À margem das MEMÓRIAS DE JOSÉ GARIBALDI

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À margem das MEMÓRIAS DE JOSÉ GARIBALDI

Em 1927, por Francisco Antonino Xavier e Oliveira


A’ margem das “MEMORIAS” DE JOSÉ GARIBALDI[1]



Verdadeiramente tragica essa difficilima retirada que, em Novembro de 1840, a columna farrapa do va­loroso David Canabarro, composta de 1800 homens, realizou de Viamão, pela serra dos Antas, afim de, sahindo na Vaccaria e ganhando, em seguida, os campos de Missões, poder alcançar a fronteira me­ridional da então Provincia.

Sob chuvas torrenciaes, através montanhosa e extensa floresta, tri­lhada por estreito caminho, que era necessario ir abrindo para a passa­gem da artilharia e pesado trans­porte, a brava gente farroupilha avançava Iuctando ainda com a fo­me, tão terrível que, devido a ella, pereceram numerosos soldados, mu­lheres e crianças![2]

Dessa columna fazia parte o gran­de batalhador italiano José Garibaldi, para quem a Liberdade não tinha fronteiras no orbe. Houvera posto a espada gloriosa ao serviço da mallograda Republica Rio Grandense, e, assim, participava dos dissabores da epopéa, ligando o nomee a gloria ás tradições heroicas da terra gaú­cha.

Acampanhava-o no transe a es­posa devotada—Annita, personifi­cação brilhante do valor da mulher brasileira, e bem assim um filhinho em tenra idade—Menotti, a quem ambos consagravam o maior des­velo, para que não succumbisse na provação, a que fôra lançado pelo fervor idealista que estuáva na al­a paterna.

Transpondo rios cheios, ou de­frontando os mais graves perigos, o paladino italiano trazia essa creança suspensa ao seu pescoço, por um lenço, para que recebesse o calor seu, e mais resguardada estivesse das vicissitudes da triste jornada.

Afinal, depois de 9 dias de atroz soffrimento, saiu a columna ao cam­po da Vaccaria, onde se lhe reuniu, com sua força, o grande Bento Gon­çalves, que, com 500 homens, ti­nha ficado atraz cobrindo-lhe a re­tirada.

Narra Garibaldi que o General Labatut (legalista), favorecido pelas difficuldades acima expostas e ou­tras, que haviam embaraçado a mar­cha de Canabarro, tivera tempo de fazer a sua retirada, mas não diz para onde; apenas esclarece que aquelle General contrario, tendo de atravessar dois mattos, ahi encon­trou alguns desses selvagens que, commumente eram chamados - bugres, os quaes, sabendo da sua pas­sagem, armaram-lhe tres ou quatro emboscadas, fazendo-lhes grande mal, ao passo que a elles republi­canos nada fizeram, ainda que no caminho houvesse muitos dos alça­pões que costumavam collocar na passagem dos seus inimigos, alça­pões esses que, ao em vez de esta­rem disfarçados com ramos, con­forme era de costume, se achavam descobertos.

Por estes esclarecimentos se vê que o General legalista citado fez a sua retirada por aqui, facto que, aliás, ficou registrado em nossos Annaes do Município de Passo Fundo.

Mais adiante, em suas «Memo­rias», diz Garibaldi:

«Tendo passado os mattos, atra­vessamos a povoação das Missões, dirigindo-nos para Cruz Alta».

Esta referencia comprova que o itinerario da columna farroupilha de que fazia parte o grande batalhador alludido, de facto aqui estiveranessa retirada que se transformou em per­seguição do adversário.

Para melhor comprovação deste asserto, que igualmente figura nos citados Annaes, vamos enumerar os argumentos que seguem :

1.° Entre os campos da Vaccaria e Cruz Alta não havia, ao tempo, outra povoação a não ser a que deu origem á nossa actual cidade.

2.° A povoação de Passo Fundo estava na unica estrada que então havia entre os mencionados campos da Vaccaria e Cruz Alta.

3.° Nesta cidade existiu pessoa contemporanea do facto, que nos relatou que, nella, onde já então morava, tinham feito juncção Canabarro e Bento Gonçalves, da­qui seguindo para Cruz Alta ; sen­do que o primeiro viera acossando a Labatut, que daqui tomara para Botucarahy: informação esta que, confrontada com outras fontes, foi consignada nos mesmos Annaes do Municipio de Passo fundo.[3]

Quanto á omissão do nome da povoação de Passo Fundo nas «Me­morias» que estamos examinando, poderá ser explicavel pelo facto de o não ter presente Garibaldi quan­do as redigiu, o que não póde cau­sar extranheza em se tratando de um homem, como elle, que tão vas­to e accidentado percurso tinha fei­to em suas luctas pela Liberdade.

Accresce que — e isto vem fazer muita luz ao caso,—que, ao tempo da passagem de Garibaldi por aqui, a nossa povoação era chamada Pas­so Fundo de Missões, nome pela qual já a vimos citada em documen­tos publicos da epocha.[4]

A razão desse complemento—de Missões, hoje desapparecido, não teria outra causa senão esta:

Havia além do Matto Portuguez, nas proximidades da actual villa de Lagôa Vermelha, um arroio igual­mente chamado Passo Fundo, nome que até hoje conserva.

Logares proximos entre si, claro é que a egualdade de nomes assim apontada geraria confusões, e dahi a necessidade de os distinguir, dan­do o referido nome de Passo Fundo de Missões a este.

E’ pois facto inconcusso que, com os immortaes batalhadores far­roupilhas Bento Gonçalves e Cana- barro, por aqui passaram, na histó­rica jornada alludida, o grande heróe italiano José Garibaldi, sua va­lorosa esposa—Annita e o fiihinho de ambos—Menotti Garibaldi.

Passo Fundo 27—10 — 23 - Terra dos Pinheirais

Referências

  1. OLIVEIRA, Francisco A X. (1927). Terra dos Pinheirais -Passo Fundo: Livraria Nacional. 62 páginas Transcrito 3,6 Mb
  2. Historia do Rio Grande do Sul, de João Maia
  3. Adriano José Mathias, fallecido ha annos
  4. Talvez pelo livro de notas do carto­rio de paz do districto de Passo Fundo, no Archivo Publico do Esta­do, se possa verificar isto.