As Décimas de Algacir Costa II
As Décimas de Algacir Costa II
Em 31/07/2005, por Paulo Domingos da Silva Monteiro
As Décimas de Algacir Costa[1]
PAULO MONTEIRO[2]
Quando soube que Algacir Costa havia reunido em volume suas DÉCIMAS, cuidadosamente guardadas durante anos, pensei logo em lê-las e sobre elas escrever. Andei procurando o autor que, à época, residia em Porto Alegre, e seu livro, cujo volume demorei muito para encontrar.
Conheci o poeta em Passo Fundo, quando liderava o grupo musical regionalista Os Fronteiriços. Naqueles tempos, meu amigo Flávio Damiani, jornalista hoje radicado na Capital dos Pampas, insistia em ter minha parceria em suas composições, que enviava para os festivais nativistas. Algacir e seu conjunto chegaram a gravar algumas composições. Como o próprio Flávio já contou, em um longo artigo divulgado pelo Jornal Rotta, de Passo Fundo, nossas composições eram sistematicamente censuradas pelas comissões julgadoras. Até porque nunca dependemos dos cofres públicos para nossa militância cultural.
Eu sabia que Algacir sofria de uma doença incurável. Queria escrever sobre seu livro enquanto estivesse vivo. E consegui. Meu amigo José Eurides Alves de Moraes emprestou-me o exempiar. Enviei cópia do artigo. E muitos meses depois, quando o poeta já falecera, recebi uma correspondência dizendo que ele recebera o jornal no dia do seu aniversário, o que o deixara muito feliz. Poucos dias após ter lido meu artigo, Algacir exalou seu último suspiro.
Algacir Costa foi um autêntico poeta popular. Recuperou uma das mais caras tradições da poemática popular do Rio Grande do Sul, a décima. Esta é um tipo de poema (e não a forma estrófica também do mesmo nome, encontrada nos estudos sobre versificação e metrificação), onde são narrados acontecimentos, fatos, emoções. Décima é o correspondente ao clássico romance, em forma de poema, muitas vezes com estrofes de dez versos. Aliás, as décimas, como as conhecem os poetas populares do Rio Grande do Sul, também são encontradas noutras partes do mundo. Veja-se, a propósito, Poesias Completas de Juan Cristóbal Lopez Fajardo, Ediciones Huracán, La Habana, 1974.
O livro do poeta nascido em Vila Teixeira, então 7°. Distrito de Passo Fundo, em 11 de outubro de 1944, pode ser dividido em duas partes bastante diferenciadas. Na primeira, encontramos poemas de uma feição mais tradicional, gauchesca. É o caso de ORELHANO, que abre o volume. São poemas onde há o apelo às coisas telúricas dos pagos sulinos, ao peão, à china, à prenda. Já a segunda espécie – diga-se assim - , é constituída de composições dedicadas a lembranças de leituras do autor, como os poemas onde fala sobre elementos da história, da cultura e da indumentária gaúcha, e outros onde lembra locais e pessoas com quem manteve contato nos seus longos anos de músico profissional.
Li as DÉCIMAS de Algacir Costa e lembrei-me de uma de minhas bisavós, a mãe de meu avô materno, cantando ao som de harpa - isto mesmo, ao som de harpa -, na velha Cruz Alta, maldizendo a Revolução de 93, na qual meu bisavô se engajou.
"Maldita Revolução,
O que vieste fazer?
- Levar os pais de família;
- Deixar as mães a sofrer. .. "
Assim começava o poema, acredito que irremediavelmente perdido, e do qual são os únicos versos que recordo.
O payador de Vila Teixeira compunha suas décimas ao som do violão, com cordas metálicas, e com a mesma intensidade com que minha ancestral cantava, enquanto dedilhava as cordas feitas por ela mesma, carinhosamente, com tripas de carneiro.
As DÉCIMAS de Algacir Costa pode não possuir a elaboração dos romances de Aureliano de Figueiredo Pinto ou dos poemas de Jayme Caetano Braum ou de Apparício Silva Rillo, mas têm o vigor chimarrão da mais antiga poesia popular dos gaúchos, anterior à própria gauchesca. Esta, uma conseqüência natural do romantismo literário, nos deu os maiores monumentos da literatura das três pátrias gaúchas: o Martín Fierro, de José Hernandez, e o Antônio Chimango, de Amaro Juvenal. Aquela vem sendo improvisada nas pulperias, nos bolichos ou recônditos dos ranchos da Campanha ou da Serra. E até mesmo nos casarões das estâncias. Para que se possa avaliar literariamente o livro de Algacir Costa é preciso que se tenha presente esse duplo aspecto da poesia gauchesca. Atrevo-me a dizer: as duas gauchescas, uma regionalista, literária; e a outra eminentemente popular.