A Batalha do Pulador (reportagem)
A Batalha do Pulador (reportagem)
Em 09/08/2005, por Paulo Domingos da Silva Monteiro
A Batalha do Pulador[1]
Paulo Monteiro[2]
O presente artigo é o produto de vários anos de leituras e discussões sobre a Batalha do Pulador. Representa a sistematização de estudos divulgados em periódicos ou apresentados em seminários e encontros sobre a Revolução Federalista em Passo Fundo. A opção em imprimi-lo sob a forma de tablóide objetiva reduzir custos ampliando a circulação do texto.
Escrito ao correr da pena, o “estilo jornalístico” é evidente e intencional. Como numa reportagem, são aproveitadas passagens quase inteiras de livros consultados. Muitos deles reunindo textos contemporâneos, transpirando odor de pólvora e sangue.
Não se trata de trabalho exaustivo, que esgote o assunto, mas de simples introdução. Faz parte de um projeto maior que, concluído, espero tornar público durante as comemorações do Sesquicentenário de emancipação político-administrativa de Passo Fundo: o resgate da importância da Revolução Federalista no Município.
Espero que possa ser útil a tantos quantos o leiam, em especial aos que se dedicam ao projeto de encenar a Batalha do Pulador ou acompanham sua apresentação pelos "Cavaleiros do Mercosul". Importante é que aproveitemos a encenação para efetuar um pedido de perdão histórico por todas as atrocidades cometidas naquela época em nossa terra.
Todos os historiadores concordam que a Batalha do Pulador foi um dos mais sangrentos, se não a mais sangrento encontro armado durante a Revolução Federalista ou Revolução de 1893. Concordam, ainda, que ali, praticamente, se decidiu a sorte do movimento armado. Depois do Pulador o que se viu foram as forças federalistas retirando-se em direção da Fronteira, na esperança de que seus camaradas exilados operassem uma nova invasão. Enquanto isso, os republicanos se reorganizavam e atacavam os revolucionários por todos os lados.
Após a morte de Gomercindo Saraiva, em Carovi, interior de Santiago, a 10 de agosto de 1894, pode-se dizer que a Revolução acabou. Restaram focos isolados, quase exclusivamente na Região de Passo Fundo. A posterior aventura de Campo Osório (24 de junho de 1895) não passou de um pós-escrito revolucionário
A história da Revolução Federalista ainda está por ser escrita. No geral, o que existe sobre aquele movimento fratricida, que ensangüentou o Rio Grande do Sul entre os anos de 1893 e 1895, se deve a esforço isolado de alguns historiadores ou a pessoas comprometidas com este ou aquele grupo envolvido naquela verdadeira Guerra Civil, que se estendeu pelos vizinhos estados de Santa Catarina e Paraná. Nem mesmo as repúblicas limítrofes (Uruguai e Argentina) ficaram imunes ao envolvimento com os grupos em confronto.
De ambos os lados houve a participação militar de estrangeiros. Antes que por aqui, em outubro de 1893, passasse o Exército Libertador comandado por Gomercindo Saraiva, “castelhanos”, mais precisamente corrientinos, a serviço dos próceres republicanos passo-fundenses assolaram o Município, matando e saqueando.
A Passagem do Exército Libertador
Da passagem do Exército Libertador por Passo Fundo existe um documento impressionante, escrito ao correr dos acontecimentos. Trata-se do livro “Voluntários do Martírio”, legado pelo médico baiano Angelo Dourado, que, no posto de coronel, prestou serviços de sua especialidade aos federalistas, do Rio Grande ao Paraná. Atendeu, ainda à população civil.
Alguns estudiosos da revolução chegam a colocar a obra ao lado da “Retirada de Laguna”, do Visconde de Taunay, narrando um dos episódios mais marcantes da Guerra contra o Paraguai, e “A Coluna Prestes – Marchas e Combates”, de Lourenço Moreira Lima.
No dia 15 de outubro de 1893 o Exército Libertador, seguido de perto pela Divisão do Norte, comandada pelos generais Francisco Rodrigues Lima e José Gomes Pinheiro Machado passou por Passo Fundo rumo a Desterro, atual Florianópolis, onde militares sublevados contra Floriano Peixoto haviam instalado um governo revolucionário.
Angelo Dourado conta que a crueldade na região serrana foi tanta que a simples narração dos fatos causa repugnância. Lembra que, em Cruz Alta, no Rincão do Cadeado, havia cento e oito viúvas de maragatos degolados, e que no Rincão da Cruz, contavam-se pelos nomes, oitenta e seis vítimas da degola. E que esses números poderiam ser maiores.
O município-mãe de Passo Fundo era governado pelo caudilho José Gabriel da Silva Lima, que dizia jamais ter pensado que a carne humana fosse tão boa para engordar cães e porcos. Os federalistas ou seus simpatizantes eram presos à noite e, depois, pela manhã, retirados em grupos para serem executados.
José Gabriel, como Firmino de Paula e Silva, o Firmininho de Paula, que o sucederia no comando político da região, sempre exerceram influência sobre acontecimentos políticos e militares em Passo Fundo.
O cronista do exército maragato nota que nesta parte do Estado há dois inconvenientes para a guerra à gaúcha. O primeiro deles é a cerração, que dura até o sol alto, prejudicando a visão à grande distância, contribuindo para que grupos inimigos, passem sem ser vistos, ocultando-se na floresta, que é deles bastante conhecida; o segundo é o fogo nos campos, que causa tremenda densidade de fumaça, permitindo que o inimigo, avançando pela retaguarda, ataque as forças adversárias sem ser percebido.
Gomercindo e a Paisagem Serrana
A paisagem serrana entristecia Gomercindo Saraiva. Homem da Campanha, onde o horizonte longínquo pode ser divisado a olho nu, sentia-se angustiado ao ter de trilhar estradas estreitadas por matas densas e, no campo, com o horizonte apertado pela fumaça.
Outra desvantagem é o solo de aluvião. As chuvas cavam verdadeiros sorvedouros, muitas vezes encobertos pelas macegas, de tal forma que, fora das estradas, nos dorsos das coxilhas, os cavalos correm risco de caírem nesses buracos, o que é altamente prejudicial à rapidez indispensável à operação eficiente dos lanceiros.
Angelo Dourado é fiel em suas descrições, mas o dramaturgo da juventude, reaparece aqui e ali, como quando afirma que nesses sorvedouros podem desaparecer esquadrões inteiros.
Quando chegaram em Carazinho os federalistas sentiram o poder da guerra psicológica movida pelos pica-paus. Toda a população do povoado fugira para os matos, levando os velhos e as crianças. Apenas uma mulher ficara na povoação, dizendo que preferia ver os maragatos a morrer de frio nas brenhas e que os republicanos é que eram maus, pois prendiam, açoitavam e matavam, enquanto os revolucionários passavam sem nada fazer, sem arrombar uma causa sequer.
O médico do Exército Libertador aconselhou-a que fosse chamar seus vizinhos, pois nada de mal lhes aconteceria. Antes que ele se afastasse do povoado os moradores já começavam a retornar para suas casas. No cemitério do povoado viu uma sepultura recente onde constava como ornamento único o antigo emblema contendo a coroa imperial, último desejo do morto que, consternado com os horrores praticados em nome da República, adoecera, ordenando, pois, que os seus fizessem pintar em seu túmulo as armas imperiais.
Sobre o fato de que Gomercindo não tivesse a menor simpatia pela topografia serrana é significativo o diálogo travado entre o general maragato e o médico de suas forças:
- Quando tu tomares conta disso – disse-lhe o general – dá todos estes matos aos argentinos, e nos deixes só a Campanha.
- Então – respondeu-lhe o médico – teríamos de dar quase todo o Brasil.
- Como – perguntou-lhe -, o Brasil é todo assim?
- É – respondeu-lhe.
- Diabo, e eu que pensava que isto fosse só neste inferno? Então não temos remédio senão nos tornarmos monteses.
Depois da Batalha do Pulador, no interior de Soledade, entre morros e matas, a antipatia do general fronteiriço pela paisagem serrana somente aumentou. Certa feita, ainda no Botucaraí, enquanto marchavam em meio à floresta, Gomercindo confidenciou com o médico que seu único desejo era sair dali a qualquer preço, pois não podia ver longe e a cavalaria estava impossibilitada de operar em auxílio da infantaria, o que lhe provocava até mesmo afogamento pela falta de ar.
Prestes Guimarães, em conversa com Angelo Dourado, manifestou a intenção de propor a permanência das forças federalistas naquele local porque dispunham de gado para alimento e não tinham inimigos na retaguarda, enquanto aguardassem um novo levante armado na Fronteira.
O baiano duvidou que o general fronteiriço aceitasse o pedido de permanência na região, lembrando a conversa mais recente. A dúvida acabou se concretizando.
Uma Vala Comum
Quando os federalistas, rumo a Santa Catarina, entraram em Passo Fundo era noite. Angelo Dourado, de imediato, procurou visitar as famílias dos muitos amigos que tinham imigrado e com quem havia estado no estrangeiro e dos quais elas não tinham notícia.
No outro dia, bem cedo, deixaram a cidade, indo parar a três léguas (uma légua mede 6.600 metros lineares), em Mato Castelhano.
Detalhista, informa que o local tem esse nome porque ali, nas guerras entre portugueses e espanhóis, o exército da Espanha costumava acampar. As forças lusitanas aquartelavam-se mais adiante, no Mato Português. Separava-lhes uma área de campo, o Campo do Meio. Neste último lugar mostraram-lhe um grande fosso, onde os moradores sepultaram cinqüenta e tantos corpos de revolucionários assassinados.
Angelo Dourado deve referir-se a um combate travado no Povinho, local situado na área do Campo do Meio, logo depois do dia 4 de junho de 1893, data esta em que ocorreu o combate do Boqueirão, com arrasadora vitória dos republicanos. Fortalecidos com a retomada da Cidade pelas forças legais, uma tropa de 53 homens, comandada por Antonio Lemes de Oliveira, conhecido como Antonio Alemão, João Bueno e Antonio de Pádua Holanda Cavalcanti, residentes em Lagoa Vermelha, e o tenente-coronel Leoncio Ricco, que era de Passo Fundo, mas tinha se refugiado no antigo distrito de Vacaria, atacou o acampamento rebelde, “perecendo na luta o comandante Frederico Schultz e mais nove federalistas, além de numerosos feridos, 6 prisioneiros e a perda de grande quantidade de arreios, armas, cavalos e alguma munição”, informa a historiadora Delma Rosendo Ghem, acrescentando que a força republicana teve 6 feridos leves.
A mesma historiadora, algumas linhas acima, contabiliza a força maragata estacionada no Campo do Meio em 150 homens, número bastante próximo daquele que consta nas páginas de Angelo Dourado para os “revolucionários assassinados”, sepultados pelos moradores numa vala comum. É possível que, após certa resistência, os comandados de Frederico Schultz tenham se rendido e, ao fim, tido o mesmo destino de tantos outros feridos ou prisioneiros de ambos os lados. Nesses casos, os massacres eram costumeiros.
É possível também que essa vala comum seja a mesma localizada há algum tempo pelo pesquisador Ricardo Henriques e onde lhe informaram estarem sepultados os mortos no combate entre a retaguarda do exército de Gomercindo Saraiva, comandada pelo coronel José Serafim de Castilhos, que entrou para a história da revolução com a alcunha de Juca Tigre, e a vanguarda da Divisão do Norte. O mesmo cemitério pode guardar os corpos daqueles que morreram em dois combates distintos.
Angelo Dourado lembra que, no Campo do Meio, o exército farroupilha esteve acampado durante nove meses, numa época em que os prisioneiros eram respeitados e os feridos cuidados. Os trens, naquele ano de 1893, despejavam soldados em todos os lugares, as matanças eram diárias, tanto em combate quanto nas próprias casas. As guerras civis estavam devorando nações e, no caso brasileiro, sob o estímulo do governo republicano.
Exército Libertador X Divisão do Norte
Os federalistas tinham apreendido correspondência em que Júlio de Castilhos recomendava ao coronel Chachá Pereira, abandonar o quartel de Passo Fundo e se entrincheirar em Mato Castelhano, para reter o avanço do Exército Libertador, permitindo que a Divisão do Norte atacasse os revolucionários pela retaguarda. Dito e feito, com o acompanhamento das autoridades locais, inclusive o juiz de Direito. Chachá Pereira, porém, não confiando no local indicado entrincheirou-se no Mato Português.
Naquela noite de 16 para 17 de outubro, o general Luiz Alves de Oliveira Salgado informou a Gomercindo Saraiva de que a força legalista estava muito bem fortalecida. Uma vez que a força de Rodrigues Lima já estava perto de Mato Castelhano sob as vistas do coronel José Maria Guerreiro Vitória, Gomercindo determinou que o Mato Português, mais para os lados de Lagoa Vermelha, fosse desocupado, enquanto Guerreiro conteria a Divisão do Norte, aguardando local propício para que fosse travada batalha direta.
Angelo Dourado deixando um médico da Cruz Vermelha do Rio de Janeiro, que se incorporara às forças federalistas, marchou com o general Salgado. Para alcançar a vanguarda cavalgou cinco léguas, entre capões de mato e serros, acompanhado de um prisioneiro. Quando chegou ao acampamento do general Luiz Alves de Oliveira Salgado, o coronel Juca Tigre, um pouco adiante, já enfrentava a força de Chachá Pereira. Uma hora depois, foi recebida comunicação de que os republicanos fugiam, sob perseguição, abandonando carretas, armas e até jóias de família. Os maragatos foram acampar junto à picada do Mato Português e, no dia seguinte, à tarde, chegavam a Lagoa Vermelha. À noite foram organizados diversas festividades.
Na tarde do segundo dia de permanência em Lagoa Vermelha puderam ouvir descargas no Mato Português. O general Salgado seguiu para o local, com alguns ajudantes e deixou uma coluna de prontidão. A coluna retornou ao meio dia, conduzindo grande número de feridos. Gomercindo ficou contrariado com a demora da coluna, e com a entrada em combate desnecessariamente. Ao saber, porém, da maneira como os seus comandados haviam se portado no combate feroz.
A infantaria comandada pelo major Antonio Nunes Garcia dispersou os republicanos que sobre ela se lançavam em ondas compactas. Um piquete da Divisão do Norte tentou atacar os infantes, esgueirando-se por dentro do mato, mas foi dispersado por uma força de proteção que ali de encontrava.
Um corpo castilhista, que pusera em fuga os federalistas e saqueava as bagagens dos fugitivos, correu ao ouvir o toque de carga ordenado por Aparício Saraiva. Alguns morreram, salvando-se equipagem e cavalos dos revolucionários.
Em Lagoa Vermelha o Exército Libertador se dividiu em duas colunas. Gomercindo seguiu pelo caminho da direita e Salgado em direção de Vacaria. Dali os federalistas seguiram para Santa Catarina e Paraná, apenas retornando ao Rio Grande do Sul em meados de junho do ano seguinte.
O Retorno dos Maragatos
Ao se aproximarem do município de Passo Fundo estavam esfomeados, exaustos e maltrapilhos. Cruzavam serras praticamente intransitáveis. Ao aproximarem-se do solo passo-fundense passaram a receber apoio e conforto dos caigangues que habitavam aquelas florestas. Entre os índios viviam muitos negros, que fugiram dos exércitos republicanos. O que explica o fato de que muitos integrantes daquele povo nativo tenham, nos dias que correm, uma cor mais escura do que o normal entre os de sua etnia.
Os caigangues eram solidários com os maragatos. Angelo Dourado conta que, certa feita, se adiantando aos seus companheiros chegou a uma queimada onde uma índia de uns 14 ou 15 anos terminava de fazer uma cabana de palha enquanto chegava do mato seu marido, de uns 16 ou 17 anos, trazendo pinhões. A mulher fez fogo, assou os pinhões e, através de gestos, convidou o médico para que se alimentasse, ofereceu-lhe uma cuia com os frutos e sentou perto dele, também se servido do alimento, enquanto o índio admirava a mula, os pelegos e os arreios. Depois de alimentados ela encheu um porongo com água, que entregou ao hóspede.
Perto do rio Ligeiro, que limitava Lagoa Vermelha e Passo Fundo, foram alcançados, em plena floresta, por um soldado a serviço do Exército Libertador Serrano, comandado pelo general Prestes Guimarães. Apresentou-lhes a ordem do dia em que o comandante dava o resultado do combate dos Três Passos (6 de junho de 1894). A notícia de que os revolucionários puseram em fuga a temível Divisão do Norte causou profunda alegria entre os federalistas.
As dificuldades para passar o rio foram muitas, devido ao leito escorregadio. Logo a seguir enfrentaram as barrancas profundas de um afluente e cortaram serras íngremes e perigosas.
O Exército Libertador Serrano
Perto do Rio do Peixe, começaram a encontrar residências de brancos, inclusive a casa do coronel Verissimo Ignacio da Veiga. Sua mãe estava de luto, pois tivera um filho morto no combate dos Três Passos.
Naquela casa havia gado conduzido e abatido pelos integrantes do Exército Libertador Serrano, para alimentar os recém-chegados. Esse exército surgiu com a unificação, sob o comando do general Antônio Ferreira Prestes Guimarães, dos diversos corpos revolucionários organizados pelos caudilhos serranos. Augusto Amaral recebia a todos com um churrasco. A fome era tanta que atiravam a carne sobre as labaredas e a cinza, e apenas esperavam que o alimento aquecesse para comê-lo. Era o fim de 40 dias em que apenas duas ou três vezes tinham conseguido outro alimento além de pinhão e milho seco. E muitas vezes não tinham nada com que se alimentar.
No dia 22 de junho entraram nos campos de Passo Fundo. Saíram numa canhada que tomou o nome de Guamirim devido ao combate entre a força castilhista e os maragatos do coronel Veríssimo no dia 20 de novembro de 1893.
Angelo Dourado conta que os revolucionários, tomando as armas dos vencidos, deixaram ao lado de seus cadáveres as lanças e porretes de guamirim usados como armas. Ali, perto dos esqueletos dos vencidos, que branqueavam a céu aberto, ainda estavam as armas primitivas largadas pelos vencedores. O apoio dos índios e o uso de armas e táticas de guerrilha indígena fez com que o caudilho serrano fosse chamado de “bugre Verissimo” pelos republicanos. Mudaram de acampamento no dia seguinte, aguardando a chegada dos retardatários.
Reunidos os chefes federalistas decidiram propor a Gomercindo que Aparicio Saraiva recebesse o título de general. Sabedor da proposição, o comandante procurou Angelo Dourado pedindo que não o fizessem.
- É um tributo de gratidão nossa, respondeu-lhe. - Sim, eu sei, mas é uma exceção que desgostará alguém, e devemos fugir de tudo quanto para nós trouxer um desgosto.
Na manhã de 24 de junho levantaram acampamento. O dia era glacial. Os campos estavam brancos de geada. Mas o temor de que fossem alcançados pelas forças comandas pelo coronel Arthur Oscar era maior. Pela ordem de marcha as bagagens seguiram no flanco direito. A vanguarda coube à brigada de Torquato Severo, seguida pelas infantarias de Aparício Saraiva e Timóteo Paim, e a cavalaria de Augusto Amaral e outros corpos da mesma arma fariam a retaguarda. Assim disposto o exército, em campo aberto, estavam prontos para enfrentar qualquer adversário. Havia otimismo. Os clarins tocavam marchas guerreiras.
O Encontro dos Exércitos Maragatos
Nessa mesma tarde as avançadas do exército de Gomercindo Saraiva já conversavam com os piquetes do Exército Libertador Serrano e pouco depois avistaram o acampamento de Prestes Guimarães, com as bandeirolas das lanças e os estandartes vermelhos.
O Exército Libertador Serrano estava acampado na fazenda que pertencera a Joaquim Fagundes dos Reis, nas proximidades do Aeroporto Lauro Körtz, às margens da atual BR-285, perto do Bairro São José. Ali se aquartelara após o combate dos Três Passos.
Prestes Guimarães testemunha que o exército de Gomercindo, apesar de oportunamente auxiliado com recursos, inclusive de alimentos, no centro da Serra do Capoerê, por uma companha do corpo do coronel Verissimo Ignacio da Veiga, estava exausto, abatido, quase nu e estropiado. Muita gente cansada ou doente foi deixada em meio à floresta, além de uma metralhadora e quantidade de munição, tudo guardado e posto a salvo por homens de Verissimo com o auxilio de carregadores indígenas, que se mostravam simpáticos à causa revolucionária.
Gomercindo foi direto ao encontro de Prestes Guimarães. Abraçaram-se. Angelo também foi à procura do serrano. Chegou justo a tempo de ouvir o passo-fundense perguntar pelo médico baiano.
- Vem aí, disse Gomercindo. - Estou aqui, cortou ele.
Abraçaram-se, ainda montados. Cansada a mula de Angelo não avançava e o cavalo de Prestes Guimarães estava indócil.
Na barraca do comandante serrano reuniam-se muitas pessoas. Entre elas o major Leonel Rocha, que se destacaria durante a Revolução de 1923.
No dia seguinte, 25 de junho, os dois exércitos marcharam unidos, acampando perto da Cidade.
Angelo Dourado dirigiu-se à casa da família de Antonio José da Silva Loureiro, que ainda existe na esquina da rua Capitão Araújo e Avenida Brasil. O Barão, dono da casa, estava imigrado desde antes que a revolução tivesse começado, sem que dele seus familiares tivessem notícia. Ali, depois de dois meses, tomou café.
A miséria campeava na cidade. Nada havia para ser vendido. Com muita dificuldade conseguiu encontra um pacote de fósforos. De uma família ganhou alguns biscoitos e queijo.
A Divisão do Norte, de Novo
Quando estava na cidade chegaram Gomercindo e o coronel Lavrador. Verificaram a informação de que suas avançadas viram um piquete sem poder reconhecê-lo. Eram os republicanos, também, rondando. Nada descobriram.
Na verdade, a 7 de junho, após sepultar às pressas os mortos que tivera no Combate dos Três Passos, ocorrido no dia anterior, a Divisão do Norte, reforçada pela Coluna Santos Filho, foi acampar entre Passo Fundo e Carazinho. Avançadas republicanas haviam notado movimentos para os lados de Lagoa Vermelha, demonstrando a aproximação de Gomercindo. Assim, temendo encontrar inimigos pela frente e pela retaguarda recuaram para um local onde descansassem e escolhessem o melhor terreno para neutralizar o poderio da cavalaria serrana.
Aquartelados entre Passo Fundo e o povoado de Carazinho, puderam cuidar dos feridos e receber reforços, entre estes um piquete sob o comando do coronel Salvador Pinheiro Machado e a 5ª brigada do então coronel Firmino de Paula e Silva, o Fermininho de Paula.
O piquete visto no dia 25 de junho era comandado pelo capitão Salvador Antonio da Silva, responsável pela observação ao redor da Cidade. Ciente de que as forças maragatas ocupavam a cidade de Passo Fundo, comunicou-o ao general Francisco Rodrigues Lima, que movimentou suas forças e acampou, no dia seguinte, à esquerda da Fazenda dos Mellos. Expediu telegramas ao general Francisco Antonio de Moura, e ao presidente do Estado, Júlio de Castilhos.
“Junho 26 – Inimigo tomou posição à tarde nos Vallinhos ficando 500 homens de cavalaria a sua direita.
Nossas forças avistam-se.
Cumprirei o meu dever, como todos meus companheiros.
Inimigo visto agora: dois mil homens.
Viva a República – General Lima”.
“26 – Saúdo-vos em nome da Divisão do Norte.
Amanhã ao alvorecer pretendo desfraldar a bandeira da República e tocar o hino nacional na toca destes caudilhos saqueadores do nosso querido Rio Grande.
Morrer ou vencer.
Viva a República – General Lima”.
A Caminho do Pulador
Nessa data Angelo Dourado, que se encontrava na cidade, na cada da família de um companheiro federalista, viu o desfile maragato. Eram soldados maltrapilhos, marchando garbosos ao som de uma banda de música. Esse desfile, de início, provocou apreensões e lágrimas. Depois o choro cedeu lugar a expressões de entusiasmo, pois praticamente todas as famílias tinham pelo menos uma pessoa nas forças de Prestes Guimarães.
- São uns heróis, disse a Angelo Dourado uma senhora. - E revolução que conta com gente dessa natureza ou triunfa ou não se termina senão com a morte do último, respondeu-lhe, despedindo-se para ocupar seu lugar na coluna.
Ao passar pela capela de São Miguel, quase todo o Exército Serrano, com mais de mil homens, foi beijar a imagem, construídas por mãos de índios missioneiros. O médico aproximou-se para saber qual era o padroeiro. Obteve a informação de um soldado serrano:
- Esse santo é nosso companheiro, coronel. Não vê? Tem uma espada e uma balança para pesar os crimes dos pés-chatos. Nós não marchamos para brigar sem antes entrar aqui para ele nos ver.
Acamparam do outro lado do arroio Pinheiro Torto, que depois dos matos do Jaboticabal era conhecido como Lajeado dos Britos.
O dia transcorreu tranqüilo, salvo a tomada de um rebanho de gado, que vinha do lado norte e era conduzido para as forças do general Francisco Rodrigues Lima. Este pretendia atacar Prestes Guimarães só não o fazendo por temer a aproximação do Exército de Gomercindo.
Continuava o medo de que Arthur Oscar já se encontrasse no Mato Castelhano. Gomercindo inquietava-se, receando que uma das forças adversárias somente se aproximasse ao saber que a outra estivesse perto, para efetuar um ataque de frente e pela retaguarda. E não podia atacá-las porque faltavam munições e soldados, ainda em movimento na picada, antes do Arroio Teixeira. Além do mais, quase todo o Exército Libertador Serrano era constituído de lanceiros, cuja cavalaria estava impossibilitada de operar com eficiência no terreno cheio de sangas e banhados, onde se encontravam.
Supersticiosos, os soldados federalistas acreditavam que logo entrariam em combate. Viam como indício iminente de combate o aparecimento de cobras, natural pela grande quantidade de fogueiras, e o relinchar constante dos cavalos, talvez pela música do batalhão de Jorge Cavalcanti, que treinou durante a tarde. Esse batalhão era constituído quase exclusivamente de negros, como se vê numa fotografia obtida em Passo Fundo, quando de uma passagem do exército de Gomercindo Saraiva.
A supersticiosidade era tamanha, entre os guerreiros gaúchos, que chegava à ofiomancia, a previsão de acontecimentos pela observação das serpentes. Alguns, prognosticavam até o resultado de uma batalha, conforme a direção que a cobra tomava ao ser vista; outros não permitiam que os répteis peçonhentos fosse mortos, pois consideravam mau agouro.
Começa a Batalha
Perto da barraca de Prestes Guimarães o médico avistou Gomercindo Saraiva. A plenos pulmões gritava para que o clarim tocasse, o aprontar, depressa. A ordem foi data pelo próprio Angelo Dourado e, de pronto, os clarins começaram a repercutir o sinal.
- Vamos brigar, os bichos aí vêem –disse Gomercindo -, já um piquete tiroteou com eles.
Voltando-se para o coronel perguntou:
- Que dia é hoje?
- Quarta-feira, respondeu-lhe.
- Mau dia. Não me agradam as quartas-feiras. São aziagas para mim.
- Em compensação estamos a 27, que é data feliz para nós. Jararaca, Serro do Ouro, Itaqui – afirmou lembrando combates vencidos pelos federalistas.
- Bem – disse o general maragato – pode ser que a data compense o dia.
Os ajudantes de Gomercindo chegaram imediatamente. Ordens começaram a ser dadas. Os corpos avançavam para o alto da coxilha.
Naquela manhã do dia 27 de junho todos pressentiam a iminência de uma batalha. Angelo Dourado, que montara a cavalo para dirigir-se à barraca do coronel Brazil, estava no alto da coxilha ao chegar a coluna de Prestes Guimarães. Gomercindo falou para que o general serrano mandasse um corpo atravessar um arroio margeado por um denso mato, que existia à direita. Com isso pretendia privar o adversário de se aproximar por ali, mas, para tanto, seria preciso marchar uma légua para trás, único lugar onde havia condições de passagem. Gomercindo mandou que uma linha de atiradores se posicionasse no lugar onde estavam para impedir que os pica-paus procurassem o referido passo.
Para ocultar o movimento de suas tropas, Gomercindo ordenou uma velha prática das guerras gaúchas, que se colocasse fogo no campo, do lado direito da estrada. A ordem não foi bem entendida e lançaram fogo de ambos os lados. Os revolucionários acabaram envolvidos pela fumaça. E marcharam com uma alegria nunca vista, como se fossem colegiais correndo para o recreio.
Aparício Saraiva brincava com o próprio cavalo, dando vivas que eram repetidas pela sua infantaria. Torquato Severo, de costume calmo e silencioso, e que por falta de cavalos transformara seus lanceiros em atiradores, passou também dando vivas.
Os músicos de Jorge Cavalcanti desfilavam alegres. A seguir, marchavam os bagageiros e as mulheres, que se colocaram no alto da coxilha. Recuaram, obedecendo a ordens de Angelo Dourado, pois via guardas avançadas dos republicanos correndo em todas as direções.
A Mortandade Amanhece
Logo começaram a chegar os feridos. Não havia medicamentos nem ataduras. O médico recorreu às mulheres, que não lhe alcançaram apenas fazendas (panos que não tinham sido usados, ainda), mas também alguma roupa branca. Orientou para que elas fizessem ataduras. De início, Aparício Saraiva perdeu um cavalo e o major Pietro, seu ajudante de ordens, morreu ao seu lado.
Apesar de tudo, veio a ordem de avançar. Muitos se alegraram pensando que o inimigo fugia. Ilusão pura. Eram apenas atraídos para um lugar onde a artilharia castilhista pudesse operar melhor. A vanguarda republicana recuou, deixando um major e muitos outros mortos. Quando a retaguarda federalista ainda marchava ouviu-se um tiro de canhão.
A vanguarda republicana era comandada pelo coronel Salvador Pinheiro Machado. Seu irmão, o senador Pinheiro Machado estava em Porto Alegre, de lá retornando dias depois, com duas brigadas de provisórios e uma tropa da Brigada Militar, quando a Divisão do Norte já deixara o solo passo-fundense.
O contato entre as duas forças aconteceu ao alvorecer. E já às 7 horas da manhã, quando o general Francisco Rodrigues Lima se dirigia para o Umbu, a meio do caminho, o comandante da vanguarda legalista comunicou-lhe que o grosso da força inimiga estava em marcha.
Muito embora Francisco Rodrigues Lima pareça negá-lo, ao afirmar que ali, na Coxilha do Umbu, pretendia travar combate, o certo é que o lugar do confronto fora adredemente preparado. Ao receber a notícia de que toda a coluna inimiga avançava, apenas determinou uma falsa retirada. Confessa que, em chegando ao local escolhido para a luta, dispôs a divisão em linha de batalha, simplesmente voltando à posição primitiva, e estendendo uma linha de atiradores pelo alto da coxilha, cobrindo as reservas de infantaria dispostas em três quadrados inatingíveis pelo olhar e pelo fogo inimigo.
Por isso é que ali localizou seus comandados para a batalha. Posicionou à direita a 2ª brigada do coronel Joaquim Tomaz dos Santos e Silva Filho, com uma seção de artilharia comandada pelo capitão José Adolfo Pithan; à esquerda a 5ª brigada do coronel Firmininho de Paula, com uma metralhadora, e ao centro a 1ª brigada do major Tupy Caldas, aumentada com um corpo civil da 7ª brigada, comandada pelo major Osório Silveira, dispondo de uma seção de artilharia ao mando do alferes Luiz de Brito. Este Luiz de Brito, que conta nos documentos republicanos, seria o professor passo-fundense Eduardo de Brito. Em escalão, à direita, da 2ª brigada, portanto, à extrema direita das forças pica-paus, a pé, por absoluta falta de cavalos, os lanceiros do coronel José Adolfo Pithan.
E tem mais: o local onde formou suas tropas para o combate era protegido por acidentes naturais intransponíveis pelo tipo de exército adversário. A passagem era vedada, à frente, por banhados e valos e, aos lados, por mata cerrada e valos.
Segundo Angelo Dourado as forças revolucionárias não estavam completas. Apparício Saraiva, contava com apenas 300 homens, de uma brigada de 530. Torquato Severo não tinha mais de 200. Paim 150. O coronel Jesus e os polacos 150. Esses polacos, comandados pelo coronel Antônio Zadizslaw Bodziak, formavam um grupo de voluntários que vinha com os maragatos desde o Paraná.
Eram no máximo 700 atiradores, com poucas munições.
Prestes Guimarães apresentava-se com uns 800 lanceiros, operando num campo adverso para esse tipo de arma.
Ao subir a coxilha que fica adiante do Umbu a infantaria de Antonio Nunes Garcia avistou uma pequena coluna. O jovem federalista perguntou a Gomercindo que chegava naquele justo instante sobre a conveniência de fazer fogo. Recebeu ordem positiva, mas que poupasse munição. Foram disparados cinco tiros de cada Manlicher. Quando passou a fumaça dos disparos os pica-paus tinham desaparecido, mas deixaram tantos mortos que Pedro Amaral, comandando uma avançada mudou a direção, pensando que era um grupo deitado na macega. Logo depois surgiu a Divisão do Norte, marchando em três quadrados de mil homens cada um.
Os maragatos se dispuseram com Torquato Severo à direita, Apparício e Augusto Amaral ao centro, Paim à esquerda. Eram flanqueados à direita pela cavalaria serrana, ao comando de Prestes Guimarães, que procurava lugar e ordem para carregar. Parte dessa cavalaria ficou protegendo de um eventual ataque pelos matos.
Como a infantaria republicana estava sem cavalaria, conservando-se o tempo todo em quadrado, sofreu perdas enormes. Por três horas seguidas a fuzilaria da infantaria maragata provocou claros visíveis nos quadrados adversários que eram prontamente fechados.
Durante esse tempo os feridos atendidos por Angelo Dourado foram poucos e de pequena gravidade. Mesmo ali, numa canhada, junto à carreta de munições, onde funcionava o hospital de campanha, as balas caíam em grande quantidade. O médico mandou que as mulheres e as pessoas sem utilidade se retirassem dali.
O Corpo-a-corpo
Como a luta continuava indefinida e aumentava o temor de que a força comandada por Arthur Oscar chegasse logo, pois acreditavam que se encontrasse a pouco mais de 12 quilômetros do Pulador, Gomercindo e Prestes Guimarães combinaram um ataque simultâneo de infantaria e cavalaria. A primeira marcharia sobre os quadrados inimigos, forçando-os a se desdobrarem em linhas de combate e os cavalarianos cairiam sobre elas, provocando um desbarato imediato. Ousado e desesperado, o plano de ataque provocou grande alegria entre os comandados de Torquato Severo.
Prestes Guimarães ordenou carga. A cavalaria serrana marchou resoluta, mas um valo profundo impediu o avanço. Atrapalhados pela fumaça os que conseguiram passar, ao invés de acometerem sobre os pica-paus, deram de frente com um mato cerrado que protegia a retaguarda castilhista.
Gomercindo mandou que o corpo de infantaria comandado por Antonio Nunes Garcia carregasse sobre os quadrados. Apesar do toque de chefe e sentido, conservou-se deitada. Antonio Nunes foi curto e grosso:
- Não ouviram toque de sentido? Levantem-se e vamos atacar.
A frase teve uma força mobilizadora incrível. Os infantes marcharam calmos e metódicos contra os quadrados. Dali saía um fogo intenso provocado pelos fuzis e metralhadoras e os soldados federalistas caminhavam com a firmeza das ondas marinhas que se despedaçam contra os rochedos. Alguns feridos chegaram ao hospital de campanha, entre eles Antonio Nunes com a garganta atravessada por uma bala. Medicado voltou ao comando. Sem voz comandava por gestos. Álvaro da Silveira Martins, filho de Gaspar da Silveira Martins, o comandante supremo da Revolução Federalista, veio ferido no pé. O capitão Mello de Rezende, foi levado para o hospital mortalmente ferido.
Um valo existente na frente dos quadrados impedia o contato dos atacantes. À esquerda, porém, isso era possível e por ali avançou a 3ª brigada, comandada pelo coronel Timóteo Paim. O quadrado inimigo que estava naquele setor, em desdobramento lançou-se sobre os atacantes, que empregaram faca e coice de armas e os defensores sabres e baionetas, na luta corpo a corpo. Os republicanos estavam levando vantagem e poderiam envolver as foças de Aparício e Torquato Severo, se Gomercindo Saraiva, que ali chegou com seu estado maior não tivesse mandado tocar carga e avançado sobre os adversários, que recuaram e, de novo, se formaram em quadrado. Foi nessa carga que morreram o coronel Pereira Pinto e os majores Jacinto Lacerda e Felipe Pinto.
Santos Filho assim descreve essa parte do combate:
“Depois de vivíssimo fogo de fuzilaria por numerosa infantaria armada a Mauser e Comblain, fuzilaria que foi galhardamente correspondia por nossas linhas de atiradores, veio tremenda carga à toda linha, a infantaria lançou-se sobre o centro, e flancos as cavalarias; repelida a carga com valor inexcedível, as nossas infantarias avançaram com entusiasmo fazendo o mais vivo e mortífero fogo sobre o inimigo em retirada, deixando as coxilhas alastradas de cadáveres.
“Nossa cavalaria não tivesse a pé, o inimigo teria sido exterminado.
“Em vista do fogo terrível que sofremos por tantas horas e da superioridade de parte do armamento inimigo sobre o nosso, as nossas baixas são muito poucas e seriam insignificantes se não contássemos entre elas oficiais de grande merecimento, intemeratos defensores da República!”
A cavalaria maragata bateu em retirada desordenada. A carreta com os feridos, ante o recuo dos cavalarianos também se movimentou. O médico mandou carregar na carreta os feridos que não podiam marchar a cavalo.
A cavalaria continuou a debandada. Todas as tentativas de impedir esse recuo se revelaram infrutíferas, pela ação da artilharia pica-pau. As granadas dos canhões, caindo aleatoriamente, talvez devido à fumaça que se espalhava pelos ares, mais do que danos reais causavam confusão entre os cavalarianos.
Uma bala entrou por uma costela de Aparício Saraiva e foi se colocar nas costas. Após receber um curativo retornou ao campo da luta.
A 1ª brigada, comanda por Aparício Saraiva, avançando pelo centro, e a 2ª, de Torquato Severo, atacando pela direita, chegaram à distância de 30 metros do quadrado inimigo, operando nessas posições até por volta das 16 horas.
Esse ataque é testemunhado pelo major paranaense Vicente Ferreira de Castro nos seguintes termos: “É triste dizer-se, porém, a verdade eu quero nua e crua. O inimigo, feito (posto) como estava, era preciso força suficiente e tática de guerra para vencê-lo. No entanto, fazer avançar o exército inteiro, não deixando proteção da infantaria!!
Que cousa bárbara!!
Ouso afirmar que essa avançada, que pretendiam fazer os generais até os quadrados inimigos, era como que pensando (eles): “estes são paranaenses e se morrerem não nos fazem falta”.
Deitados, os infantes revolucionários atiravam em cheio sobre os quadrados republicanos, produzindo verdadeira mortandade nas forças oficiais.
Diante da situação indefinida do combate foi decidida a retirada em ordem, o que se tornava difícil devido à maneira desordenada com que a cavalaria recuava.
Talvez a determinação com que a cavalaria do Exército Libertador Serrano recuou contribuiu para que Gomercindo Saraiva adquirisse antipatia pelos cavalarianos serranos. Tanto isso é verdade que o major Vicente Ferreira de Castro deixou documentada a última ordem dada, in extremis, por Gomercindo a seu irmão Aparício: “Saque los blancos y vayase no mas”.
Gomercindo e Aparício pertenciam, no Uruguai, ao Partido Blanco. Como distintivo partidário usavam fitas brancas nos chapéus. Seus adversários, do Partido Colorado, usavam faixas vermelhas. Os soldados do Exército Libertador Serrano usavam distintivos vermelhos, o que, também, não deveria agradar os irmãos Saraiva.
Daí, nada mais fantasioso do que caracterizar Gomercindo, Aparício e seus comandados usando vistosos lenços colorados...
Para o recuo maragato contribuíram diversos fatores, o maior deles o temor de que fossem atacados pela retaguarda com a chegada das forças comandadas por Arthur Oscar. Depois, a impossibilidade da cavalaria serrana empregar uma carga de lança seca em combinação com um ataque da infantaria. Essa medida foi tentada sem êxito o que contribuiu para que os lanceiros abandonassem o campo da luta. Não podem ser ignoradas a supersticiodade e a preocupação de Gomercindo com o ferimento recebido por seu irmão mais novo, ambos companheiros de montoneras e patriadas desde a adolescência. A indefinição da batalha após seis horas de enfrentamento intenso também deve ser levada em conta.
Concentradas as forças revolucionárias no Pinheiro Torto, local onde passaram a noite que antecedeu a Batalha do Pulador, uma conferência entre os comandantes do 1º Exército Libertador, Gomercindo Saraiva, e do Exército Libertador Serrano, Prestes Guimarães, decidiu que o corpo de lanceiros sob o comando do coronel Verissimo Ignácio da Veiga, que permaneceu na frente do campo de batalha, ali continuaria para contar e dar sepultura aos federalistas mortos. Não avistando fogueiras, que sinalizassem a presença próxima da Divisão do Norte, o “bugre Verissimo” concluiu pelo afastamento dos legalistas.
De fato, voltaram à sede da fazenda dos Mellos, onde instalaram um hospital de sangue e despacharam os feridos na direção de Cruz Alta. Muitos deles morreram em caminho e foram sepultados ao longo da estrada. Outros, seriam 800, segundo testemunha, foram levados para Porto Alegre. Entre os lastimados estavam alguns dos principais comandantes pica-paus, como o próprio general Rodrigues Lima e o coronel Firminho de Paula.
Depois de contar os mortos e dar-lhes sepultura, os lanceiros do coronel Verissimo da Veiga, ainda permaneceram em torno de Passo Fundo. Acamparam onde hoje está localizado o Bairro Petrópolis, observando a Cidade, no sentido de proteger os retardatários chegados do Paraná, pois a Brigada Santos Filho aqui permaneceu até dia 1º de agosto, quando demandou na direção de Cruz Alta. Então, com segurança, o coronel maragato pode mandar conduzir da Serra para o campo a metralhadora, os cargueiros de munição e os últimos comandados de Gomercindo, muitos dos quais doentes, que tinham ficado internados na floresta, sob a proteção dos federalistas serranos. Em Campo Comprido, no interior de Soledade, Verissimo e seus soldados entregaram a Gomercindo Saraiva tudo o que, em homens e materiais, tinha ficado para trás.
Uma vez terminada a batalha mais de 40 feridos esperavam atendimento médico, trabalho que foi até altas horas da noite.
Às três horas da madrugada de 28 de junho de 1894 os feridos foram colocados em carretas, sem coberturas e saíram, sob um frio intenso, cortando os campos cobertos de geada, indo acampar somente na tarde daquele dia, além da estrada do Veado Pardo, pensando que por ali as forças de Arthur Oscar poderiam seguir, tentando cortar o caminho dos exércitos libertadores em retirada.
A caminhada era aterrorizante. Os feridos, amontoados nas carretas que saltitavam pelos caminhos bravios, davam gritos dolorosos. Alguns morreram durante a viagem. Os cavalos escorregavam nos arroios e lageados, resvalando nas pedras.
Ao acamparem, à tarde, mais trabalho esperava pelo médico e seus enfermeiros: socorrer os muitos feridos da brigada de Aparício Saraiva.
Retomaram a marcha às três horas da madrugada do dia 29. Ao acamparem, às 23 horas, adiante do local onde ocorrera o combate dos Três Passos, o médico precisou extrair balas e reduzir fraturas entre os lanceiros de Prestes Guimarães. No acampamento do coronel Torquato Severo praticou algumas cirurgias. Aí, a situação era menos grave, pois o capitão Pedro Severo, irmão de Torquato, vinha prestando um excelente atendimento aos feridos como se fosse um enfermeiro de primeira ordem.
Os republicanos, porém, saíram cantando vitória. Sirva de exemplo o telegrama que ficou famoso passado pelo coronel Salvador Pinheiro Machado:
“28 – Depois de bom churrasco, passo a narrar os depoimentos de vários prisioneiros que fiz. Um alferes diz – Gomercindo tinha de 50 a 150 cartuchos nas bolsas, não queria combater, instigado por Prestes, que éramos poucos e covardes.
Engano manifesto! Nunca assisti combate tão renhido como este!
Foram valorosos; porém polacos abriram os dedos e nem foi correria.
Foi à pêlo encostado.
Tomamos muitas armas Mauser moderna e munição.
A maior parte do armamento é Chassepot.
Enfim estão desnorteados e completamente derrotados!
Viva a República! – Coronel Salvador”.
Ao major Tupy Caldas o presidente Floriano Peixoto enviou o telegrama nestes termos:
“Rio, 27. – Inteirado por vosso telegrama vitória alcançada Divisão Norte contra forças Prestes e Gomercindo, retribuo felicitações e peço louves em meu nome general Lima e seus bravos comandados, que, dia a dia, mais credores se tornam da gratidão da Pátria. Saúdo-vos. – Viva a República. – Floriano”.
Número de Mortos
Um ponto que merece menção especial quando, nos dias de hoje, estudamos a Batalha do Pulador é o número de mortos.
O general legalista Francisco Rodrigues Lima, em sua Ordem do Dia Nº 105, datada de 28 de junho de 1894, afirma que suas forças tiveram 58 mortos e 177 feridos, em sua maior parte levemente, e os federalistas deixaram cerca de 300 mortos no campo da ação. Numa parte, do mesmo dia, os dados são diferentes: 60 mortos e 177 feridos, entre os legais, e perdas superiores a mil homens, sendo 297 mortos até então encontrados no campo da ação e suas dependências. Afirma que foram tomados ao inimigo mais de 300 Comblain, 25 Mauser modelo 91, 3 Kropatchek, grande número de lanças e espadas, alguns cavalos encilhados com esmero e mais de 20 a 21 mil cartuchos de Comblain ( a maior parte) de Mauser.
Um dos serigotes continha as iniciais G. S., dando muito o que falar. Alegaram pertencer a Gomercindo Saraiva, o que sempre foi desmentido pelos maragatos... Seria de Gregório Souza, um ajudante de ordens do general...
O comandante máximo dos federalistas, também em Ordem do Dia do 1º Corpo do Exército Libertador, contabiliza, entre os pica-paus, 382 pessoas mortas, inclusive três mulheres, calculando que esse número é maior porque há lugares desconhecidos em que outros mortos foram enterrados, e mais de 450 feridos. Os maragatos tiveram 88 mortos e 150 feridos. Apreenderam 143 armas, em sua maioria Comblain e 9 cunhetes de munição.
Conta Angelo Dourado, em Voluntários do martírio que, quando se encontravam no Tope os federalistas foram alcançados por um mensageiro do coronel Verissimo Ignacio da Veiga informando que seu comandante calcula em 800 o número de mortos deixados pelo inimigo, não podendo ser calculado ao certo porque muitos cadáveres de ambas as forças estavam misturados. Os mortos entre os maragatos montavam a 214. Estas informações são posteriores à Ordem do Dia assinada pelo general Gomercindo.
Prestes Guimarães afirma que os revolucionários tiveram 88 mortos, contados insepultos no campo, alguns dias depois, e quase 200 feridos; os republicanos algumas centenas de vítimas fatais e cerca de mil feridos, ou mais.
Carlos Reverbel se limita a afirmar que “as baixas, entre mortos e feridos, de ambos os lados foram superiores a 500”.
O major Vicente Ferreira de Castro, paranaense que lutou nas forças federalistas, calcula que, entre mortos e feridos, os revolucionários tiveram 200 baixas. Apresenta, ainda outro dado, atribuído a um próprio de Veríssimo Ignacio da Veiga: 88 maragatos e 700 pica-paus mortos.
O jornal La Prensa, com data de 30 de junho de 1894, citado por Luiz da Senna Guasina, divulga a informação de que os revolucionários tiveram 600 mortos e muito mais feridos, enquanto os governistas somaram apenas 200 baixas.
Gomercindo dos Reis fala em mais de mil e cem mortos no campo de batalha.
Como já tornei público em comunicação apresentada durante o Seminário “110 Anos da Batalha de Passo Fundo”, realizado nos dias 25, 26 e 27 de julho de 2004” e publicado na revista Água da Fonte, n.º 2, da Academia Passo-Fundense de Letras, assim que terminou o combate aconteceu um massacre de aproximadamente duzentos pica-paus que desertaram para os matos do Pulador. Fato narrado por João José da Silva, sobrevivente do espingardeamento, confirmado pelas ossadas e armamentos encontrados naqueles matos em anos posteriores e pela história oral. O fato de os federalistas terem recolhido apenas um único modelo de arma (143 Comblain) é indício de que um mesmo corpo de soldados adversários pica-paus tenha sido dizimado.
Essa deserção teria ocorrido após circular, entre os republicanos, a notícia de que sua retaguarda estaria sendo atacada por um piquete adversário. O certo é ocorreu que não ficou documentado, deixando a impressão de que maragatos e pica-paus “correram” uns dos outros.
Uma vez no interior dos matos, os soldados fronteiriços, que não conheciam a densidade das florestas serranas, julgaram-se protegidos. Começaram a subir nas árvores, convictos de que não poderiam ser descobertos por possíveis perseguidores. Ledo engano! Logo apareceu um piquete de maragatos, possivelmente, os serranos do “bugre Verissimo”. Acostumados às caçadas nas selvas foram localizando os pés-chatos empoleirados nas árvores. Identificados pela farda cáqui – “verde” na linguagem dos birivas – ouvia-se a exclamação zombeteira:
- Olha ali um periqutinho!
E imediatamente era ouvido um tiro seguido pelo baque surdo de um corpo chocando-se contra o chão.
João José da Silva contava aos filhos, netos e genros que subiu numa das muitas árvores encipoeiradas ali existentes, junto com outro pica-pau. Chegaram os perseguidores. Observaram haver sinal de que alguma coisa subira na árvore. Dialogaram entre si. Ofereceram “garantias de vida” para quem descesse, caso tivesse alguém em meio aos cipós. O alferes fez um gesto silencioso no sentido de que seu companheiro ficasse calado. Este resolveu descer e, de imediato foi degolado. A caçada continuou. Já estava escuro quando os perseguidores retornaram na direção do local da batalha. O sobrevivente passou a noite gélida, no alto da árvore. Ao clarear o dia seguinte desceu, seguindo no rumo do Faxinal, encontrando cadáveres de republicanos por uma longa distância.
Embora eu não tenha encontrado registros desse massacre, a tradição oral conserva essa história, que também ouvi de outras fontes.
A ocultação do massacre se deve a dois motivos óbvios: foi humilhante para a Divisão do Norte, sendo omitida pela história oficial escrita pelos herdeiros do castilhismo, e vergonhosa para os federalistas que, contrariando os mais rudimentares princípios de qualquer luta, praticaram um verdadeiro ato de genocídio.
Ao fim, como se vê pela maioria dos dados disponíveis, no geral concordam em 800 vítimas fatais, com variação de 200 e 600, de um lado para outro, que ficaram no campo de batalha.
Verissimo Ignacio da Veiga, que ficou no local, que contou os mortos, e cujo esquadrão de lanceiros deve ter perseguido os pica-paus desertores, "calcula o número de cadáveres deixados pelo inimigo em oitocentos, não podendo saber ao certo, porque muitos estavam confundido com os nossos", isto é com os federalistas. Aproximadamente 200, a mais do que os outros informantes, o que corresponde ao número de provisórios caçados nos matos, segundo o testemunho de um sobrevivente e a história oral. Somando-se às "perdas" dos maragatos em retirada, que totalizavam 214, o número real vítimas fatais na Batalha do Pulador é de 1.014.
Já o número superior a mil e cem mortos divulgado pelo pesquisador passo-fundense Gomercindo dos Reis, até pode ser verdadeiro, somando-se os feridos que morreram depois do combate. Há testemunhos de que foram muitos, especialmente entre os republicanos, tanto na obra de Angelo Dourado quanto na imprensa platina, conforme pode ser conferido no diário de Luiz de Senna Guasina.
Outro registro importante guardado pela história oral e ainda hoje repetido por dezenas de pessoas é o fato de que, no dia seguinte, a água do banhado existente no local do combate se encontrasse avermelhada pelo sangue de homens e cavalos mortos. Por ali, numa tentativa desesperada, os cavalarianos de Prestes Guimarães também tentaram passar. Os cavalos atolaram. Uma chuva de balas disparadas pelos quadrados republicanos deve ter provocado muitas perdas. Daí a impressão guardada por tantos quantos ali estiveram na tentativa de identificar parentes e amigos mortos de que “o sangue dava pelas canelas”. Era, preservado pelas baixas temperatura, o sangue misturado à água do banhado.
O Nome da Batalha
Nos últimos tempos tem circulado a tese de que o verdadeiro nome do confronto seria “Batalha de Passo Fundo”. Apresentada como estribada em diversos autores, os defensores da tese inovadora afirmam que os termos “Batalha do Pulador” ou “Combate do Pulador” são defendidos por escritores locais.
O assunto é controverso desde o princípio.
Angelo Dourado, em livro escrito com o sabor de diário e, em sua maior parte, ao correr dos acontecimentos, fala em “combate do Passo Fundo”; Pedro Carvalho, oficial e homem de confiança de Santos Filho, em “Batalha do rincão dos Mellos, no Passo Fundo”; Antônio Ferreira Prestes Guimarães, comandante do Exército Libertador Serrano, em “Batalha do Pulador”. E é com esse nome que eu li sobre ela a primeira vez na página 1988 da História do Brasil, de Pedro Calmon, (vol. VI, Livraria José Olimpio Editora, 1959). Moacyr Flores, conhecido estudioso da história sul-rio-grandense, em seu Dicionário de História do Brasil (2ª edição revista e ampliada, EDPUCS, 2001) traz o verbete Combate do Pulador.
Assim, tanto Batalha do Pulador quanto Combate do Pulador são termos consagrados. E não apenas pelos historiadores passo-fundenses, a menos que Moacyr Flores e Pedro Calmon possam ser considerados passo-fundenses...
Via de regra, os choques entre exércitos recebem o nome do local onde efetivamente acontecem. Nesse aspecto, por incrível que pareça, é o pica-pau Pedro Carvalho, que participou de quase todas as ações empreendidas pela Brigada Santos Filho no então Município de Passo Fundo, quem melhor define o violento entrevero: “Batalha do rincão dos Mellos, no Passo Fundo”. Quem quiser saber onde essa batalha realmente ocorreu tome um bom mapa, com latitudes e longitudes, localize o Rincão dos Mellos e chegará ao local exato da matança. Portanto, seja batalha ou combate, o mais preciso é dizer-se do Rincão dos Mellos ou do Pulador.
Uma outra afirmação que tem sido propalada nos últimos tempos e que não condiz com a realidade é a de que, pela primeira vez numa revolução brasileira, a metralhadora (duas, no caso) tenha sido empregada na Batalha do Pulador. Sejanes Dornelles em seu livro Gumersindo Saraiva - O Guerrilheiro Pampeano, informa que esse tipo de armamento tinha sido empregado antes pelo menos duas vezes, pelas forças oficiais: na Batalha Campal do Inhanduí (3 de maio de 1893) e na Batalha Campal do Cerro do Ouro (27 de agosto de 1893).
A terceira afirmativa improcedente é a de que, também pela primeira vez numa revolução brasileira, os quadrados de infantaria estrearam naquela batalha. No dia 8 de fevereiro de 1894, no Combate dos Valinhos, aqui mesmo, em Passo Fundo, a Brigada Santos Filho, pôs em disparada a cavalaria maragata ao formar um quadrado de infantaria. E ainda, aqui mesmo, em Passo Fundo, no dia 6 de junho de 1894, no Combate dos Três Passos, o Exército Libertador Serrano não ousou atacar um quadrado de infantaria mandado formar às pressas pelo mesmo coronel Santos Filho.
A Importância da Batalha
A Revolução Federalista era até pouco tempo um tema proibido. Não oficialmente, por decreto ou lei, mas porque a maioria das famílias, em todo o Estado, e de maneira particular em Passo Fundo, estiveram, de uma forma ou de outra, envolvidas naquela sangrenta conflagração armada.
Angelo Dourado, médico federalista, que acompanhava as tropas de Gomercindo Saraiva, a propósito, deixou um depoimento impressionante, ao contar que todas as famílias passo-fundenses tinham integrantes seus incorporados ao Exército Libertador Serrano, comandado pelo general Prestes Guimarães, neto do cabo Manuel José das Neves, o fundador de Passo Fundo.
Em Passo Fundo, onde as rivalidades políticas, durante o Império, entre liberais e conservadores eram intensas e violentas, essa animosidade exacerbou-se com a República. Os conservadores, sempre minoritários, liderados pelo coronel Gervazio Luccas Annes, cruz-altense que para cá se mudou com o objetivo de liderar seus companheiros de partido, bandearam-se com todas as armas para a nova situação, radicalizando ainda mais os métodos usuais do fazer políticos. Chegaram a importar mercenários corrientinos, que cometeram violências e todo tipo de tropelias contra os antigos liberais.
Dados históricos disponíveis demonstram que, já em 1891, grupos armados sob o comando de Prestes Guimarães, operavam em Passo Fundo. Assim, a Revolução, aqui nascida, acabou mudando seu epicentro para a Fronteira, única e exclusivamente por motivos estratégicos. E Prestes Guimarães, no posto de coronel, foi um dos primeiros e mais importantes chefes militares federalistas quando o Exército Libertador, sob o comando geral do general Joca Tavares, passou a operar na Campanha.
Quando, enfrentando sérias dificuldades na Fronteira, o Exército Federalista de Gomercindo Saraiva decidiu rumar ao Paraná, em outubro de 1893, para dar apoio aos marinheiros sublevados contra Floriano Peixoto, a Revolução deslocou o seu centro para a Região de Passo Fundo. Aqui foram travados quatro grandes e importantes encontros militares: o combate do Umbu (16/01.1894), o combate dos Valinhos (8/02/1894), o combate dos Três Passos (6/06/1894) e a Batalha do Pulador (27/06/1894). Além disso ocorreram confrontos menores.
A Batalha do Pulador foi o mais importante de todos esses choques armados, pelo número de homens envolvidos diretamente na ação, o poder destruidor do armamento empregado e a quantidade de mortos.
Como já demonstrei em diversos artigos que venho publicando, envolveram-se diretamente na ação 1.600 federalistas e 3.000 republicanos, totalizando 4.600 homens, pelo menos. Foram contados 1.024 mortos no local da batalha, afora um número incalculável de combatentes que morreram em conseqüência dos ferimentos recebidos em combate. O número de ferido que sobreviveram, também é incalculável.
Embora os documentos legalistas contem vantagem para o seu lado, do ponto de vista estritamente militar, a vitória foi dos revolucionários, que permaneceram no local. Pode até ter sido uma vitória de Pirro, mas o coronel passo-fundense Verissimo Ignacio da Veiga, e seus lanceiros, ali pernoitaram, contaram os mortos e deram sepultura aos seus camaradas. Somente depois deixaram o local.
Terminada a batalha o resultado era este: as forças republicanas recuaram na direção de Cruz Alta, à espera de reforços, e as tropas revolucionárias, num movimento de semicírculo saíram pelo município de Soledade, reentrando em Passo Fundo, na localidade de Não-Me-Toque, daí seguindo a toda pressa rumo à Fronteira, onde esperavam apoio dos federalistas exilados.
O desfecho da história todos sabem. Os federalistas, em retirada, acabaram envolvidos por todos os lados, tanto pela Divisão do Norte, quanto por forças da Brigada Militar e provisórios sob o comando do senador e general Pinheiro Machado.
Moral da história: todos os historiadores isentos concordam que a Revolução Federalista foi decidida na Batalha do Pulador. Depois dela o que vimos foi o mais combativo exército revolucionário num recuo alucinado, acossado por todos os lados. A morte de Gomercindo Saraiva, a 10 de agosto de 1894, em Carovi, interior de Santiago, foi o ponto final na História da Revolução Federalista. A tentativa posterior de reacender o movimento, com a tragédia de Campo Osório, foi apenas um pós escrito.
Referências
- ↑ Publicado no Jornal Rotta em 09/08/2005
- ↑ Paulo Monteiro é membro titular e vice-presidente da Academia Passo-Fundense de Letras; também é membro titular do Grupo Pró-Memória, de Passo Fundo, da Academia Literária Gaúcha e de diversas instituições culturais do Brasil e do Exterior. Autor de centenas de artigos e ensaios sobre assuntos literários e culturais, Autor de livros sobre a Revolução Federalista em Passo Fundo.