O combate do Umbu

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O combate do Umbu

Em 2007, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


A Revista Somando publica nesta edição, episódio da Revolução Federalista de 1893, quando vários confrontos aconteceram na região de Passo Fundo, entre as forças federalistas e republicanas. O trabalho de pesquisa do historiador Paulo Monteiro narra o Combate do Umbu, ocorrido em 16 de janeiro de 1894, entre as localidades de São Miguel e Pulador.

A Revolução Federalista foi um dos episódios mais sangrentos da História do Brasil. Ambrose Birce, jornalista norte-americano que cobriu o episódio para o jornal New York Tribune e deixou um diário sobre o que viu e ouviu, no Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina, calculou que pela proporção entre o número de vítimas e a população rio-grandense, firmou-se como o movimento armado mais mortífero ]o continente americano no século XIX.

Entre novembro de 1893 e junho de 1894, Passo Fundo centralizou a chamada “revolução da degola” no Estado. Aqui ocorreram os combates mais importantes do período, deixando um total superior a 3 mil vítimas, número que corresponde a 25% das mortes oficialmente reconhecidas ou 13% das quase 40 mil mortes calculadas por Ambrose Birce e Apolinário Porto Alegre. Esse grau de violência contribuiu para que, alguns anos depois, um pacto formal de silêncio, visando à concórdia entre as famílias ensangüentadas, levasse ao esquecimento muitas passagens dessa guerra fratricida.

O Combate do Umbu, travado no dia 16 de janeiro de 1894, é um dos acontecimentos mais brutais, apagados por aquele acordo.

Depois do Combate do Arroio Teixeira ou do Guamirim (20 de novembro de 1893), em que os republicanos sofreram uma humilhante derrota diante de um piquete comandado pelo coronel Veríssimo Ignácio da Veiga, o desejo de lavar a honra militar com sangue avolumou-se. Vencedores no ainda desconhecido Combate do Butiá (26 de novembro de 1893), os pica-paus não se deram por satisfeitos e tentaram a forra no Combate do Passo do Cruz (20 de dezembro de 1893), que na verdade foram dois combates, um pela manhã e outro à tarde. Foram derrotados, perdendo seus dois mais respeitados condutores, o capitão provisório Francisco Brizola e o comandante da Brigada Militar em Passo Fundo, capitão Eleuthério dos Santos.

No Passo do Cruz, as forças castilhistas que garantiam a autoridade do intendente (prefeito) Gervásio Luccas Annes acabaram destroçadas. As portas da cidade abriram-se à ocupação maragata. O pânico tomou conta dos republicanos passo-fundenses. Famílias inteiras, aproveitando a escuridão daquela noite de 20 de dezembro, correram em busca de abrigo em Cruz Alta, que se tornara o “ninho dos pica-paus”, sob a liderança sanguinária do antigo sacristão da Matriz daquela cidade, agora elevado à condição de coronel, José Gabriel da Silva Lima.

No dia 21 de dezembro de 1894, os lanceiros de Veríssimo Ignácio da Veiga ocuparam Passo Fundo. Forças procedentes de Soledade, já em poder dos revolucionários, aproximavam-se, pelo ancestral Caminho do Botucaraí, sob o comando dos coronéis Elisário Ferreira Prestes e José Borges Vieira. Partiram em perseguição aos fugitivos, alcançados perto de Carazinho. Atacaram a retaguarda dos mesmos tomando-lhes três cargueiros, duas carretas com diversos gêneros e grande quantidade de gado vacum e  cavalar.

Agora, a mais importante cidade serrana estava em poder de quatro corpos do Exército Libertador Serrano, comandados pelos coronéis Elisário Ferreira Prestes, Veríssimo Ignácio da Veiga, José Borges Vieira e Pedro Bueno de Quadros.

Em 1º de janeiro de 1894 os coronéis Elisário Ferreira Prestes e Pedro Bueno de Quadros marcharam unidos para o Passo do Jacuizinho, que separava Passo Fundo de Cruz Alta. O local estava guarnecido por um piquete de pica-paus, atacado pelos federalistas. Estes perderam um alferes e um soldado. Os legalistas contabilizaram a perda de dois soldados e o coronel Francisco Victor.

A morte do oficial republicano provocou profunda consternação em Cruz Alta. Foi organizada uma poderosa expedição, com cerca de 1.500 homens, comandada pessoalmente pelo coronel José Gabriel da Silva Lima, intendente daquele município, auxiliado pelos coronéis João David Ramos e Gervásio Luccas Annes, intendente de Passo Fundo.

No dia 16 de janeiro, às 8 horas da manhã, no local conhecido como Umbu, entre São Miguel e Pulador, o Exército Libertador Serrano surpreendeu os castilhistas. Aproveitando-se do terreno e da vegetação, os federalistas atacaram pela frente e pelos francos.

No local, a alguma distância da estrada, haviam dois matos, de onde, entrincheirados, os revolucionários desfecharam violenta fuzilaria contra os castilhistas, colhidos, ao mesmo tempo, de frente, por uma forte carga de cavalaria. Surpreendidos pelo ataque recuaram.

Violentamente rechaçados, os republicanos fugiram perseguidos pela cavalaria maragata, transformada em infantaria montada. Tiveram mais de duzentos mortos, entre os quais o coronel João David de Moura Ramos (na opinião de Prestes Guimarães, seria o verdadeiro chefe militar da expedição), os tenentes coronéis Joaquim Garcia Leal Tatim, de Soledade, Procópio Gomes, do Lagoão, Francisco Bier, de Passo Fundo, e diversos outros oficiais, como o tenente José Martins da Cunha, apelidado de Português, de Soledade.

Os feridos foram muitos, entre os quais o deputado estadual Gervásio Luccas Annes, intendente de Passo Fundo. Conforme a historiadora Delma Rosendo Gehn, ele fora baleado numa perna. Prestes Guimarães afirmou que teria sido ferido nas costas. Comentários populares contam que levou o tiro noutra parte do corpo, o que o impedia de sentar na sela. Os maragatos degolaram os republicanos mortos e feridos, lançando muitos corpos numa lagoa que existia nas proximidades. Repetiu-se, ali, uma prática de todas as guerras pampeanas, imortalizada por José Hernández, nos versos 67 e 68 da primeira parte do Martín Fierro:

“No mea hago al lao de la güeya

aunque vengan degollando;  

(...)”

Os versos mereceram a seguinte tradução para o português pelo poeta J. O. Nogueira Leiria:

“Não saio fora dos trilhos

Nem que venham degolando;

(...)”

Comentando essa passagem do maior poeta gauchesco, assim anotou Ricardo Navas Ruiz, em sua edição crítica do Martín Fierro:

”güeya, huella o camino rural. La expresión alude a la costumbre de

degollar a los heridos que quedaban por los caminos durante las

guerras civiles. Quiero decir, no me escondo aunque vengan matando”.

E ainda tem gente garantindo que o gaúcho brasileiro é diferente do gaucho, argentino ou uruguaio...

Prestes Guimarães afirma que os vencedores tiveram 22 mortos, entre os quais o alferes Manuel Nunes, e 17 feridos. O butim de guerra foi assim contabilizado: 12 carretas carregadas, dois carros de bois, com os referidos animais, mais de 500 cabeças de gado vacum e igual número de cavalos, 50 cargueiros, dois estandartes, uma corneta, grande quantidade de armamento e 42 prisioneiros. E acrescenta outros detalhes: nas carretas foram encontrados churrascos assados com couro, doces, foguetes, e até a ordem-do-dia, em que já era celebrada a vitória imaginada pelos republicanos.

A vitória serviu para fortalecer o Exército Libertador Serrano e dar-lhe unidade. Tanto é verdade que, através da Ordem do Dia nº 1, de 1º de fevereiro de 1894, Elisário Ferreira Prestes, Comandante das Forças estacionadas em Passo Fundo, organizou a 1ª Divisão Serrana Revolucionária, formando assim a 1ª Brigada, com o 2º e o 3º corpos, o 5º de Nonoai; o 1º e 4º corpos e o esquadrão do Campo do Meio. Constituíram a 2ª Brigada.

A derrota de uma força governista, com mais de 500 homens, tendo à frente os intendentes de Cruz Alta e Passo Fundo, respectivamente José Gabriel da Silva Lima e Gervásio Luccas Annes, no Combate do Umbu, no dia 16 de janeiro de 1894, repercutiu em todo o Estado. Gervásio Annes, que além de intendente (prefeito) de Passo Fundo era deputado estadual, seguiu a cavalo, com muita dificuldade, até Cruz Alta e dali de trem para Porto Alegre, a fim de curar seus ferimentos.

Até aquele momento, apesar dos seguidos confrontos entre os Federalistas passo-fundenses e as forças do governo, ocorreram quatro combates de uma certa importância: o do Boqueirão, em 4 de junho de 1893, quando os Federalistas foram derrotados, o combate do Arroio Teixeira ou Guamirim, em 20 de novembro de 1893, e os dois combates - dois porque foram contra forças diferentes, embora no mesmo dia - do Passo do Cruz, em 20 de dezembro de 1893. Com vitórias dos revolucionários e a conseqüente ocupação da cidade, o Governo do Estado via a luta em Passo Fundo e Soledade como simples conseqüência de bandidos e “bandos armados”, como costumavam dizer.

Agora, porém, a coisa era diferente. Um combate em que mais de 1.500 homens preparados, armados e bem montados são batidos, é porque não enfrentaram um simples grupo de delinqüentes, mas um verdadeiro exército. Impunha-se uma resposta à altura.

Os republicanos não podiam dispor de sua força mais indicada para operar sobre Passo Fundo e Soledade: a Divisão do Norte, comandada pelos generais Francisco Rodrigues Lima e senador José Gomes Pinheiro Machado. Apelou-se para a Brigada Santos Filho, formada para dar proteção à estrada de ferro Porto Alegre-Uruguaiana, seguidamente ocupada pelos maragatos que operavam sobre o centro do Estado e a Fronteira Oeste. A mobilização da Brigada Santos Filho, reforçada por forças cruz-altenses e republicanos evadidos de Passo Fundo e Soledade, significou a deslocação do centro da revolução, no Estado, para nosso município.

Estava aberto o período mais sangrento da Revolução Federalista, culminando com três dos mais violentos combates da “revolução da degola”: o Combate dos Valinhos (8 de fevereiro de 1894), o Combate dos Três Passos (6 de junho de 1894) e a Batalha do Pulador (27 de junho de 1894).