A Vila se Constituindo em Cidade

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A Vila se Constituindo em Cidade

Em 2007, por Luísa Grogoletti Dalla Rosa


A VILA SE CONSTITUINDO EM CIDADE: PASSO FUNDO[1]


Por: Luisa Della Rosa                                    


O processo de formação da cidade de Passo Fundo remonta ao século XIX, mais precisamente, ao seu povoamento, que começou nas primeiras décadas desse século. Iniciou-se com os tropeiros paulistas que utilizavam a região como caminho para levar gado à feira de Sorocaba, em São Paulo.  

Em novembro de 1847, Passo Fundo foi elevado à condição de freguesia, com a denominação de Nossa Senhora da Conceição Aparecida de Passo Fundo, pertencendo, então, ao município de Cruz Alta. Desse se desmembrou em 28 de janeiro de 1857, tornando-se município. Nessa época, as principais atividades econômicas de Passo Fundo estavam ligadas à agricultura e à pecuária de pequeno porte, fazendo-se presente o cultivo da erva-mate, do milho, feijão, trigo, amendoim, batata, arroz, em conjunto com a criação de gado vacum, cavalar e muar.

Posteriormente, com a promulgação da instalação da vila de Passo Fundo, houve a criação da Câmara Municipal, existindo um juiz municipal, um delegado de polícia, um cabo e praças da Guarda Nacional. Em 1859, já funcionava uma escola pública e, no ano seguinte, foi criada a linha de Correio para Rio Pardo. A vila contava com casas de negócios, ferrarias, olarias e um bilhar; em 1861, foi construído o cemitério público . Nesse período, começou a haver preocupação com a construção de uma estrada que ligasse Passo Fundo a Porto Alegre, por um caminho mais curto do que pela via costumeira, que era passando por Rio Pardo.

Nesse sentido, vemos que o processo de emancipação foi sendo tecido, de forma que a ligação com outras regiões era imprescindível. Primeiramente, fez-se necessário o traçado de estradas para ligação; num momento posterior, por volta da década de 1890, elaborou-se o projeto de construção da estrada de ferro, inaugurada em 1898. O transporte ferroviário contribuiu para um desenvolvimento significativo da cidade e região, pois trouxe uma revitalização econômica para a cidade, além de encurtar caminhos, por passar, agora, por Santa Maria  .

As primeiras iniciativas de trabalho de profissionais autônomos ocorreram com médicos: Casemiro Antônio Bastide, entre 1842-1845, intitulado “cirurgião aprovado”, e Jorge Moojen, que clinicou na cidade entre 1850-1860 e atuou, ainda, como delegado de polícia e inspetor de ensino .

A primeira banca de advocacia surgiu por volta de 1864, com a atuação de Antônio Ferreira Prestes Guimarães, representante do Partido Liberal, que exercia o ofício sem diploma de bacharel em direito . Mais tarde, outras pessoas também exerceriam a atividade de advocacia, como foi o caso de Gervásio Lucas Annes, representante do Partido Republicano, e Cândido Lopes de Oliveira, do Partido Liberal, os quais também ocuparam cargos políticos, revelando-se até mesmo como rivais já que representavam facções antagônicas .

As conseqüências decorrentes do conflito militar contra o Paraguai, de 1864-1870, fizeram-se presentes no setor econômico em Passo Fundo, acarretando a estagnação da agricultura, com sua baixa produtividade, a falta de atenção aos setores produtivos, alguns dos quais ficaram até mesmo paralisados em função do envolvimento no conflito .

Em contrapartida, por volta de 1870, iniciou-se uma maior diversificação no setor produtivo por meio do plantio de tabaco, café e algodão. Houve um incremento na indústria de artefatos de couro, com utensílios de montaria, principalmente a fabricação do lombilho, chamado de “serigote”, introduzido pelos imigrantes alemães .

Nesse período, houve uma significativa entrada de imigrantes de várias nacionalidades no município; eram alemães, italianos, portugueses, franceses, uruguaios, paraguaios, espanhóis, os dois primeiros em número bem maior que os demais . Os imigrantes imprimiram um panorama diferente à cidade, havendo uma modificação na dinâmica econômica: o comércio foi implementado com maior vigor; novas técnicas foram introduzidas para revitalizar o setor primário; as práticas da produção voltaram-se para as pequenas propriedades, as colônias, em que era produzido o necessário para a manutenção dos núcleos familiares locais; houve também algumas novidades no setor de indústrias, com a introdução de curtumes, selarias e ferrarias.

O primeiro ciclo econômico da cidade de Passo Fundo foi o cultivo de erva-mate, que era produzida e comercializada localmente e como produto de exportação, especialmente para o Uruguai e o Rio da Prata. No entendimento de Antonino Francisco Xavier e Oliveira, houve momentos de crise nesse setor: “A ambição desvairada que de tudo abusa, lançando mão da fraude, falsificou a manipulação dessa indústria. Daí proveio o descrédito da erva-mate serrana que em qualidade rivaliza com a erva-mate paraguaia, e é reconhecidamente superior à do Paraná” .

Outro ciclo desenvolvido no município foi a pecuária, mostrando, dessa forma, uma proximidade com a produção estadual do Rio Grande do Sul, mas que não despontava com resultados promissores, pois, “sem embargo, fazendas de criar em grande escala, não oferecem seguros resultados – uma vez que a indústria pastoril serrana depende do sal, e esses, importado com custo, abre larga verba nas folhas das despesas; não podendo o produto assim gravado suportar as charqueadas a concorrência dos similares que afluem de outros pontos da província” .

Em 1902, a indústria madeireira trouxe um novo perfil para a cidade, pois iniciou-se uma exploração intensiva das florestas de pinhais, atividade que se destacou como o terceiro ciclo econômico do município . Esses ciclos estão diretamente relacionados com os interesses estaduais na tentativa de buscar alternativas para o setor econômico, uma vez que, esgotadas algumas das fontes de riqueza, era necessário criar novos recursos .

A abolição da escravatura foi se difundindo em Passo Fundo com algumas iniciativas peculiares, isto é, foram feitas campanhas para emancipação dos cativos; foi fundada, em 1871, a Sociedade Emancipadora das Crianças Negras do Sexo Feminino, da qual fazia parte um número significativo de pessoas da comunidade, que auxiliavam as crianças com donativos, alimentos, etc. Ainda em 1884, houve até mesmo a liberação de escravos do município, medida anterior à própria abolição nacional, ocorrida em 1888 .

A Revolução Federalista de 1893-1895 demarcou bem essa bipolarização entre os liberais, apelidados de “Maragatos”, liderados por Gaspar de Silveira Martins, e os republicanos, apelidados de “pica-paus”, liderados por Júlio de Castilhos, e deixou conseqüências que se evidenciariam mais tarde, como foi a revolução de 1923 e a permanência do Partido Republicano no poder por trinta e três anos .

No caso de Passo Fundo, também se evidenciou esse conflito, cujas conseqüências tornaram-se presentes, por exemplo, na permanência dos republicanos na administração local ao longo do período de 1914-1928 e na própria disputa político-partidária ocorrida entre os republicanos e liberais. Constatamos essa disputa até mesmo na criação dos primeiros meios de comunicação, mais especificamente, dos jornais. O primeiro desses órgãos surgido em Passo Fundo foi o Eco da Verdade, fundado em 1890 e que circulou até 1892; era órgão do Partido Republicano, editado pelo advogado Gervásio Lucas Annes e foi substituído pelo 17 de Junho, depois o Gaúcho, fundado em 1899 .

Ainda nessa linha de representação política-partidária, tivemos O Progresso, A Época, fundado em 1921 e, por fim, O Nacional, fundado em 1925, seguindo as mesmas prerrogativas e orientações que anteriormente representavam os jornais do Partido Republicano.

Tivemos também A Luta, que circulou no município a partir de 1923, de curta duração. Em 1935, o Diário da Manhã foi fundado por Túlio Fontoura, divergindo e demarcando posições políticas antagônicas frente ao O Nacional, ambos subsistindo até a atualidade. Paralelamente à circulação e existência desses jornais, houve o surgimento de periódicos literários, O Palco, até 1900; humorísticos, O Avança 1909-1911; críticos, O Guiso, e de propaganda comercial, O Viajante.

Desde o final do século XIX, surgiram sociedades e associações culturais, em que uma parcela da intelectualidade passo-fundense participava ativamente, dentre as quais vale destacar: em 1883, foi fundado o Clube de Amor à Instrução por um grupo de rapazes, sendo, em 1888, iniciada a construção de sua sede. Nele havia uma biblioteca e as reuniões ocorriam com a escolha de um determinado tema preestabelecido anteriormente para o debate se realizar. A sua sede foi local das oficinas do jornal O Gaúcho e do Clube Pinheiro Machado. Em 1891, surgiu o Clube Literário e Recreativo Passo-Fundense. que existiu por um curto período de tempo, até 1893, e que se fundiu com o Clube de Amor à Instrução em 1898.

A Loja Maçônica Concórdia III, fundada em 1876, teve como primeiro venerável Adão Schell e atuou por dez anos, encerrando suas atividades por razões de divergência política. Como sua sucessora surgiu a Loja Maçônica Concórdia do Sul, em 1889, tendo como primeiro venerável Pantaleão Ferreira Prestes.

A Societá Italiana Di Mutuo Socorso “Iolanda Margherita Di Savoia” , foi fundada em 1901 por iniciativa dos italianos residentes, sendo modificada sua denominação por decreto federal em 1938 para Clube Caixeiral .

O Clube Pinheiro Machado, fundado em 1904, foi criado para defender os interesses do partido republicano local e fortalecer a disciplina partidária, mas também visava à instrução e ao recreio de seus associados através de ensino cívico das grandes datas e personagens do passado histórico da República, montar uma biblioteca, um salão de jogos e proporcionar reuniões familiares. Possuía sede própria e acabou encampando o Clube “Amor à Instrução”; em 1929, cedeu espaço para a Escola Complementar. Por conseqüência do Estado Novo, em 1938 passou aos cuidados da prefeitura, sendo abrigada em sua sede a Academia Passo-Fundense de Letras .

O Clube Comercial foi fundado em 1912, com o objetivo de congregar a classe dos comerciantes, defender os seus interesses e promover diversões para seus sócios . Uma outra forma de lazer e espaço cultural passou a existir com a instalação dos cinemas inaugurado em 1915.

Em 1913 houve a iniciativa de fundar a Associação Comercial de Passo Fundo, que veio a oficializar-se em 1921 . Em 1919, foi criado o Centro do Comércio e Indústria por iniciativa de pessoas que atuavam nesse setor na cidade e também nas cidades circunvizinhas, principalmente as que tinham em comum o trecho ferroviário entre Cruz Alta e Marcelino Ramos.

É perceptível um desenvolvimento econômico significativo na cidade e na região no período compreendido entre 1860 e 1934, acontecendo, primeiramente, um crescimento maior no setor comercial, que ocorria entre diferentes regiões do interior do Rio Grande do Sul e também com o mercado nacional; posteriormente, houve um avanço no setor industrial, que produzia também para o mercado regional adaptado ao setor primário da produção .

Nas décadas de 1910 e 1920, aconteceram fatos significativos, como a construção de sobrados e palacetes na região central da cidade, de sarjetas nas ruas, com o embelezamento da cidade, a troca de postes de iluminação e melhoramentos das praças, a construção de prédios para as casas de comércio, dos hospitais, a instalação de linha de telefone.

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Bibliografia:

IVEIRA, Francisco Antonino Xavier. Annaes do Município de Passo Fundo. Passo Fundo: Gráfica da UPF, 1990. v 2, p. 81-85. Algumas obras que tratam sobre o histórico de Passo Fundo desde o século XIX são: Passo Fundo através do tempo, de Delma Rosendo Gehm; Passo Fundo: terra de passagem, de Ney Eduardo Possapp d’Ávila.

Desde a transformação da feitoria em município, em 1857, Passo Fundo contava com sete distritos ligados à sede municipal, sendo dividida da seguinte forma: 1º distrito – Passo Fundo, sede; 2º – Campo do meio; 3º - Nonoai; 4º - Jacuizinho; 5º - Restinga; 6º - Soledade e 7º - Lagoão. Havia, nesse período, 8.208 habitantes, que estavam classificados como livres, libertos e escravos. Conforme: OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier. Op. cit.,  p. 82-83.

Conforme AVILA, Ney Eduardo Possap d’. Passo Fundo – terra de passagem. Passo Fundo: Aldeia Sul, 1996. p. 126.

GEHM, Op. cit. v. 2, p.122-123.

FERREIRA, Mariluci Melo. A trajetória política de Prestes Guimarães. Cadernos temáticos de cultura histórica, n. 6. Centro de Pesquisas Historiográficas do Rio Grande do Sul, Passo Fundo: Ediupf, 1998. p. 38-49. Antônio Ferreira Prestes Guimarães, nascido em 1837, em Passo Fundo, ocupou cargos administrativos ao longo de sua vida pública, como a Guarda Nacional e Delegacia de Polícia. Atuou na política como representante do Partido Liberal; participou da Guerra do Paraguai, da fundação da Sociedade Emancipadora de Crianças do Sexo feminino de Passo Fundo, em 1871, preparando o campo abolicionista. Foi eleito vereador no período de 1882-1886. Participou da Revolução Federalista, defendendo os interesses políticos do Partido Federalista, o que também pode ser considerado Partido Liberal, monarquista, gasparista e maragatos, colocando-se contrário à facção republicana e demarcando sua posição frente aos representantes republicanos.  

Conforme GEHM, Op. cit., v.2, p. 144-147, Gervásio Lucas Annes, nascido em Cruz Alta, em 1853. Representante do Partido Conservador, após a proclamação da República, tornou-se o primeiro chefe republicano de Passo Fundo. Ocupou o cargo de escrivão da Coletoria Estadual, de promotor público; em 1893, foi nomeado coronel comandante da Guarda Nacional da Comarca; foi fundador do jornal O Eco da Verdade; foi intendente nomeado em 1893; vice-intendente em 1896 e em 1904; intendente eleito em 1908; vice-intendente em 1912 e reeleito vice-intendente em 1916. Também ocupou assento na Assembléia Legislativa Provincial em várias legislaturas, bem como Antônio Ferreira Prestes Guimarães e Cândido Lopes de Oliveira. Alguns dados de Cândido Lopes de Oliveira foram encontrados no livro de OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier. Op. cit., p. 97, 100, 118-119. Foi delegado de polícia, auxiliou na Guerra do Paraguai, enviando uma quantia em dinheiro; eleito vereador no período 1869-1873; participou da Fundação da Sociedade Emancipadora de Crianças do Sexo feminino de Passo Fundo, entidade pró-abolicionista; foi membro do Partido Liberal.

Existe uma estimativa sobre o recrutamento para esse conflito de aproximadamente, em torno de dois mil homens, sendo também remetidas quantias em dinheiro para a compra de armamentos e auxílio às famílias pobres, através de doação de roupas e alimentos. In: OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier, p. 97-99.

GEHM, Delma Rosendo. Op. cit., v. 2., p. 12-13.

Baseado nos Anais de OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier, Op. cit., v.2, p. 302-303 e também no capítulo sobre “O elemento estrangeiro no povoamento de Passo Fundo”, do mesmo autor, publicado em 1931 no jornal O Nacional.

Idem, p. 125.

Idem.

GEHM, Delma Rosendo. Op. cit., v.1, p. 62-63.

SILVA, Elmar Manique da. Ligações externas da economia gaúcha (1736-1890).In: DACANAL, José Hildebrando; GONZAGA, Sergius. RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. p. 79-81.

Conforme OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier. Op. cit., p.117-120; GEHN, Delma Rosendo. Op. cit., v. 2, p. 29; FERREIRA, Mariluci Melo. Op. cit., p. 37.

FAY, Claudia Musa. O legado da Revolução de 1893. In: FLORES, Moacyr (Org.). 1893-1895: A Revolução dos Maragatos. Porto Alegre: Edipucrs, 1993. p. 35.

Esses apontamentos sobre os periódicos foram escritos no jornal O Nacional pelo autor, cujo pseudônimo era João D’Outrora, em 15 de julho de 1925, p. 2. O autor, que era Francisco Antonino Xavier e Oliveira, escreveu o artigo em 1923, mas o publicou no jornal em 1925. Os jornais citados têm uma raiz em comum: eram  meios de comunicação do Partido Republicano local. O Eco da Verdade tinha uma tiragem semanal, publicada aos domingos e impressa em antiquado e pesadíssimo prelo de mão, contando com colaboradores locais. No 17 de junho, que também era republicano, a redação, a gerência e o corpo de colaboradores eram os mesmos de O Eco da Verdade, paralisado e extinto em 1893 em conseqüência da Revolução Federalista, pois era o porta-voz do castilhismo.

GEHM, Op. cit., p.29-33.

Idem, p. 34-36.

Livro de Atas do Clube Comercial de Passo Fundo no período de 20 abr. 1912 a 1º nov. 1915, localizado no próprio Clube Comercial. A primeira diretoria foi composta da seguinte maneira: presidente, Arthur Schell Issler; vice-presidente, Gabriel Bastos; 1º secretário, Eugênio di Primio; 2º Secretário, Mário Bastos; tesoureiro, Jorge Severo Schell; tesoureiro adjunto, Lino Schell de Quadros; 1º bibliotecério, Píndaro Annes; 2º bibliotecário, Modesto Silva e os diretores de mês, que foram os seguintes: Belmiro Guterres, Oribe Marques, Aparicio Langâro, Eduardo Kurtz, Theodorico Borges da Rosa e Mathias Schmengler. Uma comissão de três pessoas foi composta para organizar os estatutos, que são: Manoel do Carmo, Jacob Theis e Juvenal de Oliveira Xavier.

Idem, p. 85 A primeira diretoria dessa sociedade foi assim composta: presidente, Arthur Schell Issler; vice- presidente, Otto Bade; secretário, Francisco Antonino Xavier e Oliveira; sub-secretário, Píndaro Annes; tesoureiro, Maximiliano Ávila; subtesoureiro, Nabuco Zirbes; Assistentes, José de Petry e Justo Galves.

Idem, p.89.

TEDESCO, op. cit., p.19

Referências

  1. Fonte: Site da Prefeitura Municipal de Passo Fundo => Aspectos Históricos