Orfelina Vieira Melo (1939-2005): Uma mulher, várias faces

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Orfelina Vieira Melo (1939-2005): Uma mulher, várias faces

Em 30/04/2006, por Licemar Vieira Melo


LICEMAR VIEIRA MELO[1]

           Quem teve o privilégio de conviver com Orfelina Vieira Melo (1939 / 2005) sabe que é difícil defini-la. Ela foi a menina de infância pobre, a estudante aplicada, a professora apaixonada pelo ofício, a escritora, a viajante entusiasta, a tradicionalista, a religiosa, a voluntária, a amiga, a mãe dedicada e guerreira. Uma mulher única, sim, mas de várias e interessantes faces.

           A Infância

           A infância foi simples, pobre, com dificuldades. Orfelina Vieira Melo nasceu em agosto de 1939, em São João, interior de Passo Fundo. Era a mais nova entre os cinco irmãos da família Mattos Vieira (Arthur, Oswaldo, Antônio Carlos e Carmelinda). Uma menina que, desde cedo, optou por escrever a própria história a olhar a vida passar.

           A estudante

           A distância da cidade nunca foi impedimento capaz de acabar com o desejo que tinha de estudar, pois, como ela mesma dizia: "sempre há o que aprender". Sem recurso disponível, para uma menina pobre, mas com bastante vontade, percorria, a pé, diariamente, a longa distância entre a casa, no interior, e o Colégio Notre Dame, onde cursou o Normal e fez amizades sólidas com as colegas e as irmãs religiosas.

           Depois, fez Pedagogia, na Universidade de Passo Fundo, para ser professora de muitos. Estudar era sua sina, motivo de muito entusiasmo.

           Especializou-se em Tradição e Folclore, em Gerontologia Social e, depois de aposentada, resolveu fazer outro curso superior: Teologia, no Itepa-Instituto de Teologia e Pastoral de Passo Fundo, aos quase 60 anos.

           A professora

           O Magistério foi a vocação que Orfelina exerceu com orgulho e maestria. O começo profissional foi em Carazinho, no Colégio Nossa Senhora da Glória, onde ela ia de trem para exercer seu ofício. Depois trabalhou em várias escolas de Passo Fundo, na Faculdade de Educação da UPF, e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Palmas, no Paraná, onde assumiu a direção. Encerrou sua carreira como professora estadual, mas o ânimo que tinha de ensinar a acompanhou, mesmo depois de aposentada.

           A tradicionalista

           Tradição vem de berço, já diz o velho ditado. Na vida de Orfelina foi assim. Filha de tradicionalistas (Nestor e Anna Cristina de Mattos Vieira), só poderia mesmo ser amante da cultura gaúcha, que tanto defendeu. Desde jovem, fez parte de invernadas de dança, foi Primeira Prenda do CTG Getúlio Vargas e defendeu amplamente a bandeira do tradicionalismo. Foi Conselheira do Movimento Tradicionalista Gaúcho e, no início dos anos 80,implantou o projeto Tradição e Folclore nas escolas do município. Por mais de 10 anos publicou, semanalmente, a coluna "Cultuando a Tradição" no Jornal O Nacional, de Passo Fundo, sob o pseudônimo de Vieira. Nos anos 90,integrou o Grupo Chama- mento do Pampa, promotor de festivais nativistas em Passo Fundo.

           A religiosa

           A vocação religiosa sempre esteve presente, isso, desde os tempos da juventude, quando participou do Jec- Juventude Estudantil Católica. Depois foram os movimentos leigos da Igreja, como o Cursilho de Cristandade, e, mais recentemente, era Ministra da Eucaristia, na Paróquia Nossa Senhora de Fátima. Também atuou na Pastoral da Saúde do Hospital São Vicente de Paulo, servindo como um sacrário, para levar o Deus Vivo ao encontro dos cristãos. Ela também coordenou o núcleo de Passo Fundo do Conic-Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, em que a bandeira defendida era a união das igrejas cristãs.

           A escritora

           O seu dom de escritora a Academia Passo-Fundense de Letras bem conheceu. Os três primeiros livros que lançou: "A Espiritualidade na Terceira e Melhor Idade" (1992), "O Idoso Cidadão" (1993), e "Aposentadoria: Prêmio ou Castigo?" (1995), foram dedicados aos idosos, como forma de reivindicar mais respeito com aqueles que, depois de uma vida inteira de trabalho, merecem valorização. Já seu último livro, "Resgate da Música Gaúcha em Passo Fundo"(1998) foi uma pesquisa histórica, jamais antes feita por aqui. E ela fez com um único interesse: fazer o registro das informações que colheu, pois, conforme dizia "o que não se registra, se perde...".

           Os serviços comunitários

           O envolvimento com a comunidade, em trabalhos voluntários, foi marca registrada na vida da Orfelina. Ela participou da Casa Lar, entidade que acolhia mães solteiras. Também contribuiu no Giep - Grupo Integrado de Estratégias de Prevenção ao Uso de Drogas. Também participou, com testemunho de vida, em 2003, do Encontro Gaúcho de Portadores de Insuficiência Renal, que aconteceu em Caxias do Sul. Há dois anos colaborava com a Fazenda da Esperança, onde toda semana, mesmo com a saúde fragilizada, fazia questão de levar uma palavra de apoio, suas orações, seu incentivo para aquelas que ela considerava as suas meninas, vibrando com o trabalho e as conquistas pessoais de cada uma delas.

         

           A passo-fundense orgulhosa

           Orfelina tinha orgulho de ser passo-fundense. Sabia da história do município e fazia questão de preservá-la, e uma das formas era participando, através da coordenação, do Grupo Pró-Memória de Passo Fundo. Nesse sentido, reunia, periodicamente, pessoas que testemunharam importantes momentos históricos do município, para registrar suas memórias. Quando se aproximava o mês de agosto, em virtude das comemorações da Semana do Município, ela fazia questão de se envolver na produção do Jornal Passo Fundo Conta sua História. E, atualmente, já se programava para ajudar a planejar as grandes comemorações que devem marcar o sesquicentenário de emancipação do município, em 2007.

           Idosos

           O envolvimento com os idosos a motivava. Há 15 anos ela ajudou a criar o Creati, onde gostava de participar da Oficina Literária, de Dança, de Artesanato ede Ginástica. Também integrou o Conselho Municipal do Idoso, para fazer valer os direitos dessa população.

           A mãe

           Orfelina teve cinco filhas: Analice (36, professora), Mariluci (35, professora), Licemar (33, jornalista), Marlise (32, administradora) e Marisol (30, professora). Foi mãe dedicada, conseguindo conciliar o lar, o trabalho e todas as atividades com as quais se envolvia. Apesar de sempre muito ocupada, ela encontrava tempo para brincar com suas crianças. De pequenos objetos, que fizessem barulho, ela inventava brincadeiras lúdicas que cativavam suas filhas edivertia com as cantigas de roda. Era daquelas mães que até a falta de luz era motivo para brincadeira, pois era a oportunidade de dar formas e gestos a sombras na parede, motivo para inventar histórias. Nas suas filhas despertou o desejo de viajar, foi com elas, ainda crianças, para o Mato Grosso, uma aventura de três dias, com direito a atoleiros de areia que, para as viajantes, virou uma diversão. Era sempre de carro, ela motorista, que, com ousadia, ultrapassava as fronteiras, apreciava as paisagens, sem se apegar a horários e roteiros fixos. Foi assim que conseguiu mostrar às filhas as Sete Quedas do Iguaçu (antes da criação de Itaipu), Brasília, o Uruguai e a Argentina. Sempre de carro lotado, com as suas meninas, criava o ambiente propício de aventura, diversão e boas risadas. Além do desejo de conhecer lugares, ela, reiteradas vezes, defendeu que a maior herança que se pode deixar aos filhos é o estudo, por isso incentivou as suas meninas a estudarem (todas tem curso superior e pós-graduação).

           A guerreira

           Orfelina lutou, muitas vezes, para viver, carregou a cruz do sofrimento, nas inúmeras sessões de hemodiálise que fez, desde 2001, e nas complicações que viriam ao longo do tratamento, que foram muitas. Silenciosamente suportou, com bravura, as dores insistentes que acometeram o seu corpo frágil. Era só melhorar um pouquinho e lá estava ela na ginástica, no Creati, na Fazenda da Esperança, na igreja, confeccionando suas colchas de retalho ou dando vida a bonecas.

           Um desejo que fica

           Ela tinha um sonho, de construir aqui, em Passo Fundo, a exemplo do que viu em La Piata (Argentina), um Museu de Bonecas Típicas, uma forma de valorizar, de maneira lúdica, as diferentes manifestações folclóricas dos povos. Para isso, contava com o apoio do CIOFF. Em casa ficaram as bonecas que fez para se juntar a outras, que lhe foram doadas, nos Festivais de Folclore ou por pessoas amigas. Esse sonho, que começou a ser concretizado, requer implementações, para que, divulgando as diferentes culturas dos povos, possa atrair muitos visitantes.

           A estrela

           Era uma pessoa simples, desapegada das coisas e apegada às pessoas. Ela não media esforços para ajudar seus parentes, amigos, e até os desconhecidos. E fazia isso de forma gratuita, generosa.

           Orfelina fazia questão de visitar seus conhecidos, saber como estavam, levar um abraço, conversar, incentivar e apoiar em caso de dificuldade, de qualquer ordem que fosse.

           Com todas as suas faces, ela foi mesmo uma estrela, daquelas com brilho próprio, que veio para este mundo iluminar muitas vidas.

           A Orfelina, com certeza, vai continuar iluminando a todos... na companhia de Deus.

Referências

  1. Licemar Vieira Melo é jornalista e filha de Orfelina Vieira Melo