A revolta dos motoqueiros

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A revolta dos motoqueiros

Em 07/08/2007, por Rogério Moraes Sikora


Rogério Moraes Sikora


O mês de fevereiro de 1979 foi eivado pela violência policial, desencadeando fatos que terminaram marcando, de forma indelével, a memória de todos. Clodoaldo Teixeira era um jovem como outros tantos de sua geração; trabalhava, tinha sonhos e expectativas.

Em 5 de fevereiro, saiu de seu local de trabalho (Equipagro) para fazer seu alistamento na Junta Militar, já que iria prestar serviço militar no ano seguinte; passava pela Rua Independência, porquanto o curso de pré-vestibular Gama, que tinha sede na frente da Praça Marechal Floriano, era um ponto onde se reuniam os jovens motoqueiros passo-fundenses, quando um policial militar fez soar dois silvos breves, determinando que Clodoaldo parasse sua motocicleta. Assustado diante da patrulha policial e temendo represálias, resolveu não parar, porquanto além da motocicleta não ser sua, não possuía habilitação.

Clodoaldo não imaginava que aquela fuga, ingênua, seria fatal. Para fugir da abordagem, conduziu a motocicleta, dobrando à direita, ingressando na Rua General Neto. Foi o que bastou para despertar a fúria e a ira dos policiais, os quais iniciaram uma perseguição pelas ruas da cidade, conduzindo o veículo militar, popularmente conhecido como “pata-choca”.

Amedrontado, Clodoaldo resolveu buscar abrigo junto ao seio de sua família, local onde certamente se sentia seguro e protegido, passando a se dirigir para a casa de seus pais, na Rua Antônio Araújo, esquina com a Rua Lava-pés, na Vila Annes. Buscando chegar à casa dos pais, dobrou à esquerda, na Rua Lava-pés, sempre com os policiais em sua perseguição. Acuado, viu Sérgio Danilo Barufaldi, e foi reduzindo a velocidade da motocicleta, aproximando-se da calçada, como que pedindo socorro ao amigo. Nesse momento, Sérgio ouviu um disparo de arma de fogo. Pôde perceber que o tiro fora disparado pelos policiais militares. Ouviu um segundo tiro, momento em que se jogou, de costas, na parede de uma casa, procurando se proteger, oportunidade em que visualizou um dos policiais militares, apoiar o braço na janela da viatura e fazer mira, antes de desferir o terceiro tiro, pelas costas. O tiro foi fatal. O tiro que ceifou a vida do jovem Clodoaldo, a menos de 50 metros da casa de seus pais.

A morte de Clodoaldo e as condições de sua morte correram a cidade como um rastilho de pólvora, já que era muito bem relacionado. Às 21 horas, o trânsito, na área central, estava tumultuado, em especial à frente da Catedral. Jovens conduzindo motocicletas e fitas pretas circulavam pelo local gritando palavras de ordem, em protesto.

A terça-feira, dia 6, já amanhecia tensa; a família desesperada, os amigos inconformados, a comunidade revoltada. A notícia veiculada nos jornais e nas emissoras de rádio davam conta do acontecido, despertando a curiosidade e a revolta de todos.

Logo após o enterro de Clodoaldo, no Cemitério da Petrópolis, houve uma carreata com centenas de motoqueiros, dirigindo-se ao centro da cidade, protestando contra a morte injusta do rapaz.

A Brigada, procurando evitar os protestos, fechou os acessos ao centro da cidade, impedindo ingressar numa área, definida por um quadrado, entre a Avenida Brasil e a Rua Independência; e entre a Rua Coronel Chicuta e a Rua Morom. Entretanto, não era apenas motoqueiros que estavam revoltados com a morte de Clodoaldo, mas toda a comunidade.

Jovens, portando cartazes e faixas pretas, gritavam palavras de ordens e desafios aos policiais militares que se encontravam no local. Uns vaiavam os policiais, enquanto outros circulavam com as motocicletas, nervosamente, pela pista de rolamento, sobre as calçadas e, até por dentro da Praça Marechal Floriano. Os populares acompanhavam os motoqueiros e faziam coro nas palavras de ordem.

Uma viatura policial chegou ao cruzamento da Rua Independência com a General Neto, aproximadamente seis policias descem e começam a tentar controlar a situação, mas são apedrejados por populares. Acuados, correm a pé, alcançando a viatura e batendo em retirada. Outros policiais, na Morom, próximo à Coronel Chicuta, também são apedrejados, momento em que um deles dispara um tiro para cima. Populares, advertem os policiais que a situação está fora de controle e que deveriam deixar o local para evitar o pior.

Ouviram o conselho dos populares e se dirigiram, a pé, ao Comando do CPA3, perseguidos por populares. Muitos outros populares, despertados pelo disparo da arma de fogo, seguiram ao encalço desses brigadianos.

Os policiais militares, enfim, alcançam abrigo no prédio do CPA3, na Avenida Brasil, onde hoje funciona a Livraria da UPF, porém uma verdadeira multidão cerca o prédio e começa a gritar palavras de ordem. Nesse momento, ouve-se uma saraivada de tiros.

Do outro lado da rua, na calçada fronteiriça ao Museu de Artes Ruth Schneider, o jovem operário Adão Faustino, de apenas 19 anos, que sequer fazia parte dos protestos, deu um grito e tombou. Pessoas que estavam ao redor perceberam que o jovem sangrava no pescoço e providenciaram socorro. Não iria adiantar. Adão Faustino era a segunda vítima fatal.

Na frente do CPA3 os protestos continuavam e mais duas pessoas foram feridas. Uma delas era Joceli Machado, que foi socorrido e levado, às pressas, ao hospital. Com a situação totalmente fora de controle, o major Isauro Piaguaçu Pires Corrêa, comandante do Esquadrão do Exército, colocou todo o efetivo nas ruas para conter a fúria popular. A ação do Exército permaneceu por toda a madrugada.

A quarta-feira, dia 7, amanheceu tensa, mas já sem conflitos entre populares, motoqueiros e policiais militares. A imprensa de todo o Estado e do país registram os fatos.

Autoridades públicas municipais se manifestam na imprensa lamentando os fatos e pedindo serenidade a todos. O secretário de Estado da Justiça e Segurança visita Passo Fundo, e determina a troca de comando do 3º RPMon. Infelizmente, no dia 22 de fevereiro, há a terceira vítima fatal. Joceli Machado também morre. O ano de 1979 ficou tristemente lembrado pela “revolta dos motoqueiros”.