Um desbravador da aviação brasileira

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Um desbravador da aviação brasileira

Em 2010 - por Diego Chimango Vargas


Um desbravador da aviação brasileira

Diego Chimango


No mês em que a Capital do Planalto Médio comemora 151 anos de emancipação político-administrativa, vem à tona a imagem dos notáveis cidadãos que projetaram o desenvolvimento dessa cidade. Nessa primeira edição da Revista do Instituto Histórico de Passo Fundo, presta-se uma homenagem póstuma a um ilustre passo-fundense pouco conhecido pela geração atual, mas que possui íntima ligação com o progresso de sua terra. Trata-se do Comandante Ruy Della Méa. “Na infância, quando conduzia as tropas de burros com seu avô, o pequeno Ruy olhava para o céu e, quando avistava um pássaro, dizia: um dia voarei tanto quanto as aves. Embora a expressão fosse entendida como um sonho impossível da infância, não seria errado dizer que se tratava do idealismo de um futuro grande homem, dando seus primeiros sinais de vida”, contou em entrevista o jornalista Muryllo Della Méa, 60 anos, filho do Comandante.

Nascido em Passo Fundo no dia 25/06/1918, foi o segundo filho do casal Pio Della Méa e Ercília Della Méa. Teve apenas uma irmã, a educadora Ida Della Méa, recentemente falecida, aos 94 anos de idade. Ruy estudou no Colégio Elementar (Escola Estadual Protásio Alves), tendo sido aluno de Anna Wiling; posteriormente, teve como mestre o Irmão Leão, no Colégio Marista Conceição. Anos depois, no Rio de Janeiro (Capital Federal), fez cursos que deram início a uma notável carreira aviatória. No ano de 1939, na capital paulista, conquistou o brevê sob a orientação do instrutor Renato Pedroso, alcunhado campeão de acrobacias, tornando-se, então, piloto na Base Aérea de Marte.

“Na primeira metade do século XX, quem ousasse dizer que o homem poderia voar era tido com louco, mesmo depois da famosa invenção de Santos Dumont. Meu pai era um desses homens idealistas que, na verdade, foram os precursores de uma arte tão comum atualmente”, disse o filho Muryllo. De volta a Passo Fundo, junto ao então prefeito Arthur Ferreira Filho, Dr. Gelson Ribeiro e Armando Czamanki, Della Méa fundou o Aeroclube da cidade, em 29/10/1940, formando, mais tarde, a primeira turma de pilotos. Com carta de recomendação ao jornalista Jorge Chalita, o jovem aviador voltou à capital federal e passou a exercer a função de instrutor de voo, efetuando dezenas de aulas e palestras, cativando ao Dr. Salgado Filho, Ministro da Aeronáutica à época, com quem estabeleceu grande amizade. Ruy solicitou ao Ministro uma aeronave para a formação de futuros pilotos em sua terra natal, pedido prontamente aceito. Mas a ideia não foi bem recebida por alguns de seus conterrâneos que o consideravam um louco por desempenhar tal ofício, o que desiludiu o jovem idealista. Sabendo do triste fato, Salgado Filho resolveu doar a aeronave ao município de Carazinho, que também contava com um aeroclube. No aeroporto Santos Dumont, o avião de prefixo “TKU” foi batizado com o nome do intrépido Henrique Dias.

Em maio de 1942, Ruy retornou ao Rio Grande do Sul, pilotando a aeronave no trajeto Rio/São Paulo/Florianópolis/Laguna/Porto Alegre. Uma fogueira foi acesa, nas proximidades de uma madeireira, para que a fumaça guiasse o piloto Della Méa, que aterrissou no antigo campo do Esporte Clube Gaúcho – onde, atualmente, situa-se o Bairro Vergueiro – às 17h, diante de uma multidão deslumbrada.

“Nesta ocasião, eu ainda era menino, e recordo que Ruy aterrissara para abastecer o avião. Naquele dia, entre outros destaques, estava presente o também amigo Múcio de Castro, jornalista que foi o verdadeiro baluarte da carreira de Ruy”, comentou o ex-telegrafista João Pedro Bortholacci, amigo do Comandante.

Retomando a viagem, partiu para a vizinha cidade, onde era aguardado por cerca de cinco mil pessoas. Della Méa construiu, em Carazinho, um hangar para o aeroclube daquela cidade e ali também formou a primeira turma de pilotos carazinhenses.

A pedido do Ministro Salgado Filho, no mesmo ano, Della Méa procedeu a inquérito na cidade de Orlândia (SP), onde prestou serviços por mais de um ano, sendo congratulado pela população e autoridades daquela hospitaleira cidade.

O ano de 1944 foi glorioso para o jovem aviador. No Rio de Janeiro, casouse com a Sra. Irene Paraguaçu, com quem teve quatro filhos: Ruy, Muryllo, Maria Ercília e Sandra. Della Méa também conquistou, nesse ano, o brevê de piloto mercante, passando a servir a Companhia de Transportes Aéreos da Costa Rica e realizando voos ao continente europeu e à América do Norte. Ainda em 1944, foi convidado pela Royal Air Force (RAF – Força Aérea Inglesa) para prestar serviços na Segunda Guerra Mundial, mas, por reconhecer o valor profissional do jovem, o Ministro do Exterior, Dr. Oswaldo Aranha, remeteu uma carta à direção da Aerovias Brasil, oportunizando o ingresso do Comandante Della Méa na companhia em 04/10/1944. “Sempre aperfeiçoando seus conhecimentos, Ruy foi aos EUA naquele mesmo ano para diversas especializações aviatórias, onde teve como colega o jovem Neil Armstrong, estreitando amizade com aquele que, no futuro, tornar-se-ia o primeiro homem a pisar o solo lunar”, comentou Muryllo.

Em 1945, passou a comandar os aviões quadrimotores, fazendo o trajeto da Costa Rica ao Canal do Panamá. No Brasil, fez o trajeto Rio-Maranhão e, também, carregou cristal de rocha para os EUA, sendo o pioneiro a transportar para o Brasil as primeiras cargas de penicilina, medicamento que, na época, só era fabricado nos EUA e na Europa. Por um período de três anos, passou a realizar somente viagens internacionais, como, por exemplo, o circuito Miami, Florida, Hollywood e América Central.

Em 1949, a Aerovias Brasil transferiu-se para São Paulo, onde foi construído o primeiro grande hangar do país. Della Méa foi o responsável pelo plano de nacionalização da Aerovias, baseando-se no sistema aviatório americano, com apoio do Ministério das Relações Exteriores, o que lhe rendeu a direção geral da companhia em Caracas pouco tempo depois. Na década de 1950, dedicou-se à criação de uma empresa aérea gaúcha denominada “Caminhos Abertos para o Brasil” (CABRA).

Mesmo com todos os esforços e apoios, a descrença de seus conterrâneos, novamente, impossibilitou a realização de um sonho do experiente ás, que, por esse motivo, retornou aos grandes centros e foi nomeado para a chefia da Base Aérea de Curitiba, comandando os aviões Convair 340, 440 e o possante DC-6 C.

Com mais de 22 mil horas de voo, em janeiro de 1962, Ruy Della Méa aposentou-se de sua brilhante carreira aviatória, dedicando-se à pecuária em sua fazenda no Paraná. Em 1965, o reconhecimento pelos seus prestimosos serviços prestados foi expresso em uma dignificante homenagem oferecida pelos cidadãos passo-fundenses.

O bravo Comandante fez sua última decolagem aos céus em 1975, acometido por uma violenta pancreatite, que lhe tirou a vida aos 56 anos de idade. Na edição nº 14.065, do dia 24/11/1975, o vespertino O Nacional informava, com pesar, a morte de um grande homem ocorrida em São Paulo.

O empreendedorismo, a perícia e o exercício da ética foram marcas registradas na trajetória de um dos mais ilustres filhos de Passo Fundo, que, apesar de todas as adversidades e percalços, não se deixou abater, conquistando o sucesso e tornando-se um modelo para a posteridade. Ruy Della Méa foi um dos pioneiros e eméritos desbravadores da aviação brasileira, que enalteceu para além das fronteiras o nome da Capital do Planalto Médio.