de piorar o mês de dezembro de 1978 agrava o quadro de tensão na cidade e termina com 119 internações hospitalares por desidratação e o registro de 7 mortes.

E janeiro de 1979 chega para confirmar que desgraça pouca é bobagem e contabiliza um total de 170 internações por desidratação em vista de um calorão avassalador que se abatera na região e que produz 17 mortes.


SOBRE CAUSAS DA TRAGÉDIA?

É nesse clima de horizonte curto, crescente medo angustiante por terrível andaço de crimes, intensa preocupação financeira, clima hostil e ambiente de desesperança que esse novo aparato de comunicação social difunde diuturnamente com grande destaque que se houve o estampido que tira a vida do jovem Clodoaldo Teixeira em 1979.

De um lado a quase totalidade dos analistas debitam o fato ao um cansaço da cidade com a ditadura, de outro – raros – crendo ser apenas um grande e óbvio protesto, um generalizado tumulto e, até, um episódio de histeria coletiva.

UM: Nessa linha de aqui ter ocorrido um levante contra a ditadura, selecionamos, entre dezenas, este texto: “Antes de quase tudo isso acontecer, 1979 ser apenas um promissor amontoado de dias, uma espécie de contagem regressiva para uma nova era, a década de 1980, Tarso de Castro detonava as teclas de sua máquina de escrever, era tarde da noite de 5 de fevereiro, quando Passo Fundo parecia entrar em erupção e uma aura de revolução se erguia sobre a cidade. A ditadura começava a ruir. O sentimento de inconformidade há muito angustiava a população. Um tiro pelas costas foi a oportunidade perfeita para que essa revolta escapasse do peito e tomasse conta das ruas. Foi assim que começou o movimento que, ao todo, envolveu mais de 10 mil pessoas”.

DOIS: Para fundamentar a segunda hipótese começou com este registro no jornal O Nacional que pouca atenção mereceu na época: Para os integrantes do Passo Fundo Moto Clube o acontecimento que resultou na morte de Clodoaldo foi o final de um processo “de perseguição contra os motoqueiros incompreensivelmente encetado por integrantes da Brigada Militar que gratuitamente manifestam um verdadeiro horror contra os motoqueiros”.

Verdadeira peregrinação de motoqueiros de toda a região atendeu apelo do Passo Fundo Moto Clube para marcar posição durante o velório e o sepultamento realizado no dia seguinte no Cemitério da Vila Petrópolis. Veio gente inclusive de longe em suas motos, como é o caso dos motoqueiros de Frederico Westphalen…

Teria sido um episódio de histeria coletiva? Dizem os psicólogos que “a histeria coletiva é uma coisa perigosa, vai desde vandalismo em manifestações públicas até linchamentos. Precisamos ter consciência que somos seres altamente influenciáveis pelo grupo. Uns mais, outros menos, mas todos o são”. Para que ela ocorra o medo, a angustia, a tristeza, sentimentos recalcados que não foram reprimidos tem papel importante. “O rótulo histeria coletiva é comumente empregado para designar situações em que isso ocorre com grupos de pessoas, e mais frequentemente tem sido adotado na menção a situações que envolvem descontrole emocional coletivo intenso”, disse César Antônio Alves da Rocha, mestre em psicologia, especialista em história.

Um medo, uma tristeza, uma angústia, uma ideia que não foi verbalizada, que não foi simbolizada tem grandes poderes para perturbações individuais e coletivas. Uma análise comportamental deve ser sempre contingencial, ou seja, levar em conta as circunstâncias nas quais cada fenômeno ocorre.

Para encerrar, por hora: descartada a hipótese de protesto contra a ditadura, como sinaliza o ambiente da época, o que efetivamente motivou a revolta dos motoqueiros?

Referências

  1. Jornalista, Membro da Academia Passo Fundense de Letras
  2. 2.0 2.1 Arquivo Pessoal/Ivaldino Tasca