Tiradentes morreu na forca?

From ProjetoPF
Revision as of 21:35, 15 May 2023 by Projetopf (talk | contribs) (Inserir artigo)
(diff) ← Older revision | Latest revision (diff) | Newer revision → (diff)
Jump to navigation Jump to search

Tiradentes morreu na forca?

Em 07/01/2000, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


Tiradentes morreu na forca?


Assis Brasil, prolífico escritor piauiense, está reunindo seus romances históricos numa série de quatro volumes(ImagoEditora. Rio de Janeiro). O terceiro tomo acaba de ser publicado acolhendo, em segunda edição, o livro de 1993:Tiradentes, Poder Oculto o livro da Forca

A impropriamente chamada Inconfidência Mineira é um dos fatos históricos mais interessantes que antecederam a separação entre Brasil ePortugal. Interesse que se deve a diversos fatores, que vão da inculpabilidade de alguns acusados, como Almir de Oliveira procurou demonstrar em relação a Tomás Antônio Gonzaga no clássico Gonzaga ea Inconfidência Mineira (Editora Nacional, São Paulo, 1948) até à falsificação da imagem oficial de Tiradentes, calcada no Cristo da Santa Ceia, quadro do renascentista Miguel Ângelo.

Assis Brasil explora uma hipótese interessante quanto à execução de Tiradentes: a deque outro homem teria sido morto em seu lugar. E para o encaixamento histórico da tese contribui a participação inegável da Maçonaria nos movimentos sociais dos séculos XVIII e XIX.

O caráter secreto das academias da época serve para estabelecer pontos controversos entre historiadores, alguns pagando tributos ao anti-semitismo de homens como Gustavo Barroso. E o caráter misterioso dessas revoluções colabora com o aparecimento de aspectos míticos. Aí um campo propício à ação dos ficcionistas literários.

Nesses escaninhos da História, Assis Brasil foi buscar a base para a trama romanesca E acrescentando algumas personagens - porque não aparecem nos documentos mais importantes da Insubordinação reunidos em Autos da Inconfidência Mineira (Senado Federal, Brasília, Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte (1976-1983,10v), como Enzo Orsini e sua filha Felicitas, preenche lacunas dando forma ao romance.

Nos Autos (Ed.cit, v. 3) aparece um cadete, LourençoOrsini, mesmo sobrenome do ator. Mineiro de nascimentoemaçom, Enzo vê na substituição de Tiradentes, a oportunidade para representar o grande papel de sua vida A troca foi planejada a partir da loja Grande Oriente da Bahia, cujo grã-mestre, Jeremias Bartolomeu, de nome claramente judaico, e não citado nos Autos é velho conhecido do ator tendo até mesmo escrito uma peça especialmente para ele.

Providencialmente, o alferes que estava no Presídio daRelação local de presos comuns, é retirado para trabalho externo em 10 de dezembro de 1791. Enquanto realiza serviços de limpeza no centro do Rio é observado pelo Padre Inácio Nogueira de Lima e pelo ator, vestindo um casaco igual ao de Tiradentes.

Também providencialmente, cai um temporal. Há confusão entre os presos, que não estavam acorrentados. Tiradentes afasta-se dos demais sentenciados e Orsini,calmamente, toma seu lugar.Há tempos circulavam informações de que apenas Joaquim José seria executado. Para a irmandade a que pertencia erauma questão de honra salvá-lo, "uma vez que ele, fiel à iniciação maçônica, foi o único que se manteve íntegro, digno, um verdadeiro patriota, antes, durante edepois da rebelião" nas palavras de Inácio Nogueira.

Com a cumplicidade do confessor de Tiradentes, Frei Raimundo de Pena forte, o carrasco Capitania seria subornado para simular o enforcamento, pois Orsini dispunha de moedas de ouro dentro do Presídio. Na carioca, que retiraria o executado para ser esquartejado, seria substituído por um cadáver procedente da Misericórdia e num determinado ponto o ator fugiria. Plano simples que falhou nalgum local, pois o algoz, não contente apenas com o enforcamento, ainda monta sobre os ombros do condenado, para não deixar dúvida de sua morte. E mais: o corpo é esquartejado ali mesmo.

Enquanto isso Tiradentes estava escondido no mesmo sótão de Domingos Fernandes da Cruz. onde havia sido preso por delação do Padre Inácio, este e o porta-estandarte Francisco Xavier Machado, companheiro antigo de Tiradentes, se encarregam de noticiar o ocorrido a Felícitas. Decidida a recuperar os despejos do pai, fica acertado que será acompanhada de ambos, seguindo a carreta que transportará as partes esquartejadas. O sacerdote desiste de acompanhá-los, mas no caminho encontram Damiáo, ex-escravo do altares, que lhes presta ajuda.

Felícitas, mulher avançada para sua época, eFrancisco acabam se apaixonando. Aliás, há, sempre esse ingrediente de paixão folhetinesca nos romances históricos de Assis Brasil. Recuperane todos os pedaços, inclusive a cabeça de Enzo Orsini, sepultada num mausoléu secreto existente junto ao chafariz da casa de Antônio Vieira da Cruz, em Vila Rica.

A fidelidade a aspectos históricos está presente ao longo do romance, dando verossimilhança à parte ficcional. Nesta característica nota-se a mistura de uma linguagem que lembra o falar oitocentista e expressões retiradas da sociologia de nossa época. O próprio filho físico de Tiradentes está mais de acordo com a realidade do tempo.

E se ele esquecer a mulher ea filha Joaquina, isso se explica pelo amor infeliz com Isabel Dias, que o torna mulherengo e insensível com as mulheres.

Tiradentes teria se retirado do Brasil no dia 24 de junho de 1792. Foi para Lisboa como taifeiro da nau Golfinho, que levava os eclesiásticos condenados. Lá se fixou como boticário, misto de barbeiro e dentista, e teria auxiliado Hipólito José da Costa a fugir da prisão, em 1801. Voltou para o Brasil com a Família Real, passando a residir no Rio de Janeiro, protegido de D. João VI, chegando a tratar de D. Maria I, a Rainha Louca, usando seus conhecimentos de barbeiro esangrador. Ali faleceu tranqüilamente, sempre cuidado pela velha Igrácia Gertrudes.

Se alguém objetar que a substituição de Tiradentes por qualquer outra pessoa é absurda está no seu direito. A hipótese que Assis Brasil explora em seu romance é, no mínimo, tão absurda quanto o culto a um herói de barbas ecabelos nazireus, com uma corda ao pescoço e o olhar dos místicos orientais, perdido no espaço. Afinal, nem sempre a arte imita a vida.