Faz sentido

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Faz sentido

Em 31/07/2005, por Pedro Du Bois


Faz sentido[1]

PEDRO DU BOIS[2]


Muitos trabalham a teoria de que os fatos mais diferentes e distantes entre si acabam se entrelaçando e gerando acontecimentos que servem para unir as pessoas, pelo menos, nos interesses intelectuais.

Começo por trechos do artigo assinado pelo jornalista, escritor e crítico de artes, Harry Laus, publicado no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em 01/12/1962:


"Mário Faustino e Sua Hora

Um avião a jato ultrapassou a velocidade em que vivia o poeta Mário Faustino. E ele, sempre tão consciente de seu valor e suas possibilidades, nada pode fazer contra a máquina que se dilacera - e o dilacerou - contra as montanhas.

... Mário exercia tremenda vigilância em torno de si e de sua obra ... impiedoso para com a criação e sua autocrítica jamais o deixou publicar um único poema que não tivesse sua completa aprovação, depois de aperfeiçoado pela luta contínua em busca da palavra exata para exprimir seu pensamento ... (o que) pode ser facilmente verificado (em) ... seu livro "O Homem e Sua Hora", em poemas como "Sinto que o Mês Presente me Assassina", "Romance", "O Mundo que Venci Deu-me um Amor" e, principalmente, no grande poema que dá título ao livro. E também pelo importante trabalho de orientação poética que desenvolveu no suplemento literário do Jornal do Brasil...

... dos que com ele conviveram, ninguém terá deixado de sofrer sua influência. Personalidade poderosa, inteligência nervosa e lúcida, sabia argumentar sempre com brilho e propriedade, armando o raciocínio numa frase aparentemente fria e racional mas de ... precisão impressionantemente concisa ... atributos ... gerados pelo constante policiamento verbal que impunha à sua poesia, pelo estudo contínuo e profundo dos grandes poetas ...

... sua companhia trazia uma grande carga de emulação. Insistia para que se trabalhasse, lia sem cessar e, de vez em quando, interrompia a leitura para mostrar uma descoberta, fosse um poema inteiro, um verso ou uma simples palavra ... tinha um dom especial de leitura das poesias ... (as) lia com naturalidade, respeitando a modulação da linguagem e do verso, fazendo-nos sentir em toda a sua intensidade a intenção do poeta ... e em qualquer lugar, na praia, num bar, começava a se lembrar de Cecília Meireles ou de Camões, trazendo para nossa companhia a presença de sua mais constante preocupação: a poesia.

Se fosse pequena essa dívida para com Mário, ainda poderia acrescentar outra: a orientação que recebi na prosa de meus contos. Não se cansava de aconselhar, riscar e sugerir. ... não poucas vezes me obrigou a retomar o assunto em busca de solução melhor.

Não cabe lamentar a morte de Mário Faustino no sentido usual. Ele próprio detestaria que se o fizesse. Haveria de achar uma frase irônica seguida de algo engraçado para diminuir o efeito negativo ou destruidor que contivesse. Era sempre assim que agia. Ao perceber, de longe, o perigo do piegas e do vulgar atacava um ângulo imprevisto do assunto, ridicularizando a instauração imprópria do sentimentalismo banal. Ou talvez repetisse seus próprios versos para rematar o diálogo:

Não morri de mala sorte

Morri de amor pela Morte"

Harry Laus, catarinense de Tijucas, nasceu em 1922. Foi para Passo Fundo, em 1933, onde ficou até 1941, quando ingressou na Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre. Era irmão de Jayme Laus, sócio fundador da Casa Rádio, e de Alceu Laus, que lá começou como eletrotécnico.

Lendo o livro com os artigos do Harry Laus, sobre artes plásticas, encontrei o texto sobre Mário Faustino que, em 2002, me havia sido "apresentado" por um novo e cyberamigo (Luiz Sérgio Henriques), de Juiz de Fora, por obra e graça de comum interesse sobre outra poetisa: Orides Fontella.

"Apresentado", fui atrás de o "O Homem e Sua Hora". Li e gostei. Até porque numa das suas poesias, "Noturno", senti a presença de outro poeta que me é caro: Augusto dos Anjos.

Cá estou, em Itapema, entre a praia e os morros - verdes e azuis, ou esmeraldas - entre díspares figuras, vivas e mortas (materialmente!), tendo Passo Fundo como ligação.

Ninguém esquece Passo Fundo: todos voltaremos para lá, mesmo que em lembranças e certezas. Ou arrependimentos. Há a história da água da bica. E Passo Fundo fica enredando seus personagens, proporcionando histórias com essas "coincidências" da vida.

Harry Laus, ao falar dos escultores catarinenses, faz referências a Paulo Siqueira. Seria o mesmo? Dois escultores com o mesmo nome, entre o RS e SC, contemporâneos ...

Se os contos do Harry Laus mereceram as críticas do Mário Faustino, suas crônicas sobre as artes plásticas soam legítimas, sublinhando diversos nomes das artes brasileiras e catarinenses, Pena que a maioria dos nomes citados desapareceu como artista. Permaneceram os "medalhões". Ingrata a arte. Mais ingrato o mercado das artes.

Sobre Mário, vale a leitura da sua vida (meteórica), do seu trabalho como incentivador das letras e do escritor que, desde o começo, soube muito bem quais eram, seriam e acabaram sendo as "suas horas". Mesmo a última, (im)prevista nos motivos dos seus trabalhos e na ânsia com que procurou deixar suas coisas prontas e acabadas.

Porque no final do "Noturno" temos:

"Quanto foste traído! O luar torto

Raiva no campo aberto onde esta noite

Um profeta estremece no seu túmulo."

Referências

  1. Da revista Água da Fonte nº 3
  2. (Pedro Ou Bois é Membro da Academia Itapemense de Letras.)