O homem que articulou a emancipação de Passo Fundo

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O homem que articulou a emancipação de Passo Fundo

Em 15/09/2010, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


O homem que articulou a emancipação de Passo Fundo


Os estudos sobre a história de Passo Fundo avançam rapidamente. A aproximação entre estudiosos passo-fundenses e paulistas, mormente sorocabanos, contribuirá ainda mais para esses progressos.

Encontramos exemplo disso nos estudos recentemente realizados pelo passo-fundense Gilberto Gomide e o sorocabano Antonio Fiorotto Filho. Essa parceria resultou em dois trabalhos recentemente publicados em Sorocaba por Antonio Fiorotto Filho: Livro da Família Mascarenhas e Cronologia e Genealogia de Antonio de Mascarenhas Camello Júnior.

Joaquim Fagundes dos Reis ainda é uma figura obscura em termos históricos, tanto que até a imagem que apresentada como o “seu retrato” é de autenticidade altamente duvidosa. O que sobre ele se sabe, ao certo, deve-se aos pioneiros estudos de Francisco Antonino Xavier e Oliveira e da paranaense Roselys Vellozo Roderjan.

Fagundes dos Reis nasceu em Curitiba, no dia 17 de agosto de 1783, onde foi batizado a 21 do mesmo ano. Em 1828 já residia em Cruz Alta, de cujo município o arranchamento de Passo Fundo fazia parte. Pouco tempo depois aqui se estabeleceu como a primeira autoridade legalmente constituída e aqui faleceu no dia 23 de junho de 1863.

Político militante, Joaquim Fagundes dos Reis viu no rápido desenvolvimento de Passo motivo para almejar sua emancipação. Tanto assim, que logo depois de encerrada a Revolução Farroupilha (1835/1845) já pensava nisso. É possível que sua participação naquele movimento armado ao lado das forças revolucionárias dificultasse a realização desse desejo.

Em 1855 Passo Fundo já era mais desenvolvida do que a sede Cruz Alta, segundo testemunho de Francisco Antônio Rosa, recolhido por Hemetério José Velloso da Silveira, em seu clássico As Missões Orientais e seus Antigos Domínios, cuja primeira edição é de 1909. E acrescenta, textualmente, à página 292, da segunda edição:

“Já ali havia chegado e fixado residência o capitão Antônio de Mascarenhas Camello Júnior, o qual com bastante tino soube insinuar-se no ânimo daquela população e levá-la a melhor caminho.

“Ou devido ao seu prestígio ou porque os homens mais notáveis de Cruz Alta reconhecessem a impossibilidade de uma boa administração num município tão vasto, como tinham-no, desde logo foi aventada a idéia da separação de Passo Fundo para conjuntamente com Soledade constituir um município distinto.

“O Coronel Antônio de Mello e Albuquerque, então deputado à Assembléia Provincial, de acordo com seu ilustrado antagonista Doutor Antônio Gomes Pinheiro Machado, propôs naquela Assembléia a criação do novo município, que passou e foi sancionada por lei nº. 340 de 28 de janeiro de 1857, sendo empossada a respectiva Câmara em 7 de agosto desse mesmo ano.”


No ano passado, através da série de programas Onda Cultural Planalto chamei atenção para a informação do muito bem informado Hemetério José Velloso da Silveira (o pleonasmo é intencional), lembrando que Antonio de Mascarenhas Camello Júnior foi o único dos integrantes da Guarda Nacional passo-fundense, que participaram da guerra contra o Paraguai, que chegou ao posto de general do Exército Brasileiro.

O fato de que Antonio de Mascarenhas Camello Júnior tenha chegado ao posto máximo alcançado por um expedicionário passo-fundense que participou da luta contra o Paraguai destaca a importância e a influência do sorocabano. Foi o único general numa terra aonde quem chegou mais longe parou no posto de coronel. Esse fato pode corroborar com a importância que lhe confere Hemetério José Velloso da Silveira no processo – acordo, para ser mais claro – emancipatório de Passo Fundo.

Como veremos, mais adiante, Mascarenhas Camello Júnior era o habitante de Passo Fundo mais indicado para conseguir a emancipação.

Antonio de Mascarenhas Camello Júnior nasceu em Sorocaba no dia 4 de fevereiro de 1820, filho de Antonio de Mascarenhas Camello e sua esposa Delphina Maurícia de Sá Mascarenhas.

Foi batizado na Igreja Matriz, hoje Catedral Metropolitana de Sorocaba. Seguindo uma tradição da época foi pai solteiro, assumindo os filhos, ao contrário do que acontece nos dias de hoje. Aos 24 anos registrou a filha Porfiria Adelaide Mascarenhas, de mãe incógnita, que casou em Passo Fundo, no dia 14 de fevereiro de 1865, com o alferes Joaquim Gonçalves Gomide. Ainda solteiro, em 1851, também em Sorocaba, teve com Nardina Maria Xavier outra filha, que ele reconheceria e batizaria com o nome de Maria Nardina Xavier.

Aos 27 anos, em 1º de maio de 1847 foi feita a matrícula de Antonio de Mascarenhas Camello Júnior na Loja Constância do Rito Escossez, regularizada em 25 de março de 5848, pertencente à Ordem de Sorocaba, da Província de São Paulo. Sua iniciação maçônica ocorreu no dia 7 de maio daquele mesmo ano, recebendo o grau de companheiro e, cinco dias depois o de mestre. Após rápida carreira maçônica, em 28 de outubro de 1848, era elevado ao grau 18, o que lhe conferia poderes especiais dentro da irmandade, conforme os regulamentos da época.

Em 27 de setembro de 1853 casou-se, na Vila de Tatuí, em São Paulo, com sua prima Anna Mascarenhas Martins, transferindo-se logo depois para Passo Fundo, estabelecendo-se com casa comercial em sociedade com seu tio Frederico de Mascarenhas Camello. No ano seguinte aparece na história documentada de Passo Fundo num processo judicial envolvendo uma questão provocada por incidente ocorrido numa carreira entre os cavalos Rosilho, de Antonio Macedo, e Malacara, de Joaquim Borges Vieira. O fato correu na “raia do toco”, uma cancha de carreiras que saía aproximadamente de onde se encontra a Rua Capitão Eleutério, entre a Moron e a Avenida Brasil para as bandas do Passo. Foi nosso primeiro “estádio”, visto que as corridas de cavalos eram o futebol daqueles tempos, para ser mais claro.

Em 28 de julho de 1855 nasceu, em Passo Fundo, sua primeira filha legítima Anna Francisca de Mascarenhas, que se casaria com o primo Frederico Guanabara de Toledo, deixando grande descendência.

No ano em que nasceu sua primeira filha passo-fundense, já inserido na vida comunitária, envolve-se no movimento emancipacionista. Essa idéia, segundo historiadores locais, era há tempos preconizada por Joaquim Fagundes dos Reis. Com mais de setenta anos, e doente, o velho paranaense, encontrou no jovem sorocabano, o discípulo capaz de realizar seu sonho.

Joaquim Fagundes dos Reis tinha sido iniciado na maçonaria há décadas. Preso por sua participação na Revolução Farroupilha e encarcerado no Rio de Janeiro sua libertação foi obtida segundo os mesmos métodos usados pela confraria para soltar outros consócios, o que é um indício muito forte de que fazia parte da associação.

Os indícios são muito fortes de que ao estourar a Revolução Farroupilha, na noite de 19 para 20 de setembro de 1835, Fagundes dos Reis já fosse maçom. Muitas das principais autoridades da Província haviam aderido ao liberalismo maçônico, e Joaquim Fagundes dos Reis era a mais importante autoridade de Passo Fundo, em constante trabalho para que a povoação ascendesse administrativamente. A expansão da Maçonaria no período é assim descrito por Morivalde Calvet Fagundes, no seu clássico A Maçonaria e as Forças Secretas da Revolução:

“Todos os centros de população da Província tinham as suas Lojas, as suas Oficinas e seus Triângulos, conforme a importância local: Porto Alegre, Rio Pardo, Rio Grande, Jaguarão, Bagé, Piratini, Caçapava, São Borja, Cruz Alta e outros lugares menos populosos”. Chamo a atenção para as últimas palavras do trecho transcrito: “... Cruz Alta e outros lugares menos populosos”.


Preso – e conduzido nessa situação para o Rio de Janeiro – foi libertado ao custo da “quantia de 1:219$200 réis, importância de 127 moedas de meias doblas”, de que foi credor, em 15 de outubro de 1841 José Joaquim de Oliveira. Ao que se depreende de um ofício, do Ministro e Secretário de Estado dos negócios da Fazenda – e reconhecidamente maçom – Antônio Vicente da Fontoura, expedido do Alegrete em 18 de outubro de 1842 ou morador de Passo Fundo, o tenente Lara, foi beneficiado com as 127 moedas de meias doblas dos cofres da República Rio-Grandense. Como era costume dos maçons farroupilhas “resgatarem” seus irmãos é possível que um daqueles “lugares menos populosos” de que fala o fundador da Academia Maçônica de Letras fosse, de fato, Passo Fundo.

Não é à-toa que entre os livros deixados por Joaquim Fagundes dos Reis constasse um exemplar do “Manual do Pedreiro Livre”...

E tem mais. Quando Antônio Vicente da Fontoura ordenava o pagamento a José Joaquim de Oliveira este já havia solicitado anistia aos imperiais, o que é, no mínimo, curioso, em plena Revolução, ordenar o pagamento de dívida a alguém que já havia passado para o lado dos adversários. Ou seria uma forma dos farroupilhas infiltrarem agentes nas forças imperiais?

Era natural que Antonio de Mascarenhas Camello Júnior, que, ainda bastante jovem, já se envolvera na revolução liberal liderada pelo brigadeiro sorocabano Rafael Tobias de Aguiar, começasse a agir politicamente em Passo Fundo, seguindo conselhos de um irmão mais velho e conhecedor do local. Usando a influência que lhe conferiam sua graduação maçônica e antigas ligações familiares procurou influir na emancipação de Passo Fundo. Nesse sentido, a amizade que firmou com o influente coronel Antônio de Mello e Albuquerque (Mello Manso), líder conservador cruz-altense, casado com Maria Lúcia de Oliveira Pillar, filha do tenente-coronel Vidal José do Pillar, fundador de Cruz Alta, em muito contribuiu para acertar a emancipação.

A política partidária brasileira, à época, dividia-se entre o Partido Conservador, em Cruz Alta, liderado por Mello Manso, e o Partido Liberal, sob o comando do advogado sorocabano Antonio Gomes Pinheiro Machado, companheiro de Mascarenhas na fracassada Revolução Liberal de 1842.

Assim, dois sorocabanos, Antônio de Mascarenhas Camello Júnior e Antônio Gomes Pinheiro Machado, participantes da Revolução Liberal de 1842, e o rio-pardense brigadeiro Antonio de Mello e Albuquerque, com profundas ligações com a cidade natal dos dois primeiros, acertaram a emancipação de Passo Fundo. Todos eram ligados a uma loja maçônica de Cruz Alta.

Uma vez emancipado Passo Fundo, em 28 de janeiro de 1857, Antonio de Mascarenhas Camello Júnior, que já era subdelegado, foi eleito vereador, sendo eleito, também, Juiz Municipal – primeiro suplente de Juiz de Paz, em 21 de setembro daquele ano, e o mais votado em 11 de setembro de 1860. Antes, a 1 de dezembro de 1859, foi nomeado delegado da Instrução Pública, e a 13 de outubro de 1860, assumiria, no posto de coronel o comando superior da Guarda Nacional da Comarca.

Como comandante da Guarda nacional, em Passo Fundo, teve participação destacada na guerra contra o Paraguai. Organizou o 5º Corpo e o 8º Esquadrão Avulso, o primeiro com 400 homens e o segundo, com 200 combatentes; organizou, ainda, o 42º Corpo de Cavalaria, com 400 praças, sob o comando do tenente-coronel Ireneo José Topázio, e um Corpo Provisório, com 300 praças, comandadas pelo major Cezário Antonio Lopes, com os quais marchou para a frente de batalha, realizando toda a campanha contra o Paraguai, sob o comando do veterano general José Gomes Portinho. Portanto, pessoalmente, reuniu os 1.300 passo-fundenses que participaram da expulsão dos paraguaios do território brasileiro.

Ao final da guerra, da qual participou ao lado de diversos parentes, como seu tio e sócio, capitão Frederico de Mascarenhas Camello, que morreu em combate, e o primo Gustavo de Mascarenhas Camello, que faleceu acometido de Cólera-Morbus, foi promovido a Coronel Honorário do Exército Imperial, e condecorado com a comenda da Ordem da Rosa e a Medalha da Campanha Geral. Mais tarde, durante a República, foi promovido a general de brigada. De todos os combatentes de Passo Fundo, na guerra contra o Paraguai, foi o único que chegou ao posto de general. Assim, como filho adotivo de Passo Fundo, foi o primeiro passo-fundense e o segundo sorocabano, a alcançar o generalato.

Retornando a Passo Fundo continuou mantendo intensas atividades comerciais e políticas. Ampliou seus negócios comerciais, adquiriu propriedades rurais, desdobrando-se nessas atividades, entre a terra adotiva e a terra natal. Aqui, continuou no comando do Partido Liberal, comando que passaria a Antônio Ferreira Prestes Guimarães, que seria o primeiro passo-fundense a ser proclamado general – general revolucionário – durante a Revolução Federalista.

Embora, ainda desconheçamos onde e que estudos tenha realizado era homem culto. Atuou como advogado – possivelmente rábula, sem formação universitária. Os trabalhos jurídicos, por ele escritos, e que chegaram até nós, revelam um escritor escorreito, transmitindo a clara impressão de um leitor atento dos escritores clássicos.

As atividades comerciais e políticas de Antonio de Mascarenhas Camello Júnior, em Passo Fundo perduraram até 1881. No ano seguinte ele se transferiu definitivamente para Campo Largo de Sorocaba, onde possuía uma fazenda. Ali continuou suas atividades políticas e comunitárias, seja como sócio efetivo da primeira corporação musical de Araçoiaba da Serra, em 1990, seja como presidente do Conselho Municipal da Intendência Municipal de Sorocaba, eleito em 1 de junho de 1891, seja como integrante da Comissão Central do PRO, em 1895.

Em 5 de agosto de 1898, vítima de “insulso apoplético”, aos 78 anos de idade, Antonio de Mascarenhas Camello Júnior, o homem que realizou o sonho de Joaquim Fagundes dos Reis, emancipando Passo Fundo, através de um acordo firmado com Antonio de Mello e Albuquerque (Mello Manso) e Antonio Gomes Pinheiro Machado, faleceu em sua fazenda no Distrito de Campo Largo de Sorocaba. No dia seguinte recebeu sepultura ao lado de seu pai, no Cemitério Municipal da Saudade.

Antonio de Mascarenhas Camello Júnior participou da Revolução Liberal de 1842 e a exemplo de tantos outros seus companheiros de movimento revolucionário migrou para o Rio Grande do Sul. Fixou residência em Passo Fundo durante três décadas, deixando vasta descendência. Silenciosamente articulou a criação do Município de Passo Fundo e em silêncio daqui se retirou para repousar na terra natal. Foi um homem do seu tempo, fiel ao que Morivalde Calvet Fagundes definiu como “forças secretas da revolução”, revolução que manteve o Brasil unido desde a Independência aos dias de hoje.

Por que Joaquim Fagundes dos Reis ficou conhecido como “patriarca” e emancipador de Passo Fundo? Porque o processo emancipatório foi acertado através de conciliábulos das “forças secretas” de que tratamos acima. Além disso, ficou a memória do homem que, durante um quarto de século, comandou a política da nascente povoação. Ao desvendarmos, cento e cinqüenta e um anos depois, a contribuição de Mascarenhas, Mello Manso e Pinheiro Machado, apenas estamos recolocando a história em seus devidos lugares. Até porque a tendência natural era que a memória coletiva conservasse a lembrança de um homem que pregou, publicamente, durante duas décadas e meia, de Passo Fundo dos três “agentes secretos” concretizaram o sonho de Fagundes dos Reis.