A literatura de Apparício Silva Rillo e a Revolução Federalista de 1893

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A literatura de Apparício Silva Rillo e a Revolução Federalista de 1893

Em 30/11/2004, por Ana Carolina Martins da Silva


ANA CAROLINA MARTINS DA SILVA[1]


Nos dias 25 a 27 de julho, aconteceu em Passo Fundo, no auditório do SENAC, o Seminário "110 anos da Batalha de Passo Fundo", promovido pela Prefeitura Muncipal de Passo Fundo, coordenado pelo historiador Ney Eduardo Possapp dAvila, Mestre em História, nosso confrade e professor da UERGS. Enquanto a Prefeitura Municipal de Passo Fundo rememorava a Batalha ocorrida em 27 de junho de 1894, durante a Revolução Federalista, no Campo dos Mello, distrito do Pulador, inscrevi a presente comunicação, somando àquelas homenagens e estudos, a figura do poeta Apparício Silva Rillo, que também deveria receber homenagens póstumas durante a semana, visto que seu falecimento data de 23, e seu sepultamento, de 24 de junho de 1995.

Proximidade nas datas, semelhanças nos sentimentos: vida e morte. Fatos naturais que só se transformam em atos grandiosos em função das pessoas e circunstâncias que os envolvem.

O presente trabalho, portanto, teve como objetivo ilustrar aspectos da literatura do Rio Grande do Sul, especificamente a de Apparício Silva Rillo, principalmente no que tange a sua poesia "Colorada" que se refere a um dos pontos abordados no Seminário: a Revolução Federalista de 1893 que, entre outros, tinha por objetivo principal estabelecer um sistema federativo parlamentarista, capaz de dar maior autonomia aos estados, em resposta ao excessivo controle exercido pelo governo central do Brasil. Naquela ocasião, a degola (chamada de "gravata colorada") foi a forma escolhida para a execução dos prisioneiros. Ao todo, esse embate deixou um saldo de mais de 10 mil mortos. De um lado, estavam os republicanos, chamados "pica-paus". De outro, os federalistas, apelidados de "maragatos".


Silva Rillo: O homem e sua literatura


Para Luiz Antônio de Assis Brasil, obras no estilo desta, de Silva Rillo, fazem parte de uma literatura diferenciada - a do Rio Grande do Sul. Uma literatura que gosta de visitar o passado de seu povo, de tentar entendê-lo, de amá-lo como é. Diz o grande escritor e romancista gaúcho: "Pensemos na Literatura, que é nossa forma privilegiada de pensamento: não fosse O Tempo e o Vento, o Rio Grande não seria o que é; à falta de uma longa História (diferente do Nordeste, que nos ganha em dois séculos), que nos daria uma identidade cultural, a Literatura se encarregou, desde os primórdios, de estabelecer quem somos."

A essência de nosso povo tem sido cantada em prosa e verso, exaustivamente, porém, nem sempre sendo fiel à verdade histórica, nem sempre colocando em pauta protagonistas importantes como os soldados anônimos, as crianças, os escravos, a natureza. A vida de nosso estado tem sido retratada, muitas vezes, como uma conseqüência de guerras chefiadas por grandes comandantes, como se a sociedade, como se cada indivíduo com sua existência singular, estivessem plenamente integrados a elas, a serviço destas guerras. A literatura gaúcha buscou, através do tempo, definir esta essência, ora pendendo à construção do mito idealizado do Gaúcho, ora à dessacralização desse mito. Segundo Fischer (1999), no caso das narrativas, no período entre 1870-90, o principal catalisador foi a Sociedade Partenon Literário, cuja principal questão abordada era a definição do gaúcho enquanto identidade, havia a busca do mito fundador. A partir de 1910, nas próximas décadas, até a década de 80, as obras foram procurando non Literário foi fundada em 1868, na cidade de Porto Alegre, e congregou importantes nomes da época no campo das letras e da cultura, como: Caldre Fião, Carlos Von Koseritz, Apolinário Porto Alegre, Múcio Teixeira, e trouxe uma definição da identidade regional na poesia culta. Essa sociedade acabou em 1885, porém, desempenhou um papei central na cultura da época, uma vez que contava com sócios em quase todas as cidades do interior, dando ênfase à participação social do literato, na busca pela significação da vida e da liberdade.

Seguindo os modelos estéticos nacionais, além do romantismo, do simbolismo, do modernismo, entre 1900 a 1950, a poesia no RS começou a fazer registros críticos da vida urbana, integrar o urbano e o regional, em perspectivas existencialistas. Afinal, a partir de 1960, os temas regionais começam a ser revistos de forma crítica e amarga. Os anos 70 a 90 trazem uma busca de liberdade e aproximam-se de forma muito intensa da canção popular. Na atualidade, vemos a nossa poesia em uma tentativa de inserir-se no mundo, é o poeta - ser planetário que pensa, age, sente e escreve, num jeito sulista, particular de ser. Há uma busca da cidade e seus temas, do excluído e seus temas, do antigo e seus julgamentos.

Apparício Silva Rillo representa uma leva de poetas gaúchos que, independente dos tempos em que viveram, passearam por diferentes tipos de expressões artísticas: poesia, ficção, folclore e história, teatro e música. Buscando, sempre, este elo "entre o ser e o ter sido", que para ele significava "ser a rama que brotou ( dos avós) para dar sombra aos que virão de nós".

Este escritor nasceu a 8 de agosto de 1931, em Porto Alegre, embora seu registro civil de nascimento tenha sido efetuado na cidade de Guaíba, o que fez com que alguns de seus documentos pessoais apontassem Guaíba como seu local de nascimento. Viveu boa parte de sua juventude na capital, para onde foi mandado a estudar, em 1947, com menos de dezesseis anos. Já adulto, casado, transferiu-se para um distrito rural de São Borja, a seiscentos quilômetros de Porto Alegre, para assumir uma vaga como contabilista num grande empório comercial situado na, então, vila Nhu-Porã (Campo Lindo, em guarani). Dessa forma, a dez de outubro de 1953 (dia do padroeiro de São Borja) Silva Rillo descia do trem na estaçãozinha de Nhu-Porã. Depois disso, não quis mais abandonar o interior do estado. Em setembro de 1958, mudou-se para a sede do município de São Borja. Cidade que lhe concedeu, em 1982, no tricentenário de sua fundação histórica, o título de Cidadão São-Borjense. Em meados de 1959, a Editora Globo lançava sua primeira obra, Cantigas do tempo velho, com ampla recepção pública, tanta, que o livro, durante várias quinzenas, foi o mais vendido na Livraria do Globo, em Porto Alegre.

O talento de Silva Rillo agraciou-lhe com uma cadeira na Academia Rio-Grandense de Letras, em 1981, além de um sem-número de títulos, láureas e prêmios – dentre os quais é importante destacar o Prêmio Ilha de Laytano, em 1980, conferido a Já se vieram! - tradição, folclore e a atualidade da canchareta no RS, editada pelo Instituto de Tradição e Folclore do Estado do Rio Grande do Sul e considerada a mais importante obra sobre assuntos do Rio Grande do Sul lançada naquele biênio. Silva Rillo também se destacou como compositor de música nativista, vencendo festivais como a Vigília, a Vindima, a Califórnia e o Festival da Barranca, criado em São Borja por ele e seus parceiros do grupo musical Os Angüeras. Com Os Angüeras, ele fundou também o museu folclórico mais importante do estado, o Museu da Estância. A criação de Rillo está integrada aos discos dos músicos, seus parceiros e amigos, como: Mário Barbará, Luiz Carlos Borges, Vinícius Brum, José Bicca, Cenair Maicá, Pedro Ortaça, Noel Guarany, entre outros. E aos festivais gaúchos, dos quais ele venceu vários, depois da Califórnia, com Era Uma Vez, Xote do Sul, Vidro dos Olhos e Colorada – a estrela desta comunicação. Para tristeza profunda de todos nós que o amávamos, Apparício Silva Rillo faleceu em São Borja, em junho de 1995.


Silva Rillo: Colorada e a sua relação com a Revolução Federalista de 1893


Do tema dos bons tempos que não voltam mais à preocupação do horário do operário; da poesia narrativa à poesia essencialmente simbolista; do monarca das coxilhas ao gaúcho a pé, este escritor marcou seu tempo pela poesia elegante e versátil, transitando entre o testemunho e o rompimento. A construção de Colorada assemelha-se à própria arte a que se refere: é o talho certo, preciso, o estilo Silva Rillo.

Na primeira estrofe do poema, o autor faz uso de um artifício terrível. Chama o leitor para assistir ao momento da morte. Mais que um chamamento, dá uma ordem, usando a expressão: Olha... como um susto, uma ameaça. Porém, longe de estar apenas atento aos aspectos estéticos da palavra, o poeta constrói os versos com base na ciência. Para a degola era preciso uma faca bem afiada, o que garantiria que o processo fosse rápido e mortal. A alusão à garganta faz referência direta ao tipo de pena decretada e ao medo que se instalava, o famoso nó na garganta. Quando menciona o talho certo e o sangue que se levanta, também está amparado no ato em si. Segundo Letti (1993): o degolador se esmerava em executar a tarefa com perfeição "(...) uma vez contido, encostava a faca na ponta do nariz do prisioneiro, que instantaneamente elevava a cabeça, sendo então a afiadíssima lamina introduzida agilmente no pescoço, incisando horizontalmente as estruturas da área supra-hióidea, de orelha a orelha". Percebe-se então, que a palavra certo apresenta duplo sentido: certo porque bem feito e certo porque, para o inimigo, não havia outra alternativa:

Olha a faca de bom corte,

Olha o medo na garganta!

O talho certo é a morte

No sangue que se levanta.

Na segunda estrofe, o poeta usa as cores dos lenços inimigos para ilustrar a cena da degola. O lenço branco representava os republicanos, os "Pica-Paus". O fato, portanto, do lenço branco ficar com a cor rubra do sol-pôr, pode apresentar dois significados: a vitória inimiga, trocando a cor do lenço para a sua, a partir do sangue da vítima. Ou, a partir da comparação com a cor do melancólico fim do dia, faz uma alusão antiga, retomada com maestria: o dia como a vida, e o crepúsculo vespertino como a decadência, o declínio, a morte. Já o lenço vermelho, que poderia ter sido referido pelo autor, simplesmente como "vermelho", é chamado "colorado", numa alusão à origem do termo "Maragato" (S.A.), que estaria do outro lado da fronteira, no Uruguai. Segundo Moure, o termo tinha uma conotação pejorativa atribuída pelos legalistas aos revoltosos liderados por Gaspar Silveira Martins, que deixaram o exílio, no Uruguai, e entraram no RS à frente de um exército: "Como o exílio havia ocorrido em região do Uruguai colonizada por pessoas originárias da Maragateria (na Espanha), os republicanos apelidaram-nos de maragatos, buscando caracterizar uma identidade estrangeira aos federalistas." A alternância dos dois lenços, no papel de vítima, representa a bipolarização de forças políticas daquela época, bem como o fato de que a violência não era propriedade de um só dos lados, mas uma prática de ambos.

Onde havia um lenço branco

Brota um rubro de sol-pôr.

Se o lenço era colorado

O novo é da mesma cor.

A terceira estrofe faz referência ao sistema utilizado na degola. Sistema que exigia que o prisioneiro estivesse amarrado, ou, o que muitas vezes acontecia, ferido. Matar um homem dessa forma não era uma maneira digna de se ganhar uma guerra, principalmente para o mito do gaúcho, acostumado a bradar valentia. A degola era um ato vil, frio e covarde. Por isso que: quem mata é bandido, quem morre é herói e, principalmente por isso, que o fio que dói em quem morre, na mào que abate, não dói. Ou seja, o matador não estava em posição de luta, de risco. Ele estava na posição de carrasco, de dono. A palavra abate lembra a morte dos animais para uso da carne, do couro. O homem, imobilizado nas mãos do degolador, perdia a condição humana, estava comparado a um animal.

Quem mata chamam bandido.

Quem morre chamam herói.

O fio que dói em quem morre

Na mão que abale não dói...

A quarta estrofe dá o relato do tipo de guerra à qual o poeta se refere. O famoso slogan da "Guerra entre irmãos" aparece em bom linguajar gauchesco, assim como a imagem do mercenário, muito comum naquela época, embora não tão contada em versos, contratado para lutar de um lado ou de outro da guerra.

Era no tempo das revolução,

Das guerra braba de ermão contra ermão.

Dos lenço branco contra os lenço colorado,

Dos mercenário contratado a palacão.

Embora a quinta estrofe pareça bem compreensível para nós, em nosso tempo, fazendo lembrar a presença das eleições fraudulentas, em que se usava nomes de pessoas falecidas para garantir mais votos a determinados candidatos, neste trecho da obra de Rillo há um pouco mais de profundidade. A referência aos mortos governando os vivos vem da filosofia positivista, uma das inspirações do líder republicano, Júlio de Castilhos, ironicamente morto durante uma cirurgia realizada por Protásio Alves, em função de um câncer na garganta, em outubro de 1903. Castilhos possui, em seu túmulo, que se encontra na ala central do Cemitério da Santa Casa, entre muitos símbolos positivistas, como o escudo do RS e o lema Ordem e Progresso, uma pirâmide, cm cujo centro está o lema positivista: "Os vivos serão sempre e cada vez mais governados pelos mortos", como cita Beilomo, em seu texto "Revolução Federalista & Arte Funerária".

Era no tempo que os morto votava

E governava os vivo até nas eleição.

Era no tempo dos combate a ferro branco,

Que fuzil era mui pouco e era escassa a munição.

Na estrofe final, o poeta explicita do que fala. Realmente, é da degola, prática tão usada na Revolução Federalista, esta página sangrenta e triste de nossa história, que precisa ser estudada, para que nunca mais a faca supere a força da palavra, para que nunca mais se repita, nem com lenços brancos, nem com lenços vermelhos, tampouco com lenços verdes. O verso final lembra um ditado popular muito usado na época para definir a revolução: Dois leões no mesmo capão", segundo o Dr. Lauro Pereira Guimarães, estudioso daqueles tempos.

Era no tempo do "inimigo não se poupa",

Prisioneiro era defunto e se não fosse era exceção.

Botavam nele a "gravata colorada"

Que era o nome da "degola" nesses tempos de leão.

Ao comentar o cerco à Lagoa Vermelha, Branco cita a poesia Colorada de Rillo, musicada por Mário Barbará, como um exemplo fiel dos importantes combates acontecidos naquela região. Segundo ele, a “pacata vila, então com apenas oito ruas, viveu dias de pânico e angústia, mas viu exemplos de coragem e fibra, com federa- listas e republicanos defendendo com brio suas idéias". A poesia de Silva Rillo, entretanto, não se perde em idolatrias ã violência, ou em retóricas ricas na forma e vazias no conteúdo. Colorada aponta a inutilidade da guerra, visto aue era entre irmãos: aponta a relatividade dos ideais, pois os heróis tratavam-se, em muitos casos, de mercenários. Assinala a frieza e a covardia da gravata colorada e a fragilidade do heroísmo, pois no tempo das revolução, a cor do lenço não fazia diferença na hora da morte. Nesta, diferentemente do que na vida, todos os homens eram iguais.

A OBRA


POESIA

Cantigas do Tempo Velho (Globo, 1959)

Viola de Canto largo (Kunde, 1968)

São Borja, Aqui Te Canto (A Notícia 1970)

Caminhos de Viramundo (Martins, 1979)

Pago Vago (Martins, 1981)

Itinerário de Rosa (Martins, 1983)

Alma Pampa (Martins, 1984)

Doze Mil Rapaduras & Outras Histórias (Tchê!, 1984)

30 Anos de Poesia (Tché!, 1986)


FICÇÃO

Viagem ao Tempo do Pai (contos) (Martins, 1981)

Rapa de Tacho (causos) Rapa de Tacho 2 (causos) (Tchê!, 1983)

Rapa de Tacho 3 (causos) (Tchê!, 1984)

Dois Mil Dias Depois (contos) (Tchê!, 1985)

O Finado Trançudo (novela ) (Tché!, 1985)

Boca do Povo (causos) (Tchê!, 1987)

Rapa de Tacho 4 (causos) (Tché!, 1988)

Rem-rem da Faca na Pedra (contos) (Tché!,1990)

Os Calos Cantarão (novela) (Tchê!, 1992)


FOLCLORE E HISTÓRIA

Já se Vieram! - História, tradição, folclore e atualidade da cancha reta no RGS (IGTF, 1978)

São Borja em Perguntas e Respostas (Argraf, 1982)


TEATRO

Domingo no Bolicho ( primeira montagem em 1957 ) !

João Gaudério a João Peão, Vida e Paixão (primeira montagem em 1970)


Bibliografia citada

BELLOMO, Harry Rodrigues. Revolução Federalista & Arte Funerária. In op.cit. Pág. 6 7-72.

BRANCO, Pércio de Moraes. O cerco a Lagoa Vermelha. In op. Cit.

FISCHER, Luís Augusto. Para fazer diferença. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999. Pág. 83.

LETTl, Nicanor. A degola. In FLORES, Hilda Agnes Hübner (org) Revolução Federalista - Estudos. Porto Alegre, Nova Dimensão, 1993. Pág. 81-88.

MOURE. Teimo Remião. hlistória do Rio Grande do Sul - Origem dos Termos Chimangos e Maragatos. Editora FTD S.A.

Referências

  1. Da Revista Água da Fonte nº 2