Um bom começo para um fúnebre cortejo

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Um bom começo para um fúnebre cortejo

Em 15/11/2011, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


Um bom começo para um fúnebre cortejo[1]


Paulo Monteiro[2]


Quando, entre fins do século XIX e princípios do seguinte, Sílvio Romero e José Veríssimo fixaram o cânone da Literatura Brasileira, ignoraram a presença do fantástico em nossos escritores. Os demais historiadores e críticos posteriores seguiram, via de regra, os caminhos já palmilhados. É a lei do menor esforço.

Mesmo entre os primeiros poetas brasileiros encontramos a presença do fantástico. O Uraguai, de Basílio de Magalhães, está prenhe do fantástico. Este, ao contrário do que afirmam estudiosos do subgênero, não é recente, pois podemos encontrá-lo ao longo de toda a Literatura Universal, desde as primeiras manifestações orientais, passando por gregos e romanos, cruzando a Idade Média até chegarmos a séculos recentes. À Comédia, de Dante, agregou-se, com o passar do tempo, um primeiro nome de divina, Divina Comédia.  

O ultra-romantismo, com a marcada presença da morte, como vemos na obra de Álvares de Azevedo que com o livro de contos Noite na Taverna (1855) influenciaria autores mais jovens, a começar por Machado de Assis, autor de vários contos fantásticos. Contemporâneo do poeta paulista, o mineiro Bernardo Guimarães legou-nos diversos poemas bestialógicos, onde o sobrenatural é explorado até as raias do absurdo.

Contrariando, os formadores do cânone literário brasileiro e seus continuadores, estudos recentes demonstram que a presença do fantástico na Literatura Brasileira é mais profunda do que se possa imaginar. Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis, considerado uma obra prima do romance brasileiro insere-se no tipo de literatura de que estou falando, desde o simples fato de que a escreveu um “defunto autor”.

Fiquemos por aqui, pois o assunto é longo para a apresentação de um livro.

“A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido”. Assim, Haward Phillps Lovecraft, um dos mestres da literatura de terror, em sua fase mais recente, abre seu livro O Horror Sobrenatural na Literatura.

Os escritores fantásticos, como é o caso do “bruxo do Cosme Velho”, antes do surgimento da Psicanálise, se diziam “psicólogos”. Darlan de Oliveira Gusmão Lula, um dos estudiosos recentes da literatura Fantástica, em Machado de Assis e o Gênero Fantástico: um estudo de narrativas machadianas, tese de mestrado apresentada à Universidade Federal de Juiz de Fora, em 2005, reconhece a existência de duas realidades marcantes entre os praticantes do subgênero, que podemos definir como uma antes e outra depois da Psicanálise. Se antes, escreve ele às páginas 23 e 24 de sua dissertação, as narrativas “partiam de uma situação perfeitamente natural (...) a narrativa fantástica moderna parte do acontecimento sobrenatural para dar-lhe, no curso da narrativa, uma aparência cada vez mais natural; e o final da história é o momento mais distante possível do sobrenatural”.

Leonardo Nunes Nunes, em Fúnebre Cortejo & outras histórias, seu livro de estréia, revela-se, apesar de sua juventude, um escritor maduro no subgênero que escolheu.

Abro um parêntesis para esclarecer que subgênero não quer dizer gênero menor. É apenas uma forma de definir ramos daquilo que poderíamos definir como Literatura Fantástica, na qual, ainda que apenas para fins eminentemente didáticos, cabem, como subgêneros as histórias policiais, a ficção científica e as histórias de terror propriamente ditas. É claro que críticos mais conservadores poderão considerar esses tipos de ficção como subliteratura ou, o que é mais comum entre nós, brasileiros, ignorá-los.

Leonardo Nunes Nunes não está preocupado com o “antes” e o “depois” da Psicanálise, para ater-me ao critério demarcatório estabelecido por Darlan de Oliveira Gusmão Lula. A única preocupação do autor de Fúnebre Cortejo & outras histórias é contar histórias. E essa deve ser a única preocupação dos verdadeiros ficcionistas.

Quem diz “ficção” diz mentira. Essa é a verdadeira função do ficcionista: mentir. E convencer que sua “mentira” é verdade. O convencimento de que está contando uma verdade é que faz a diferença entre um verdadeiro romancista, novelista ou contista e um borra-tintas. E isso apenas se conquista com a leitura dos mestres e a escrita intermitente.

Leonardo Nunes Nunes começa escrevendo por onde muitos terminaram. E isso é muito auspicioso.

Referências

  1. Publicado Jornal Rotta de 10 de janeiro de 2012
  2. Paulo Monteiro, poeta, historiador e crítico literário, pertence a diversas entidades culturais do Brasil e do exterior, e é autor de livros e centenas de artigos e ensaios sobre os temas a que se dedica.