A grande mulher que registrou a história de Passo Fundo

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A grande mulher que registrou a história de Passo Fundo

Em 31/12/2008, por Welci Nascimento


A grande mulher que registrou a história de Passo Fundo[1]


Na era da eletrônica, o desenvolvimento da técnica, os meios de comunicação social e o conhecimento do próprio homem chegaram a um fastígio tal que ultrapassaram os mais arrojados sonhos de nossos ancestrais históricos.

Tudo isso leva a atribuir-se à missão de dominar a terra uma nova dimensão, mais lúcida e mais objetiva do que aquela que tiveram as gerações que nos precederam. Na tentativa de analisar sua missão, o homem, desde que surgiu na face da terra, vem confundindo o domínio do mundo com o domínio de outro homem.

Servindo-se de seu irmão, na satisfação de seus interesses próprios, criou o homem múltiplas formas de opressão: da mulher, do filho do escravo, das coletividades, das nações...

A dominação do homem por outro homem, de grupos por outros grupos, de uma nação por outras nações, foi percebida e exercida de modo diferente. Hoje, de modo mais claro, o homem toma consciência de que pertence a uma comunidade muito mais vasta, a qual se traduz em pequenas comunidades locais.

Essas comunidades sofrem transformações, ao longo do tempo. O homem do século XIX não é o mesmo do século XXI.

Passo Fundo já foi freguesia, vila, e hoje é um pólo regional. O ser humano mudou. Passo Fundo mudou. Já fomos dominadores, porque os políticos exerciam o poder pela força e com a força. Éramos uma comunidade extremamente machista, dominadora.

Mas a história deste município registra o trabalho ativo, nobre, de mulheres que se destacaram nas mais diversas áreas do conhecimento humano e que envolveram, positivamente, a vida social da comunidade.

Com o dinamismo que caracterizava cada uma dessas mulheres, em suas atividadespositivas, elas souberam dar a contribuição necessária para ajudar no processo do desenvolvimento político, social e econômico de Passo Fundo, tornando a cidade mais humana.

Vem-nos à lembrança mulheres como Eulina Braga, Ana Luisa Ferrão Teixeira, Irmã Margarida, Helena Salton, que já nos deixaram.

Mas ainda contamos com mulheres como Heloisa Almeida, Alice Costi e tantas outras mulheres, que lideram inúmeros segmentos da nossa sociedade, com Tania Röesing.

Estamos nós, aqui reunidos, para reverenciar a memória de uma mulher. De uma grande mulher: Delma Rosendo Gehm, cujo nascimento e morte ocorreram na terra do seu coração – Passo Fundo.

Sua trajetória, seu discernimento, sua conduta retilínea, seu interesse inabalável e seu amor pelo município de Passo Fundo, fazem nos reunirmos com os mesmos sentimentos, para reverenciar a memória dessa mulher, carinhosamente chamada de Dona Delma.

D. Delma procurava estar sempre presentena vida desta comunidade, hoje mais fraterna. Era uma mulher extremamente ativa, jovial no que se referia às idéias, estava sempre pronta para o debate que dissesse respeito à vida da sua cidade natal, que dissesse respeito a seus valores morais, cívicos, culturais.

Sistematicamente, a imprensa local publicava suas idéias e ideais sobre o comportamento humano.

Ela procurava ser fiel aos fatos, aos acontecimentos que envolviam a vida da sua gente.

Neste sodalício, foi uma destacada acadêmica, tendo exercido a Presidência com dignidade e muito empenho em defesa das letras.

Em 1957, ao lado de pessoas ilustres desta cidade, como Antônio Donin e Jorge E. Cafruni, ajudou a fundar e organizar o Instituto Histórico e Geográfico de Passo Fundo, hoje reestruturado, sob a liderança do escritor Pedro A. V. da Fonseca.

Notórios fatos que envolveram o povo de Passo Fundo foram registrados, graças às pesquisas realizadas pela professora Delma.

Ela escreveu e reescreveu a história deste Município.

O episódio da Guerra do Paraguai foi um exemplo. Daqui, segundo Delma, partiram o 42ºe 8º esquadrões, totalizando um efetivo de 1700 homens.

Em 1864, registra que já havia marchado o 9º Corpo com 409 homens, incorporando-se às forças de operação contra os paraguaios. Segundo a nossa historiadora, Passo Fundo enviou mais de 2 mil homens para os combates.

Coube a Francisco Marques Xavier (o Cel. Chicuta), a glória do último feito de toda a campanha, escreveu a professora Delma.

As velhas e novas gerações precisam ficar sabendo dessas coisas. Para isso, há que se ter alguém que pesquise e reescreva a história.

Delma fez isso.

Ela costumava debater temas polêmicos, pois era uma oradora nata.

“O que tem sido mais benéfico para o Brasil? As armas ou a literatura?” questionava. Delma proferia palestras e trazia à tona as idéias de Nicolau de Araújo Vergueiro.

O Clube Amor à Instrução, criado no ano de 1883, tendo como sede um velho casarão situado na Rua do Comércio, hoje Avenida Brasil, foi objeto de pesquisa por Delma. Tal clube foi a sementeira de grandes ideais como, por exemplo, o movimento abolicionista, a melhoria da instrução e oportunidades para estudar...

Dos olhos e dos ouvidos da professora Delma pouca coisa escapou. Ela costumava registrar tudo para a posteridade. Daí a importância das placas, dos marcos indicativos de fatos. Só o tempo poderá dar o devido valor.

Um dos grandes trabalhos da professora Delma, editado em 1976, foi a obra “Cronologia do Ensino em Passo FundoFundo”. Ela registrou tudo o que aconteceu na área educacional, de 1848 a 1976. Delma foi às fontes. Desde a Imperial Câmara de Cruz Alta até a Câmara Imperial de Passo Fundo. Da criação da mais simples e remota escolinha, lá no meio rural, às faculdades da Universidade.

Outra obra, que deverá estar nas mãos de professores e alunos, é Passo Fundo Através do Tempo, em três volumes, patrocinado pelos prefeitos, Wolmar Salton, Firmino da Silva Duro e Fernando Machado Carrion, e repassados à SAMI e à APAE para beneficiar essas instituições.

D. Delma não comercializava seus trabalhos. Fazia doação das suas obras em favor da comunidade.

Trabalhava porque gostava.

As emissoras de rádio tinham o prazer de entrevistá-la. Delma era objetiva, falava com convicção, com clareza, e sabia estabelecer a comunicação. Falava com a autoridade de quem sabia.

Senhoras e senhores!

Quem foi essa mulher tão importante para a sua gente?

Delma Rosendo Gehm nasceu em Passo Fundo, no dia 9 de outubro de 1917. Era filha de Manoel Thomaz Rosendo e Universina Ribas Rosendo.

Contraiu núpcias com Waldemar Daniel Gehm, em 2 de setembro de 1939.

Do casamento nasceram as filhas: Valéria, casada com Polidoro Mendes da Costa; Silvana, casada com José Maraes; e Carla, casada com Sérgio Dumoncel Hoff.

O casal Delma e Waldemar ganhou muitos netos.

Seu esposo era do alto comércio de Passo Fundo.

As atividades profissionais de Delma Rosendo Gehm foram essencialmente na área educacional.

Foi uma educadora por excelência. Ela trabalhou em todas as instâncias do magistério. Desde professora do Ensino Primário até galgar o cargo de Secretária Municipal de Educação e Cultura, na gestão Mário Menegas.

Delma, além de ser professora, era uma mulher engajada na vida da sua cidade natal. A personalidade de D. Delma encantava as mulheres que lhe faziam companhia. Ela foi picada pela mosca azul da libertação da mulher.

Delma presidiu a Sociedade das Senhoras dos Caixeiros Viajantes, foi Secretária Geral do Núcleo de Voluntárias da Pátria e da Cruz Vermelha Brasileira, por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Presidiu a Sociedade de Amparo à Maternidade e Infância de Passo Fundo – SAMI. Presidiu o Núcleo da Legião Brasileira de Assistência; secretariou a APAE, coordenou cursos profissionalizantes da Fundação Gaúcha do Trabalho; foi membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Passo Fundo e da Academia Passo-Fundense de Letras, da qual foi presidente. A Liga de Combate ao Câncer teve em Delma uma líder.

D. Delma tinha o dom da oratória. Por isso, ela sempre foi designada, por seus pares, para ser a oradora oficial das instituições de que fazia parte integrante.

Dedicada ao estudo e ao saber, sua vida foi pontilhada de cursos, feitos com raro brilhantismo.

Delma foi uma mulher política, no mais elevado sentido da palavra.

Este é o perfil da nossa companheira da Academia Passo-Fundense de Letras: Delma Rosendo Ghem. Incompleto, certamente. Ela foi muito mais. Ela deu de si, muito mais.

Delma foi uma das acadêmicas mais atuantes deste sodalício.

A presidência, na pessoa do escritor Paulo Monteiro, lhe rende homenagem. Os acadêmicos e acadêmicas lhe rendem homenagens, que tornam públicas, aos seus familiares e amigos aqui presentes, suas amigas desta terra, que Delma sempre amou e à qual se dedicou, incansavelmente.

“Toda a moral social resume-se nisto: instruir-nos e instruir os outros”.

Este pensamento ilustra uma de suas obras.

É o que Delma sempre tentou fazer, ao longo da sua trajetória nesta terra, altamente comprometida com a sua gente.

Com paciência, Delma Rosendo Gehm soube coligir fatos que o homem do passado construiu. “Foi uma historiadora que procurava, na dimensão da plenitude humana, ser fiel e honesta aos fatos que descrevia”.

As memórias históricas de Passo Fundo vieram à tona com os livros da professora Delma.

A famosa e famigerada Revolução Federalista, sepultada pelo povo de Passo Fundo, porque o principal combustível dessa revolução foi o ódio alimentado pelo fanatismo político, foi descrita, batalha por batalha, no território de Passo Fundo, pela professora Delma.

A Guerra do Paraguai, a que nos referimos, ocorrida de 1864 a 1870, e que empolgou toda a alma rio-grandense, foi descrita pela professora Delma, no quese refere à participação dos passo-fundenses.

A Guerra dos Farrapos também não escapou das anotações da escritora passo-fundense.

Foi Delma que ajudou o povo desta cidade a recuperar a sua memória. Ela deu continuidade aos registros de Francisco Antonino Xavier e Oliveira.

A movimentação política da Revolução de 1930, que colocou Getúlio Vargas no poder, foi também registrada pela professora Delma. Os acontecimentos, os principais personagens, tudo foi objeto de análise da nossa consagrada historiadora.

À sombra dos nossos historiadores que já partiram, outros vão chegando e contando o processo histórico desta comunidade, escrevendo e reescrevendo os acontecimentos e a vida deste povo.

Estamos no mês de agosto, tempo que nos faz lembrar a emancipação política de Passo Fundo.

São 151 anos de vida.

Todos os anos, na Semana do Município, a professora Delma costumava dar entrevistas nas emissoras de rádio, nos jornais, e percorria os educandários, as instituições, dissertando sobre o processo de desenvolvimento da sua terra natal.

Ela falava com autoridade de quem sabia.

“O tempo é sanga que corre para o rio da eternidade”, disse o poeta regionalista, membro desta Academia, Tenebro dos Santos Moura.  

A obra da professora Delma Rosendo Gehm, “Passo Fundo Através do Tempo”, é como a sanga que a levou para a eternidade.

Referências

  1. Panegírico pronunciado na Sessão em Memória da Professora e Historiador Delma Rosendo Gehm,  no dia 9 de agosto de 2008, realizada no Salão Nobre da Academia Passo-Fundense de Letras. Publicado na revista Água da Fonte n° 06