A Casa Barão: Solar Loureiro
A Casa Barão: Solar Loureiro
Em 07/08/2007, por Ana Paula Wickert, Selma Costamilan
Ana Paula Wickert, Selma Costamilan
A Avenida Brasil, antiga Rua do Comércio, é um dos lugares que marcaram a história de Passo Fundo, por sua paisagem pitoresca com largos canteiros arborizados, e sua importância na vida cotidiana da cidade. Em direção ao Boqueirão há casarões de outras épocas, hoje escondidos em meio a elevados edifícios. A conhecida Casa Barão constitui um desses lugares da memória, relembrando como era a paisagem daquele local; é considerada um dos marcos históricos mais importantes da cidade, especialmente porque compõe a cena da avenida há 142 anos.
Antônio José da Silva Loureiro (o “Barão”), construtor da casa, nasceu em Braga, Portugal, em 1835. Conta-se que aos 13 anos fugiu para o Brasil – Rio de Janeiro – onde trabalhou numa casa da Praça da Alfândega. Tentou também a sorte em Minas Gerais, atraído por notícias de facilidades e bons negócios. Não logrando êxito, migrou ao Rio Grande do Sul, estabelecendo-se às margens do Rio Uruguai, próximo à fronteira com a Argentina e depois em Nonoai onde negociava madeira. O transporte do produto era feito em balsas através do Rio Uruguai e a abundância de madeira lhe fez prosperar. Um grave acidente fez com que perdesse o maior lote já vendido de madeira, levando-o a falência.
Então, voltou-se ao comércio de balcão, vendendo também produtos de Passo Fundo, quando numa visita à cidade conheceu a filha de seu freguês Johann Adam Schell, principal comerciante da cidade na época. O interesse por Filipina Hein Schell e o consequente noivado trouxeram-no definitivamente à cidade, onde se estabeleceu em 1865. Formou uma família de 12 filhos com Filipina; desenvolveu várias atividades econômicas na cidade, como comércio, criação de gado, indústria do ramo de curtume, sapataria e artefatos de peles de animais domésticos e silvestres. Construiu, como considerou-se na época, a “melhor casa da cidade”, em alvenaria com mobiliário de primeira qualidade.
Era cidadão ativo na comunidade, com posições políticas e sociais bem definidas. Participou da sociedade abolicionista, em 1871. Já em 1879, participou com outros comerciantes de uma representação à Câmara, encaminhada à Assembléia Legislativa, solicitando que o comércio da vila fosse proibido de vender aos domingos, das 9 às 17 horas. Politicamente, foi defensor da monarquia, o que lhe causou adversidades tais como sua prisão numa estrebaria, ameaças de morte e, finalmente, o exílio voluntário para a Argentina em 1893, apoiado pela família. Com sua ausência, a propriedade, que ficara sob responsabilidade de Filipina, foi saqueada, e as casas da área rural destruídas. Após três anos, com a pacificação da situação política no Brasil, Loureiro retornou da Argentina com 500 cabe ças de gado, e de Porto Alegre com mercadoria para sua loja, recomeçando sua criação de gado, os trabalhos de curtume e o comércio.
Seus negócios voltaram a prosperar, e com o avanço de sua idade passou-os para responsabilidade de seu filho Adão, cujo falecimento precoce levou à extinção dos mesmos. Em 1888, Passo Fundo contava com 22 casas comerciais, contando a de Loureiro, cujo nome aparece na lista de comerciantes com a insígnia “Barão”. Conta-se que essa distinção, devida ao seu trato educado e gentil, acompanhou-lhe até a morte (no decorrer de 1919, já viúvo e doente).
Sua enfermidade foi tratada por Nicolau de Araújo Vergueiro, que após exames concluiu ser esta um “mal da idade”, vindo a falecer em 25/11/1919, aos 84 anos. A casa dos Loureiro (Casa Barão) foi construída em 1865, com tipologia térrea, de planta em “L”, típica da casa brasileira da primeira metade dos anos 1800, inspirada na arquitetura luso-portuguesa. Implantada no alinhamento da Rua do Comércio, estabelecia o limite entre a área urbana e a rural, já que atrás da mesma, ao norte, havia o chamado “Mato do Barão”. A edificação de uso misto abrigava a residência e o estabelecimento comercial. Na área do mato foi construído um curtume, residências para funcionários e outras edificações de uso rural. Quando da construção, não havia casas mais formais elaboradas em Passo Fundo, assim, a decoração da fachada em estuque (argamassa especial para ornamentos), marcando a esquina com expressiva pilastra, além dos frisos e molduras nas esquadrias, transformaram a casa em referência de elegância e bom-gosto. A sobriedade formal revela uma mescla colonial com influências acadêmicas neoclássicas, especialmente na decoração, provavelmente feita depois, assim como a platibanda. Sabe-se que a casa foi construída em partes, explicando assim a fusão dos estilos. Porém, segundo conta Reis Filho, a casa não tinha as principais inovações da época, como porão alto e afastamentos laterais, que apareceram em Passo Fundo só no século XX. Mesmo assim, a casa diferenciava-se por suas peças amplas e bem iluminadas e pelo glamour do conjunto de residência bem construída e bem mobiliada, sendo conhecida também como “Solar Loureiro”.
Em fins do século XX, um projeto moderno de edificação previu a implantação de duas torres de apartamentos junto à Casa Barão, porém preservando-a, fato que configurou-se como o que talvez tenha sido uma das únicas iniciativas de conciliar a memória histórica local com os avanços do mercado imobiliário.