A calçada alta e a quadra da prefeitura velha
A calçada alta e a quadra da prefeitura velha
Em 31/05/2011, por Luiz Juarez Nogueira de Azevedo
A calçada alta e a quadra da prefeitura velha: núcleo do centro histórico de Passo Fundo[1]
LUIZ JUAREZ NOGUEIRA DE AZEVEDO[2]
É possível afirmar que o verdadeiro centro histórico da cidade está localizado nos cinco quarteirões da Avenida Brasil, que vão desde a atual rua Cel. Chicuta até a Capitão Araújo (outrora Rua do Estreito). Ali, a pouca distância do local onde foi a sede da fazenda do fundador — Cabo Neves —, foram construídas as residências das principais famílias, na fase inicial da antiga Vila de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, do Passo Fundo. Nessas quadras e suas adjacências foram tomadas as mais significativas decisões políticas e administrativas, desde o tempo da monarquia até os nossos dias, praticamente.
No trecho entre as ruas 15 de Novembro (antes da Ladeira) e Teixeira Soares (das Flores e depois de Humaitá), o principal deles, nas primeiras décadas do século passado, foi construído o prédio da antiga intendência, que antes funcionava (desde quando era conhecida como "paços da Câmara") num casarão que foi demolido, para dar lugar ao Colégio Notre Dame. Ao lado da Prefeitura, encontra-se a casa que foi do Sr. João Gonçalves, ainda de pé. Que deve ser atualmente o mais antigo prédio da cidade, construído em 1888.
Nessa mesma quadra, foi edificado o antigo teatro, onde funcionou o Clube Amor à Instrução, numa construção também do século XIX, local em que vieram a ser instalados, pelo intendente Armando Annes, os primeiros serviços de eletricidade do Município. É onde esteve depois a Câmara Municipal, sendo hoje ocupado pelo Teatro Múcio de Castro. Não se pode esquecer que, no mesmo lado da Avenida, e ao lado do teatro, reconstruído recentemente, mas desfigurado e desvirtuado, encontra-se o prédio que sediou o Clube Pinheiro Machado, inaugurado em 1912, mais tarde ocupado pelo Fórum e pela Escola Complementar (hoje Colégio Estadual Nicolau de Araújo Vergueiro), quando de sua instalação, em 1929, e depois pela biblioteca pública. Atualmente funciona ali a Academia Passo-fundense de Letras.
No lado oposto da Avenida havia a "calcada alta", sem dúvida o mais belo e característico conjunto arquitetônico que a cidade jamais teve. Era uma sequência de mansões, a maior parte delas construídas sobre um trecho, que acabou elevado sobre o atual nível da nossa velha rua do Comércio — provavelmente quando seu leito foi rebaixado para receber a primeira pavimentação. Pela situação em que se apresentava, o conjunto dos prédios da calçada alta se sobressaia na paisagem da Avenida, formando um belíssimo conjunto com os edifícios públicos do outro lado. Era na calcada alta que estavam os mais requintados palacetes, distinguindo-se na paisagem da Avenida, por sua harmonia, imponência e invariável bom-gosto. Ali estiveram, até serem derrubadas, uma a uma, entre outras, as residências da família Sperry (a qual ainda de pé. mas completamente desfigurada), de Octaviano Lima, de Gervásio Lucas Annes e do primeiro presidente da Câmara, Manoel José de Araújo (esta foi o primeiro prédio da Faculdade de Direito). Na esquina da Rua 15 de Novembro havia outra, que pertenceu à família Birman, tendo ao lado, na calçada oposta, a singular moradia de Gabriel Bastos, recentemente demolida para dar lugar a mais um edifício. Impressionavam pela harmonia, pela beleza e por sua perfeita adaptação à paisagem urbana e à topografia do local. De nenhuma delas se pode dizer que fosse modesta ou acanhada. Eram construções apalaçadas, com grandes portas, escadarias, pé-direito alto — como era usual na época — sacadas, janelões e salões-nobres que se abriam para a Avenida.
Ainda é possível salvar alguma coisa? Acredito que sim. Restam de pé os prédios da Prefeitura, do Clube Amor à Instrução (Teatro Múcio de Castro) e do Clube Pinheiro Machado (Academia de Letras).
É impressionante, porém, o descaso dos encarregados de zelar por eles, que os estão deixando em minas. Quem passa pelo local surpreende-se com sua deterioração e abandono. Seria o momento — talvez amanhã seja tarde demais — de se unirem o Poder Publico (Prefeitura e Câmara), a Universidade, o Ministério Público, como curador do patrimônio histórico, a própria Academia e demais segmentos culturais, juntamente com a classe dos engenheiros, arquitetos e urbanistas da cidade, aliados à poderosa indústria da construção civil, para possibilitar a restauração e preservação desses prédios.
Sem falarmos outros problemas graves que apresenta o nosso centro urbano, é preciso, urgentemente, elaborar e executar um plano consistente, que possibilite a recuperação do que resta dos poucos e tristes vestígios de uma arquitetura, que hoje se apresenta como muda e eloquente testemunha do passado da cidade, que não pode ser esquecido nem desprezado.