156 anos passando pela mesma rua...

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156 anos passando pela mesma rua...

Em 28/06/2014, por Fabiano de Souza Marques


“De 7 de outubro de 1857 a 7 de outubro de 2014, 156 anos passando pela mesma rua...”

Fabiano de Souza Marques[1]


“Os limites urbanos da vila, antigamente, tais como se acham descritos no Código de Posturas, aprovado por ato do Governo da Província de 7 de outubro de 1858, e pela Lei Provincial Nº 406, de 23 de dezembro do mesmo ano, eram “Pelas Cruz das Almas que fica ao Sul do lado do Oeste em direção à outra cruz do mesmo lado, que se acha a Norte, e desta seguindo a mesma linha até a estrada da costa da Serra e pela fralda da dita Serra até a vertente que deságua na lagoa do Marcelino Machado, e por esta abaixo, seguindo a margem da mesma até o córrego que deságua na referida lagoa a Sul da casa de morada do mesmo Marcelino; subindo por ele acima até a cruz, que fica ao Sul do lado Leste, na beira da estrada real, que vai para a faxina, e desta em linha reta à cruz donde principiou. O folheto, contendo essas posturas, foi impresso em Porto Alegre, em 1860, na Tipografia Brasileira-Alemã, na Rua Nova, 48.” (STENZEL, 1980, pág 18).

Quando escreve “A Vila da Serra” (Conceição do Arroio), Stenzel Filho nem imaginava o legado que estava deixando às futuras gerações, não apenas literário, mas também espaço-temporal, pois descreve elementos físicos das ruas e casas e dos hábitos da sociedade que habitavam Conceição do Arroio (Osório). Ela faz reminiscências não só dos vultos, mas da descrição física e histórica dos usos e costumes daquele período. Junto a Conceição do Arroio, o novo município ficou dividido em três distritos: o primeiro a Vila, o segundo Três Forquilhas e o terceiro Palmares.

A obra é de extrema importância, pois contribuiu para o entendimento da evolução “de vila a cidade”, e nos mostra o quanto esse movimento se deve por vários fatores, que foram traçados por paralelos entre o passado e o presente e que devem contribuir para a compreensão do futuro. Conforme Stenzel (1980, p. 13), “assim, depois que o sítio (local) do arroio, já com mais moradores, naturalmente dos açorianos que aqui haviam chegado em 1719, vindos de Laguna, principiou a se estender pelo campo, a região tomou a nome de Estância da Serra...”.

O que mudou na cidade de Osório? A cidade sempre foi assim? Se tivéssemos o poder de voltar ao tempo e falar com as pessoas que viveram em 1858, o que diríamos a elas sobre a cidade de Osório, sobre as pessoas que ao longo dos anos viveram na cidade? Se bem lembramos, nessa época, o transporte se dava por tração animal, barcos a vapor e trens. As casas, em sua maioria, eram de pau a pique, com poucos rebocos, meia-água e casas com telhas – e telhados de palhas com janelas pequenas.

Na crônica dedicada às ruas, afirma: “a Rua Floriano Peixoto (antiga S. João) existia um rancho de palha, onde morava o Marcolino Lambança”. Ontem uma rua de chão de terra, hoje uma rua de asfalto; antes vazia, hoje sem espaço para estacionar o carro no centro da cidade de Osório. A mesma rua, duas épocas, muitos olhares e interpretações. Na página vinte, Stenzel Filho escreve: “... Esta rua era, também, conhecida, como ainda o é até hoje, pelo nome de rua dos sapos, pelo fato de em um lagoão que existia do princípio até o meio dela, todo cheio de juncos, esses répteis formarem a sua monótono cantilena”. Muitas vezes, o que vemos e achamos que está posto não está, imaginamos que sempre foi assim, porém uma cidade começa por uma necessidade, seja ela transitória ou permanente, pois as mudanças podem levar décadas, anos e meses.

As pessoas tinham interesses em outras coisas. Em um dos textos, descreve que “A corrida de cavalos foi e é a diversão predileta dos rio grandeses; por conseguinte, os arroienses não podiam fugir a inclinação...”. As necessidades eram outras. O meio de sobrevivência era mais lento, não estava fadado ao sucesso profissional.

Hoje, adultos, com certo entendimento mental para fazer reflexões, começamos a entender alguns fatos que nos movem. Por diversas vezes, caminhamos por ruas em que brincávamos quando criança. Percebemos mudanças não só na estrutura das casas e na envergadura das plantas, mas também percebemos que as pessoas que cruzavam o nosso caminho – e nos davam “bom dia!” – já não as vemos mais. Onde será que estão essas pessoas? Que marcas elas deixaram?

Não sabemos de que forma, mas percebemos movimentos não só naturais, como também materiais, pois o tempo é o pai das respostas. Ele nos transporta para outros tempos. Aquelas ruelas, muitas vezes de chão batido, foram caminhos para sonhos que perpetuavam às cabeças das pessoas daquela época, pois a velocidade da vida era outra. Segundo Santos (2008, p. 46):

“nos últimos cinco séculos de desenvolvimento e expansão geográfica do capitalismo, a concorrência se estabelece como regra. Agora, a competitividade toma o lugar da competição. A concorrência atual não é mais velha concorrência, sobretudo porque chega eliminando toda forma de compaixão”.

O concreto da vida plena do consumo capital nos leva a velocidades extremas, uma vez que estamos ali de corpo e não de cabeça. Passamos pelas ruas sem dar importância às pessoas que cruzam o nosso caminho. Dar “Bom dia” pra quê? Vivemos 2014, a era da imagem, da tecnologia, da vida instantânea, do pague e leve, dos fast food, dos carros moldados à tecnologia de ponta dos celulares e tablets. Divagamos nas ruas como “androides”. Não olhamos para o lado, por isso não percebemos o que está a nossa volta, pois sempre estamos com objetivos e metas a cumprir. E nesse monta e desmonta, criamos e somos criados. Então, quais as marcas que deixaremos para os próximos 156 anos? O que escreverão sobre nós, em 7 de outubro de 2170?

Referências

  1. Geógrafo e professor, autor de diversos artigos para a revista de circulação local.