A Revolução Federalista em Passo Fundo

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A Revolução Federalista em Passo Fundo

Em 30/11/2013, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


PAULO MONTEIRO[1]


A Revolução Federalista que, entre os anos de 1893 e 1895 ensanguentou o Rio Grande do Sul, causando, seguramente, mais de 11 mil mortes, mas de mil das quais degoladas, teve em Passo Fundo um dos locais onde a violência se manifestou com maior intensidade. A violência, nesta parte Estado, fugiu à média das outras regiões.

Já consegui identificar cerca de 20 confrontos armados apenas dentro dos limites do então município de Passo Fundo. Os documentos daquela época falam pouco sobre números de prisioneiros, o que me deixou intrigado.

Confrontando esses escritos de um e de outro lado envolvidos na Revolução cheguei à conclusão meridiana: prisioneiros não se fazia, a adversários feridos não se poupava acida. Matava-se. Inimigo bom era inimigo morto.

Passo Fundo surgiu como terra ocupada, conquistada por guerreiros e tomada posse para seus familiares. O primeiro morador era um cabo, Manoel das Neves; o líder emancipacionista, um capitão, Joaquim Fagundes dos Reis. Passo Fundo foi colonizada por militares, em nome das armas. Aqui era solo castelhano e, à época, ameaçado de reconquista pelos portenhos. Era preciso mantê-lo a ferro e fogo.

Violeta, violentíssima era a política passo-fundense no Século XIX. Sirva de exemplo o debate travado na Assembléia Provincial no dia 14 de dezembro de1887 entre os deputados de Passo Fundo Antonio Ferreira Prestes Guimarães (liberal) e Gervazio Luccas Annes (conservador). O primeiro acusava o segundo de ausentar-se do Município por motivos óbvios, após mandar o delegado de polícia, Theofilo Rodrigues da Silva, e o comandante da força policial, José Claro de Oliveira, espancarem, prenderem e semearem o terror entre os liberais nos dias 5 e 6 de agosto de1886.

Tudo isso com o objetivo de levar Prestes Guimarães à resistência física e, ao fim, matá-lo. José Claro de Oliveira chegou a invadir o cartório de Prestes Guimarães para desacatá-lo. Gervazio, que não negou a acusação, afirmou que Prestes, quando seu partido estava no governo adotava as mesmas práticas. O liberal disse apenas que cumpria a Lei.

Quando veio a República o cenário estava pronto. Em 1891 existiam grupos armados de ambas as facções disputando o domínio bélico do município. Marginal na economia do Estado esses grupos foram vistos como simples hordas a serviço da caudilhagem local.

Assim, no Combate do Boqueirão (4 de junho de 1893) fala-se apenas que os federalistas, derrotados, tiveram 25 mortos, no combate, 6 na retirada, e grande número deferidos, segundo fontes republicanas, que teriam perdido 6 homens, feridos de morte, e 3 feridos.

Os maragatos contabilizam 9 mortos e 3 feridos entre os seus e, respectivamente, 3 vítimas fatais e um número ignorado de feridos entre os adversários. Ninguém fala em prisioneiros.

No Combate do Arroio Teixeira (20 de novembro de 1893) soma-se 34 mortos, inclusive um meio-irmão de Gervazio Annnes e muitos feridos entre os republicanos e apenas um morto e dois feridos entre os maragatos. Nesse combate a maior parte da força federalista estava armada de cacetes e lanças de guamirim. Nada de prisioneiros.

Outro caso paradigmático é o Combate do Passo do Cruz (20 de dezembro de 1893). Na verdade dois combates; um pela manhã, com dois mortos entre os republicanos, e outro à tarde, com mais 25 mortos entre estes o comandante da Brigada Militar, capitão Eleutherio, e Francisco Brizzolla, da Guarda Republicana. E nada de prisioneiros.

No dia 16 de janeiro de1894, no Umbu, entre Passo Fundo e Pulador, uma força republicana com cerca de 1500 homens bem armados foi esfacelada pela cavalaria federalista, que teve 17 mortos e 5 feridos. Os republicanos tiveram mais de 200 mortos e, aí, sim, deixaram 42 prisioneiros.

Um caso de massacre documentado aconteceu no dia 8 de fevereiro de 1894, no Combate dos Valinhos. Os republicanos, da Coluna de Santos Filho, mataram 125 maragatos, em combate, e tiveram 34 mortos (praças) e 15 feridos. Manoel Thomaz Rosendo, que fazia parte da Guarda Republicana, pediu a seu comandante que mandasse a banda do seu regimento tocar, o que foi feito durante seis horas seguidas, para abafar o clamor dos prisioneiros que eram torturados e mortos. Escritos republicanos dizem que os federalistas, além dos mortos em combate, tiveram 80 e tantos feridos.

Pouco tempo depois (6 de junho de 1894), no Combate dos Três Passos, foi a vez dos federalistas. Prestes Guimarães, que estava presente, informa que suas forças tiveram 13 mortos e 17 feridos; os adversários totalizaram 150 mortos e muitos feridos. E acrescenta laconicamente:

“Não houve prisioneiros”.

Documentos legados por republicanos que participaram do combate e auxiliaram no sepultamento dos mortos, dizem que além de saqueados os feridos foram degolados pelos federalistas.

Na Batalha do Pulador (27 de junho de1894) os números de mortos e feridos são divergentes. Pelo confronto entre os mesmos pode-se concluir que morreram cerca de 800 combatentes no local da batalha. Testemunho oral de um sobrevivente (João José da Silva) coincidindo com indícios factuais relatava que próximo de 200 brigadianos foram espingardeados nos matos próximos, para onde fugiram. Ninguém fala em prisioneiros.

Ora, a leitura atenta dos documentos e os testemunhos de sobreviventes são bastante claros: o massacre de feridos e prisioneiros foi uma prática tradicional em Passo Fundo, tanto por maragatos quanto por pica-paus durante a Revolução de1893. Some-se a isso os saques a propriedades, que arrasaram a economia local, e veremos que essa Revolução é tabu em Passo Fundo porque a violência ultrapassou a média registrada em outras partes do Estado.

Referências

  1. Paulo Monteiro pertence à Academia Passo-Fundense de Letras e à Academia Literária Gaúcha.