Tiradentes e Outras Datas

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Tiradentes e Outras Datas

Em 2010, por Emannuel Henrich Reichert


O ciclo do calendário é um dos fatores que determinam quais os eventos que capturam nossa atenção ao longo do tempo. O exemplo mais evidente disso é o Natal: além da influência imensa sobre o comércio, ele afeta outras esferas da sociedade, como a mídia – em meados de dezembro, é difícil passar diante de uma banca de jornal sem se deparar com dúzias de revistas com reportagens de capa sobre Deus, religião e Jesus. É uma maneira curiosa de celebrar o aniversário de alguém que, seja quando for que nasceu, dificilmente o fez no dia 25 de dezembro; mas não pretendo tratar aqui desse assunto.

Também importante, ao menos no Rio Grande do Sul, são os meados de setembro, a época de lembrar a Guerra dos Farrapos. Celebrar guerras perdidas como forma de afirmar uma identidade, ao menos, não é exclusividade nossa; no sul dos Estados Unidos, a Guerra Civil americana cumpre essa função para muitas pessoas, do mesmo modo que a Batalha de Kosovo – a derrota dos sérvios pelos turcos no final do século 14 – ainda não foi esquecida nos Bálcãs, e o significado simbólico da batalha e da região em que ocorreu é um dos motivos de a Sérvia recusar-se a reconhecer a independência de Kosovo. Mas tampouco é desse assunto que quero falar hoje.

O feriado de 21 de abril talvez não tenha para nós uma carga emocional comparável ao Natal e ao 20 de setembro, mas isso não significa que seja um dia sem importância. É, para começar, o aniversário de Brasília – sobre a qual, na situação em que se encontra, quanto menos for dito, melhor. Para a maioria dos brasileiros, mais importante que isso é um fato mais antigo, em função do qual foi escolhida a data de inauguração da nova capital: trata-se, é claro, da morte de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

Os fatos sobre ele e a Inconfidência Mineira já são conhecidos há algum tempo: os inconfidentes eram um grupo mal organizado e com planos vagos; na medida em que existiam planos, o objetivo era mais a libertação de Minas Gerais do que do Brasil como um todo; quando a conspiração foi descoberta, os inconfidentes, membros da elite local, tiveram suas penas atenuadas, com exceção de Tiradentes, que serviu de exemplo por ser ao mesmo tempo o mais pobre e mais militante do grupo, tendo assumido a responsabilidade pela trama durante as investigações, o que muito dificilmente poderia ser verdade; após sua morte, Tiradentes permaneceu cerca de um século nas lembranças dos mineiros, sem ter nenhuma espécie de destaque nacional até que, com o início da República em 1889, surgiu a necessidade de heróis para o novo regime. Como o período era de intensas disputas políticas, o consenso recaiu sobre uma figura do passado, que justamente por isso tinha um baixo índice de rejeição e não ofendia a nenhuma das facções do momento; e assim, Tiradentes ganhou fama nacional, crescendo em popularidade e estatura mítica até se tornar o “Cristo cívico” como costuma ser lembrado hoje: barbudo, vestido de branco e prestes a morrer por uma boa causa. Nada disso é novidade, e quem deseja saber mais a respeito pode conferir A devassa da devassa, de Kenneth Maxwell, e A formação das almas, de José Murilo de Carvalho.

Se os fatos são conhecidos e não temos nada de novo sobre eles, se não descobrimos o primeiro dente que o Tiradentes extraiu de alguém ou qual a cor preferida do Tomás Antônio Gonzaga, o que resta a dizer? Talvez que os heróis não caem prontos do céu. Que, dentre muitas pessoas que tentam fazer a coisa certa, o que salva algumas do esquecimento pode muito bem ser a politicagem e outras circunstâncias que pouco têm de heróicas. E que, mesmo sabendo de tudo isso, muitos continuam apegados a essas figuras, como se apagar os mitos desfizesse também as virtudes que eles deveriam representar. Enfim, seja Tiradentes apenas mais um aspirante a revoltoso que se deu mal, ou a encarnação de tudo o que existe de bom no Brasil, ficam os votos de um feliz 21 de abril a todos.