Uma Terra à Procura do Céu

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Uma Terra à Procura do Céu

Em 05/12/2010, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


Uma Terra à Procura do Céu


Paulo Monteiro[1]


Graças a meu confrade Gilberto R. Cunha, depois de uns 30 anos, reencontro-me com Uma Terra à Procura do Céu (Instituto Social Pe. Berthier, 1966, 319 páginas, Passo Fundo). Lembro-me que em princípios dos anos 1970 andei lendo alguns trechos do romance de Gilberto Borges. O jovem romancista, cedo abandonaria a ficção, formando-se engenheiro agrônomo, e optando pelo prosaísmo da vida prática, que o levaria, alguns anos depois, à imprensa agrícola, através do jornal Plantio Direto, transformado na revista que ainda mantém o mesmo nome.

Devo, a bem da verdade, reconhecer que o exemplar tido em mãos há cerca de três décadas pertencia ou a Ubiratan Porto, poeta, hoje residindo em Capão da Canoa, ou a um outro companheiro do Grupo Literário “Nova Geração”, que movimentou os meios culturais de Passo Fundo entre 1970 e 1980. Pouco me lembrava da trama, tendo como personagem central o fazendeiro Francisco Costa, tornado esquipático pela orfandade temporã. Nascido pelas alturas do Mato Castelhano ao redor de 1887 sua história se passa entre 1917 e aproximadamente 1945.

Gilberto Borges nos apresenta algumas passagens históricas como o “cerco de Passo Fundo” pelos assisistas, em janeiro de 1923, e o ataque, em Giareta, à composição ferroviária que transportava o general chimango Firmininho de Paula para retomar Erechim ocupada pelo general libertador Felipe Portinho. O romancista descreve a mistura entre revolução e banditismo, com grupos de facínoras aproveitando o conflito para saquearem propriedades e cometerem todo tipo de violências contra pessoas.

Francisco, já casado com a argentina Maria Cortez, participa da Revolução de 1923 mais como forma de libertação, espécie de esconjuro de seus demônios interiores, motivo que o levaria a tomar parte na Revolução de 30, agindo heroicamente em Itararé. Retorna para encontrar Maria com a saúde abalada.Engravida pela terceira vez e morre no parto. O filho, Chico, tem o nome e praticamente as mesmas características esquisitas do pai, tanto que os irmãos mais velhos, Libório e Roberto, são enviados para estudar em Porto Alegre, enquanto ele permanece na fazenda.

Já quarentão e viúvo há vários anos, o fazendeiro encontra o amor na professora Sandra, enfrentando a oposição de Chico, que costuma vagar pelos campos e matos, sendo, várias vezes, definido como “bicho”. Apegado à memória materna, apresenta um violento complexo de Édipo, que o leva a investigar a vida da mãe, descobrindo que não era feliz com o pai e que tivera relacionamento íntimo, antes do casamento, com o femeeiro Olívio, filho do bodegueiro José Ramos. Esses achamentos desmitificam a rainha Jocasta, abrindo caminho para que o “mito” se materialize através do casamento de Chico com a jovem vizinha Maria Souza, com a qual some, no mundo e da história.

O desaparecimento de Chico/Édipo com Maria/Jocasta, deixa o caminho livre para Francisco/Laio encontrar felicidade com a professora Suzana, espécie de Sofia.    

O próprio velho maltrapilho e barbudo (p. 264) que Chico encontra num mato e lhe profetiza a descoberta, não antes dos dezoito anos, de um tesouro enterrado, personifica Políbio, outra figura edipiana. De fato, na data em que atinge aquela idade, mesmo dia em que sua mãe falecera, enquanto Francisco festeja as segundas núpcias, ele encontra a fortuna prometida, que o permite libertar-se dos seus complexos ao sumir-se com a sua Jocasta.

Obra de um escritor bastante jovem, mesmo não ficando presa aos estreitos limites folhetinescos e regionalistas, Uma Terra à Procura do Céu, necessariamente, pagaria tributos à idade do Autor. Embora um certo fatalismo naturalista, pois as tragédias acontecem na Primavera e o renascimento no Inverno, estação em que termina o romance, e que também se manifesta no sentido edipiano do entre-texto, Gilberto Borges entrou para a história da literatura passo-fundense como a melhor promessa de ficcionista que tivemos. Pena, que tenha ficado apenas na promessa e que a raridade de seu livro permita somente a alguns privilegiados, entre os quais agora me incluo, o prazer de degustar essas páginas escritas há quase quatro décadas.

Gilberto Borges não está mais entre nós. Queira Deus que ele tenha alcançado o paraíso que nossa terra continua a procurar, pois o seu talento literário não encontrou o céu merecido.

Referências

  1. (*) Paulo Monteiro é membro titular da cadeira 32 da Academia Passo-Fundense de Letras que tem como patrono o poeta e jornalista Gomercindo dos Reis.