O bisturi e a caneta que saíram do Boqueirão

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O bisturi e a caneta que saíram do Boqueirão

Em 30/11/2013, por Gilberto Rocca da Cunha e Paulo Domingos da Silva Monteiro


Entrevista Osvandré Lech para a APL


“Respeito que exista um grupo de pessoas que aprecie a zona de conforto: uma profissão digna, trabalhar de maneira confortável, talvez não demais, e gozar bastante a vida. Para mim isso não serve, eu sempre busco mais!”

Osvandré Lech, médico e presidente da Academia Passo-Fundense de Letras, nasceu e cresceu no bairro Boqueirão, o mais antigo de Passo Fundo. E faz questão de dizer isso. Sabe bem de onde veio e melhor ainda para onde está indo. Aliás, sempre soube disso.

Desde os tempos primitivos, pelo Boqueirão passaram hordas nativas em suas migrações ou campanhas guerreiras.

Os jesuítas espanhóis e os bandeirantes palmilharam aquela ancestral trilha indígena que deu origem à atual Avenida Brasil. Ali, os lanceiros negros farroupilhas amansaram os potros selvagens para remontar seu exército republicano.

Tropilhas que somaram milhões de muares, rumo às feiras paulistas, cavaram o leito de nossa principal via pública. E foi o Boqueirão, cantado em prosa e em verso, que nos forneceu esse médico de escol, internacionalmente reconhecido em ortopedia, que, como palestrante convidado de congressos médicos, já distribuiu seu conhecimento pelos quatro cantos do globo terrestre.

Aqui, nesta entrevista de várias horas, concedida aos acadêmicos Paulo Monteiro e Gilberto Cunha em sua residência em Passo Fundo, no dia 16 de fevereiro de 2013, o homem frio no manuseio do bisturi, além de exibir rara destreza no manejo da caneta, literalmente, desmoronou. Foi às lágrimas ao lembrar-se do pai, da casa paterna e do bairro Boqueirão. Nesta entrevista, está inteiro. Entre o bisturi e a caneta, eis o homem Osvandré Lech.

Academia Passo-Fundense de Letras – Como foram os seus primeiros anos de vida?

Osvandré Lech - Nasci em Passo Fundo, no Boqueirão, frente à casa do meu avô Osvaldo Culmann Canfield, próximo ao IE (Instituto de Educação). Com 5 anos mudamo-nos para as proximidades do Sport Clube Gaúcho, onde presenciei os tempos áureos do clube, durante minha infância, adolescência e juventude. Ali permaneci até os 26 anos. Hoje resido nas proximidades do Bosque Lucas Araújo. Estudei no Instituto Educacional, no CENAV (Colégio Estadual Nicolau de Araújo Vergueiro) e na Faculdade de Medicina da UPF (Universidade de Passo Fundo), em frente ao Hospital São Vicente de Paulo. Considero-me passo-fundense nativo do Boqueirão. Portanto, se olhar geograficamente, também a localização do IOT (Instituto de Ortopedia e Traumatologia) pertence ao triângulo onde sempre vivi. Considero-me uma prova da excelente educação do município de Passo Fundo. Acredito literalmente nessa educação, sendo eu seu produto genuíno. Hoje estou com 57 anos de idade e afastei-me de Passo Fundo somente para realizar cursos de aperfeiçoamento em Medicina.

APL – E o seu gosto pela literatura, vem da infância?

OL - Guardo um caderno onde, entre 11 e 13 anos de idade, compilava piadas e versos tradicionalistas. Não gostava de telefonar ou falar com as pessoas e sim de escrever cartas, enviando milhares de cartas aos amigos. Hoje utilizo a Internet para enviar o que escrevo. A necessidade de comunicar não falando e sim escrevendo foi marcante na primeira juventude. Meus pais e familiares não foram literatos. Quando pequeno, habituei-me a ler o jornal Correio do Povo. Como brinde, ganhava de meu pai um gibi do Zé Carioca, entre 6 e 10 anos de idade. Essa leitura compulsória que tenho é influência e estímulo de meu pai, pois ele achava uma maneira de premiar com outro elemento cultural. A revista em quadrinhos é, de fato, uma manifestação cultural. Sendo meu pai um viajante de laboratório, viu a possibilidade de eu vencer barreiras sociais através do estudo, buscando um local no mercado de trabalho e exercendo uma profissão. Fiquei em dúvida entre agronomia, por influência de vizinhos, e medicina, por natural influência de meu pai, por ter ele essa interface profissional com hospitais, farmácias e médicos. Decidi-me pela medicina, e nesta, pela ortopedia, mais tarde pela cirurgia do membro superior. A ascensão no mundo institucional, no qual presidi várias associações nacionais e internacionais, tem muito a ver com o espírito gaúcho. O gaúcho tem esse espírito aguerrido de buscar, manifestar suas ideias de forma organizada e democrática, porém firme, e isso sempre foi uma característica da minha trajetória de ascensão nos meios institucionais, especialmente na área médica.

APL – Como interpreta a sua preocupação com o resgate literário da história local, da cultura e da medicina?

OL - O ponto de equilíbrio está em ter a capacidade de fazer, sempre contando com o estímulo da Marilise (esposa), e de nunca estar na zona de repouso. Sinto-me incomodado quando tudo está muito tranquilo, quando tudo está estruturado. Tenho predileção pelo caos, pelo desafio; um bom caos, evidentemente. Quando tratei de buscar algo além da medicina, a cultura apareceu naturalmente. Vi essa possibilidade ao ingressar na Academia Passo-Fundense de Letras. Depois que aí ingressei, vi onde realmente estava. Encontrei pessoas dignas, que lutavam de maneira heroica para estabelecer padrões maiores de cultura, sem condições econômicas ou de estruturação suficientes. Então vi aquele heroísmo, identifiquei-me nas ações da Academia e acabaram acontecendo coisas maravilhosas, que fizeram a diferença na minha vida. Respeito que exista um grupo de pessoas que aprecie a zona de conforto: uma profissão digna, trabalhar de maneira confortável, talvez não demais, e gozar bastante a vida. Para mim isso não serve, eu sempre busco mais!

APL – Um conceito de vida.

OL - Meu conceito de vida é um pouco diferente da maioria das pessoas. Como disse: preciso de desafios na vida para que ela tenha valor.

APL – Nos seus escritos da juventude, que constam nesses manuscritos, existem coisas de “O Amigo da Onça”, rememorando os primeiros cartunistas, contestadores por natureza, que apregoavam o não conformismo. Explique.

OL - Exato. Foi numa Passo Fundo provinciana, dos anos 1960, que acredito ter formado minhas concepções filosóficas e sociais. Tudo o que conseguia ler na época era bem vindo, pois havia limitações de televisão e não havia as facilidades do mundo virtual. A leitura era o que me estimulava. Era uma janela para o mundo. Então, eu lia exaustivamente tanto enciclopédias quanto o jornal diário do Estado que, na época, era o Correio do Povo. Depois é que passou a aparecer a Ultima Hora e, depois ainda, o jornal Zero Hora. Eu lia de forma obsessiva as revistas em quadrinhos, os gibis. Essa época, anos 1960, foi um período em que os intelectuais sequer podiam se manifestar. Somente mais tarde, no final dos anos 1970, ainda de maneira tímida é que a contestação passou a acontecer. Isso coincidiu com o final do meu período de colégio. E havia a presença do Exército em Passo Fundo, vigiando especialmente a classe estudantil. Meu pai, que viajava muito, que conversava com muitas pessoas, que sabia de injustiças e de violências, me fez prometer que eu não me envolveria em movimento estudantil [nesse momento, o entrevistado vai às lágrimas]. Era grande o medo que ele tinha que fossem em sua casa e levassem seu filho, como era rotina nas grandes cidades. Vivi minha juventude exatamente em um mundo de afronta, onde existia estabelecida uma repressão. Onde operários e estudantes não podiam se manifestar, sob pena de serem presos ou perseguidos, coisas desse tipo. Foi o que fiz, devido à excelente relação com meu pai, eu ficar à margem dessas manifestações, sem perder, naturalmente, o espírito crítico que tanto me ajudou depois, na vida como profissional e exercendo posições de mando. Exemplos disso foram os locais por onde passei. Em instituições, como a Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), efetuei profunda modificação e reestruturação. Sem querer fazer nenhum tipo de revisionismo e sempre buscando aquilo que havia de bom até então, sempre tentei usar o melhor de minha energia para aperfeiçoar as instituições às quais pertenço. E acredito que estou tentando fazer o mesmo na APL, onde há tanta coisa ótima realizada ao longo de décadas e que merece o entusiasmo dessa e das novas administrações. As instituições são muito frágeis para permitir que se façam grandes revisionismos.

APL - Toda a sua formação acadêmica foi em Passo Fundo?

OL - Fiz apenas um vestibular para medicina, em 1970, em Passo Fundo, pois minha vontade era estudar aqui, por ser um curso jovem. Parece um contrassenso. Por que não fui a Porto Alegre, onde havia uma faculdade de quase 100 anos? Porque esse era o desafio, o caos de que falei desde o começo. Imaginei que, ficando no município, poderia de fato contribuir, como um aluno inquieto, para melhoria de todo o status do próprio curso. E foi o que aconteceu. Não havia, na época, internos em hospitais e pude auxiliar e aprender a arte médica com gigantes como Sérgio Lângaro, Carlos Madalosso, que hoje é colega na APL e na Academia de Medicina, Alfredo de Vasconcelos e com Alberto Lago, “o ícone”, que representava uma espécie de transição entre o cirurgião geral e o ortopedista. Estes profissionais forjaram minha identidade médica. E, interessante, explicando esse caos, era um desafio ficar em Passo Fundo, pois seria mais cômodo ir a Porto Alegre, onde as coisas já estavam estabelecidas. E o mesmo se repetiu quando decidi pela especialidade médica, pois fui o primeiro residente do IOT. Não havia sequer sistema de ensino no IOT. Fui um autodidata por excelência porque, embora os veteranos trouxessem informações, não havia uma estrutura de ensino. E isso foi o que me atraiu a ficar no IOT. O IOT era um consultório médico formado por três pessoas, um consultório como outros tantos na cidade. E esse consultório estava procurando instituir o ensino e precisava de candidatos para a residência médica. O IOT era formado por Paulo Berthol, José Golvea e José Saggin. Essas pessoas queriam ajudar no ensino médico que se estabelecia então no Hospital São Vicente de Paulo, pois não havia residentes na época. Então, aceitei o desafio. Veja, de novo, como é coerente com a minha história do caos: um desafio em ser o primeiro residente. E, para obter o título de especialista, fui muito bem classificado em prova que foi realizada em Ribeirão Preto, em 1982. Meu próximo passo foi sair de Passo Fundo e buscar uma especialização, que consegui através da Fundação Rotária, uma das esquinas de minha vida, que proporcionou bolsa de estudos nos Estados Unidos por um ano. Como me destaquei nos Estados Unidos, fui convidado pelo hospital americano a ficar mais um ano, recebendo um pequeno salário. Foram dois anos aprendendo sobre cirurgia da mão. E, na sequência, mais um ano na Universidade de Columbia, aprendendo cirurgia de ombro. Sem saber como seria o futuro, fiquei três anos estudando o membro superior em duas instituições de primeiríssima qualidade nos Estados Unidos, com os Drs. Harold Kleinert e Charles Neer. Essas duas pessoas foram importantes na minha vida, pois transformaram completamente meu futuro, abrindo portas inimagináveis.

APL - E a ligação com a literatura?

OL – A minha literatura sempre foi, de certa forma, tímida. Tenho um grande respeito pela literatura local, pelos diferentes universos. Nossos autores locais são muito capazes. Mesmo não tendo igual oportunidade de contar com a abrangência de editoras dos grandes centros para a distribuição, seus livros são de boa qualidade. Aprendi muito com o que li dos autores locais. Tive influência da leitura de Passo Fundo, como as pesquisas históricas de Francisco Antonino Xavier e Oliveira. Sempre gostei muito dos poemas de Gomercindo dos Reis. Li essencialmente tudo o que foi produzido pelos acadêmicos da APL ao longo das décadas. Meu conhecimento da literatura gaúcha não é profundo. Conheço alguma coisa da nossa história, mas não o suficiente. Estou em período de aprendizado. Da literatura nacional li alguns clássicos, mas tenho preferência por crônicas. Acompanhei, ao longo de décadas, o trabalho de pessoas como Fernando Sabino e Otto Lara Resende quando escreviam suas crônicas em jornais cariocas. Sou fã de Luis Fernando Verissimo, que é um universalista, e acompanho alguns autores de crônicas de revistas semanais como o Claudio Vieira e Castro. Mas, de fato, hoje, não leio muitos livros de autores universais, consoante ao conflito de tempo que possuo.

APL – Você tem uma atração por bibliotecas. Foi frequentador de bibliotecas?

OL - Frequentei a biblioteca do CENAV, a Biblioteca Municipal de Passo Fundo e, recentemente, visitei a Biblioteca Mazarine, em Paris. Foi a primeira biblioteca pública francesa, tendo uma das maiores coleções de livros da Idade Média. Impressiona passear pelos seus corredores. As bibliotecas continuam sendo uma atração para mim. Sou responsável pela Biblioteca Ortopédica do IOT, com pouco mais de 2 mil volumes. Compilei o que chamo de Biblioteca Ortopédica Histórica, que é um conjunto de livros médicos raros, com mais de 50, 80 ou 100 anos, que iniciou com a doação de toda a biblioteca do Dr. Alberto Lago, feita pela família após seu falecimento, em 1979. Hoje, esta biblioteca tem mais de mil volumes. Depois disso, comecei a adquirir (comprar) alguns livros clássicos de medicina. Os mais raros ficam sob minha tutela. Numa de minhas últimas viagens, adquiri exemplares de quatro livros raros, um deles de 1780, que fala sobre epidemiologia, um dos primeiros a fazer relações de pacientes mostrando tal doença. A biblioteca, para mim, sempre foi um local de muita paz, de pesquisa.

APL - E as cirurgias feitas nas nossas revoluções?

OL - Existem livros abordando o assunto. O avanço da cirurgia do trauma, que não é só objeto da ortopedia (trauma é um tiro no peito, uma facada, etc.), ou no caso de ossos quebrados, evoluiu ao longo das guerras. Ao ler sobre os etruscos, vemos que existiam médicos ou na época tratados como tal, que cuidavam dos guerreiros. A medicina da Grécia, tendo em Hipócrates o “Pai da Medicina”, era evoluída porque os gregos eram ferozes guerreiros. E assim vai. Napoleão tinha um exército de médicos cirurgiões para os seus exércitos. Se abordarmos os dois grandes eventos do século passado, a I e II Guerras Mundiais, houve um avanço extraordinário, a ponto de a ortopedia estabelecer-se como especialidade logo após a I Guerra, separando-se da cirurgia quando foram fundadas a Academia Americana de Ortopedia e a Sociedade Brasileira de Ortopedia. Logo depois da II Guerra, estabeleceram-se muitos conceitos que foram usados e aperfeiçoados. Portanto, as guerras sempre foram palco de aprendizado.

APL - Como surgiu a ideia do livro com as fotografias do Czamanski?

OL - Eu ia pelo menos duas vezes por semana ao estúdio fotográfico da Foto Moderna, apanhar fotografias médicas, e via pendurados algumas centenas, talvez milhares, de filmes. Então, perguntei ao Sr. Deoclides Czamanski: “Como o Sr. sabe, se lhe perguntarem sobre tal filme?” E ele me respondeu: “É preciso me dizer a época, pois tenho um caderno que diz qual é o número do rolo e eu vou atrás dessa fotografia.” Era uma coisa absolutamente dependente do proprietário. Só ele era capaz de achar. E, temendo pelo futuro desse acervo, sugeri a ele que usássemos todas as fotografias antigas que havia na Foto Moderna e fizéssemos um livro. Esse livro foi uma homenagem ao pai, Deoclides Czamanski, e ao filho, Ronaldo Czamanski, ambos fotógrafos. Foi um livro que me fez correr a cidade, tentando obter informações para as legendas das imagens. O historiador Ney Eduardo Possapp d’Ávila me ajudou muito na época. O livro foi autofinanciado, ou seja, eu paguei sua produção. A parte triste da história é que foi um dos últimos livros feitos com pranchetas, que foram descartadas quando tudo se transformou em digital. Aquele livro teve uma única impressão. É uma pena porque é um livro clássico. Ao longo das décadas eu recebi, literalmente, centenas de solicitações e nunca pude dar exemplares, porque a edição esgotou. É uma obra irreproduzível. As fotografias também se perderam. O Ronaldo Czamanski não tem mais aquelas imagens para fazer um novo livro. Acabou a história dessas fotografias. O Sr. Deoclides Czamanski faleceu e o Ronaldo mudou de ramo, deixou de ser fotógrafo.

APL - E o livro “Veia de Campeão”?

OL – O Veia de Campeão foi uma ideia em conjunto com o Marco Damian, para homenagear o esporte que se fazia em Passo Fundo, tanto amador quanto profissional. O Marco Damian é um historiador de mão cheia, voltado, especialmente ao esporte. Ele tinha as biografias de um bom número de atletas. Minha participação foi reuni-las em uma obra única e mostrar o potencial esportivo que Passo Fundo sempre teve. Nos anos 1960 nós éramos muito respeitados no futebol de salão. Havia, por exemplo, as equipes do Capingui e dos Colégios Conceição e IE. Depois veio a geração do voleibol, um celeiro de atletas. Infelizmente, a estrutura de aproveitamento desses atletas de Passo Fundo é idêntica à do País, ou seja, ridiculamente ineficiente. Atletas com grande potencial para se transformar em profissionais ou atletas olímpicos são perdidos por falta de estímulo, material de treino e estrutura. Aqueles que sobreviveram foram exatamente da geração que se mudou de Passo Fundo. Exemplo clássico é o dos irmãos Endres. Nós tivemos a número um no tênis feminino, Miriam D’Agostini, que também precisou ir embora. Marco Damian é meu amigo de juventude. Ficou um projeto de fazermos o resgate da vida dos viajantes de Passo Fundo, mas esse não teve andamento.

APL – Há também o livro dos “150 Momentos Mais Importantes da História de Passo Fundo”.

OL – Este livro nasceu do meu envolvimento com a APL. Foi um livro feito essencialmente dentro da Academia, em que os acadêmicos e os editores da Revista Água da Fonte, em particular, tiveram uma participação muito grande. O lado positivo desse livro é que ele ouviu a comunidade. Não é a visão de um ou de poucos autores, mas uma visão de mais de cem pessoas que colaboraram escrevendo textos sobre que foi pesquisado, definindo quais seriam esses 150 momentos. Resumidamente, foi como um processo científico. Escolhemos 150 pessoas de diferentes classes sociais, profissões e idades e perguntamos a elas o que cada uma consideraria como os dez momentos mais importantes da história de Passo Fundo. Essa coletânea de cerca de 1500 opiniões foram catalogadas por ordem de frequência de citações. Chamou a atenção que um dos momentos mais citados da nossa história foi a instalação da estrada de ferro, em 1898. Ninguém dentre os entrevistados era vivo nessa época. Por que foi um dos mais citados? Porque a grande maioria entendeu que Passo Fundo se transformou em cidade nesse momento, pois até então não tinha relações com outras comunidades, e a chegada do trem foi como a chegada da Internet ou da energia elétrica.

APL - O livro teve elogios e críticas. O que você destacaria?

OL - O livro foi patrocinado pela Prefeitura Municipal e pela UPF. As duas entidades bancaram a impressão do livro e todo trabalho foi feito de forma voluntária. Cada um dos colaboradores usou suas folhas e sua tinta e eu passei, obviamente, um ano e tanto trabalhando também de forma gratuita para compilar. E por não ter sido feito por uma editora nacional, que distribui suas obras comercialmente, esteve ausente das livrarias. Portanto, a comunidade não o conhece, não teve possibilidade de comprá-lo. É um bom resumo da história local, mas que não chegou às mãos do leitor como deveria. Ainda existem cerca de 100 a 150 livros na Academia. Eu adoraria que fossem para as livrarias, mas há dificuldades fiscais, contábeis, de escala, etc. A crítica sobre ele é que algumas pessoas escreveram de maneira imprecisa, com informações não checadas. Cada autor foi responsável pelo que escreveu. Alguns historiadores questionaram dados ali relatados. Por outro lado, o livro recebeu propostas para incluir fatos que não foram votados, com absoluto objetivo de promoção pessoal. Nós não nos dobramos a esse tipo de proposta. Os temas ali descritos correspondem exatamente àquilo que a pesquisa apurou.

APL - Qual foi sua obra de maior repercussão, entre as locais?

OL - Sem dúvida, foi a obra de fotografia, em associação com os dois fotógrafos Czamanski, a que teve maior relação com a comunidade, além dos dois livros de citações e aforismos. Uma frase bem empregada, na hora certa, tem um valor inestimável e muitas vezes a gente esquece essas frases. Tem que se ter à mão uma fonte de consulta. No primeiro dos livros, cataloguei 3 mil frases e, no segundo, em coautoria com minha esposa Marilise, cataloguei 2 mil frases. É interessante porque você pode pegar temas universais como morte, vida, trabalho, juventude, e ler 10, 15, 20 citações de diferentes épocas da humanidade sobre o mesmo tema. E é impressionante como as verdades mantêm-se imutáveis. Juventude é algo que se aplica lá no Império Romano ou hoje, quase que com os mesmo conceitos.

APL - E na área médica?

OL - Se eu tenho alguma visão crítica sobre a qualidade da minha produção literária, de forma oposta eu tenho muito orgulho da minha produção médica. De novo, desafiando leis bem estabelecidas, tenho toda uma produção realizada em Passo Fundo. Seguindo aquilo que se falou no começo da entrevista, sobre o caos, em sair da zona de conforto, fui um dos primeiros autores que abordou, de forma científica, as lesões por esforços repetitivos, no País. Estamos falando de 1986. Não se falava nisso, o nome era tendinite. E não havia sequer leis que protegessem o trabalhador das famosas tendinites. Realizei uma conferência em Brasília, em maio de 1986. Estava presente o então senador Jamil Haddad, que ouviu as explanações de como os trabalhadores podem desenvolver dores nas mãos, braços e ombros e daí transformarem-se em pessoas incapazes para o trabalho. A partir desse momento, ele propôs a lei primeiramente chamada de “Tendinite” e depois o nome mudou para “Lesões de Esforços Repetitivos”, que acabou aprovada. Eu não diria que foi aquela minha conferência o ponto principal, mas ela ajudou muito, pois foi a única exposição de imagens. O debate era todo teórico e eu apresentei uma aula com slides. Com essa conferência, verificou-se que havia, no Brasil, espaço para que a Lei dos Esforços Repetitivos fosse aprovada e o trabalhador brasileiro, protegido de acidentes de trabalho. Logo a seguir, a demanda e a procura por informações foram tão grandes que escrevi quatro livros sobre o assunto. Quatro livros sobre lesões de esforços repetitivos, que ajudaram a clarear o assunto para uma legião de médicos, enfermeiras e advogados, que citaram de maneira incansável os meus trabalhos nas suas petições. Outro momento especial da minha vida foi a autoria do primeiro livro sobre cirurgia de ombro no Brasil, que data de 1992. Fundamentos em Cirurgia de Ombro foi uma obra que fiz gratuitamente, ou seja, foi impressa sem que recebesse nenhum pagamento, sem direito autoral, e entregue para 13 mil médicos no Brasil, notadamente ortopedistas e clínicos. Isso só foi possível graças ao patrocínio do Laboratório Rhodia, hoje chamado Sanofi. E esse livro bastante simples, com menos de 200 páginas, ajudou a popularizar a cirurgia do ombro no Brasil, especialidade que então havia sido recém-fundada. Na área de publicações científicas, que são analisadas e só publicadas após passarem pelo crivo dos pares, sou autor de pouco menos de 100 publicações, no País e no exterior. Em número de livros, tenho cerca de 85, além de colaborações como autor, coautor, colaborador em capítulos, traduções ou apresentações no Brasil e no exterior. E são 1.200 conferências em cinco continentes, totalizando dezenove países. Essas conferências não têm qualquer pagamento, o meu objetivo é exclusivamente científico. De novo, volto a sair da zona de repouso, pois quando tenho que preparar quatro conferências para dar na França, como fiz no mês passado, passo um mês trabalhando nelas, organizando, pois são para um público seleto. E é claro que eu quero apresentar um bom material. Isto é a gasolina que me mantém atualizado. E o que eu ganho? No final, atendendo bem e cada vez melhor os meus pacientes. Também vale o mesmo para os livros que escrevi, pois mesmo que eu seja coautor do livro de ortopedia mais vendido no Brasil, “Exame Físico em Ortopedia”, que todo residente tem que comprar e decorar, pois é nele que aprendem a examinar o corpo humano, os direitos autorais que recebo também são simbólicos. Na verdade, todos os livros que participei têm muito mais valor de crescimento técnico-científico pessoal, que é você escrever sua experiência, e também prestam-se para uma coisa imponderável, que é o reconhecimento institucional. Foi graças a minha energia para escrever e palestrar que presidi quatro grandes instituições: Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão, Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro, Sociedade Latino-Americana de Ombro e Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. A ortopedia brasileira é uma das mais conceituadas do mundo e, para ter uma ideia da elitização, eu fui o terceiro gaúcho presidente dessa sociedade e o primeiro do interior do Estado, ao longo de quase 80 anos de história. Todos os outros sempre foram de capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, etc. O percurso em publicações e conferências e a experiência de presidir instituições trouxeram-me sempre muito entusiasmo profissional, motivo que faz com que hoje, contabilizados 33 anos de profissão, eu ainda me sinta um principiante, sequer pensando em diminuir o ritmo.

APL – Sente que ajudou na construção do prestígio da medicina em Passo Fundo?

OL - Posso dizer que me sinto como um dos inúmeros colegas que contribuíram para que o centro médico de Passo Fundo tenha a respeitabilidade que hoje goza. Tudo iniciou com os nossos excelentes médicos, a começar por Nicolau de Araújo Vergueiro, o Dr. Medeiros, Miguel Kozma e Cesar Santos; só para citar esses quatro ícones. Houve outros, certamente. Eram médicos tão bons que atraíam pessoas de um raio muito distante, que vinham a Passo Fundo para se tratar com o bom doutor, “o doutor que salvou minha filha”, “o doutor que salvou minha mãe”. Essas eram expressões usadas até os anos 1960. Daí, com a criação da Faculdade de Medicina e a modernização dos hospitais, veio a segunda fase: Passo Fundo encheu-se de médicos (anos 1970/80). Na terceira fase, alguns desses médicos especializaram-se muito, criando na cidade os centros de cardiologia, neurocirurgia, pediatria, ortopedia, cirurgia, urologia, etc. Com essa superespecialização, com profissionais tão bons quanto os da metrópole, Passo Fundo expandiu a área de ação, configurando o que chamo de quarta fase, fazendo com que a cidade esteja no mapa brasileiro de resolução de casos médicos. Quase nada é mandado para fora daqui. Naturalmente que pode ir, mas aqui se resolve de tudo. Hoje, a cidade recebe em torno de 5 mil pacientes e acompanhantes por dia, possui nove hospitais, além de ser o terceiro polo médico da Região Sul do Brasil, de acordo com o IBGE, vindo depois de Curitiba e de Porto Alegre. E onde entra o Osvandré Lech nesse contexto? É um desses médicos que se especializou, que exerce uma medicina de qualidade e que atrai pessoas interessadas em aprender a especialidade da cirurgia da mão e também do ombro. Passo Fundo é o primeiro centro de treinamento em cirurgia do ombro fora de São Paulo. Ninguém sabe disso. Começou em 1993. Nesse ano, comemoram-se 20 anos. São quase 80 cirurgiões de ombro treinados em Passo Fundo que estão no País e no exterior. No momento, estamos com três em treinamento. Essa é a respeitabilidade que conseguimos obter.

APL - É necessário ainda vir profissionais de fora, para completar alguma lacuna na medicina local? O que faltaria? Qual seria o espaço?

OL - Existe uma área aberta em imunologia. Para que avance a área de imunologia, que exige estudos e tratamento muito avançados, dependemos de grandes investimentos em pesquisa e infraestrutura. A imunologia é, de fato, a área da medicina local que penso ter ainda espaço para expansão. As demais áreas clínicas estão todas muito bem qualificadas. Passo Fundo precisa avançar em pesquisa na área médica. Necessitamos de laboratórios, biomecânica, laboratórios de pesquisa propriamente ditos. A UPF ainda não deu uma resposta à altura na área de pesquisa médica, apesar de todos os avanços na área clinica. Educam-se aqui bons médicos, bons clínicos, mas ainda não temos publicações e pesquisa à altura de uma universidade desse porte, como em outros lugares do País e do mundo. Nós fazemos isso dentro do possível, na iniciativa privada, através do IOT, por exemplo.

APL – Como é presidir a Academia Passo-Fundense de Letras no ano dos seus 75 anos?

OL - A APL é uma Instituição que aprendi a respeitar quanto mais intensifico a minha participação em suas atividades. Tenho usado uma expressão, provavelmente cunhada por mim, mas que deve ter outras similares, com o mesmo significado: Indivíduos fazem uma sociedade, não o contrário! Ou Pessoas fazem uma sociedade, não o contrário! Vivi diferentes períodos na Academia, desde 1996, convivendo sempre com um grupo muito interessado de pessoas, que têm nesta instituição uma atividade de segunda ou terceira prioridade. As maiores prioridades são sempre a vida profissional, a família ou outras instituições e a Academia, então, funciona como opção dentro das atividades semanais ou mensais. Esta é, provavelmente, uma característica comum a outras academias, onde ninguém tem cargo remunerado. Pela característica da cultura não estar sempre de mãos dadas com o poder econômico, a nossa Instituição necessita de melhores condições de funcionamento. Lamento o fato de não termos uma linha telefônica, um computador ou uma secretária fixa. Se estivéssemos economicamente melhor estruturados, a Academia teria uma forma de atuação ainda mais eficiente dentro da sua área de ação, que é a de estimular a cultura na sua região. Voltando novamente pela sexta vez à teoria do caos e à ausência da zona de repouso, isso é um desafio que permite que se realizem ações que resultem em um trabalho brilhante da grande maioria dos membros. O relatório de ações da APL mostra o quanto cada indivíduo produz dentro da área cultural. E o somatório destas ações é que é o corpus operandi da nossa instituição.

APL - Um paralelo entre a Academia de Medicina e a APL.

OL - A Academia Passo-Fundense de Medicina completa, em 2013, 10 anos de existência. Ainda está buscando sua própria identidade. O filtro natural está acontecendo e a proposta da Academia de Medicina é a manutenção de itens como a ética e a nobreza da profissão, diante das tentativas de massificação contundentes que se veem, na atualidade. Essencialmente, essas duas. E, para que se tenha uma ideia, é a única Academia de Medicina de uma cidade do interior gaúcho. Trata-se de um grupo de profissionais desacomodados, dentro da teoria do caos e do desassossego. Mas ela é muito recente, e não pode ser comparada a uma instituição como a APL, que comemora 75 anos em 2013, que tem tradição e finalidade diferentes. A nossa APL foi fundada em um momento em que se precisava reunir lideranças para estimular a cultura, numa época que havia exclusivamente dois jornais na cidade. A Academia destaca-se pela quantidade de ações que fez em prol da cidadania, da nossa comunidade. Ela já tem sua missão absolutamente cumprida. E os novos desafios exigem renovação do quadro de associados, exigem foco em projetos, em novas mídias. Isto tudo são desafios para a Academia de agora. A Academia trabalha com pessoas em diferentes épocas da vida. Há pessoas que contribuíram muito com a Instituição no passado, e que hoje, naturalmente, são membros com grande respeitabilidade. Existem jovens lideranças. O papel do líder é, naturalmente, buscar o entusiasmo (entusiasmo é uma palavra que significa “ter Deus dentro de si”) de todos os membros, já que seu quadro social é muito pequeno, constituído, em média, de menos de quarenta pessoas. Buscar estabilidade, administrando as necessárias questões de ego, e estimular a produção dentro das diferentes capacidades são, sem dúvida, o reflexo do talento da diretoria. E também buscar projetos que vão em sintonia com o que a comunidade deseja se envolver. Podemos citar o Concurso Literário que a APL promove, estimulando jovens a escrever sobre autores conhecidos. É um dos mais notáveis. A Semana de Letras da Academia foi, em minha opinião, um dos mais exitosos movimentos culturais recentes, e a nossa incrível capacidade de produzir textos, em forma de colunas nos periódicos locais e também em livros, é um fator importante de educação e de formação de opinião.

APL - O que falta fazer?

OL – Um ano de muito trabalho: melhorar as condições de funcionamento da Academia, tanto físicas quanto de funcionalidade, é um desejo, é um objetivo; buscar um projeto literário, dar vazão aos Cafés Filosóficos, etc. Também continuarmos a publicação da Revista Água da Fonte, que é uma excelente forma de interação e de divulgação de nosso trabalho, dando visibilidade à nossa instituição na comunidade. Hoje a APL é uma instituição entre centenas que trabalham na nossa cidade, em um cenário bem diferente daquele quando ela era a única, nos anos 1930, 1940 e 1950. Temos que buscar espaços, divulgar nossas ações, conversar com a imprensa. Talvez o Projeto do Suplemento Cultural seja algo marcante e, claro, divulgar o livro dos atuais membros da Academia, que mostra bem o nosso momento atual. Criando-se condições, as ações acontecem. Por exemplo, o acadêmico Agostinho Both parece-me uma pessoa determinada a resgatar a importância do autor local, seja em instituições, seja em colégios. A sua determinação é muito positiva. A parceria com o Projeto Passo Fundo, colocando na Internet bastante material, é muito positiva. Também o programa Literatura Local, na TV Câmara, é muito positivo. Essas são maneiras com as quais nós, quase que anonimamente, influenciamos na formação de uma coletividade. Mais do que a ação de líderes, fica mais claro assim que há a ideia da instituição ser a geradora de oportunidades. Então, se chegarmos ao final do ano com uma relação de ações mais extensa que a do ano passado, estarei muito satisfeito. Isso, é claro, vai depender sempre de trabalho de equipe, de um convívio amistoso, através de reuniões; de uma busca de pessoas que, de certa forma, estão um pouquinho afastadas. E, claro, quando se fala em cultura, se fala também em publicação e lançamento de livros. Portanto, o máximo de apoio ao autor não só membro da Academia, mas ao escritor local.

APL - Algum sonho?

OL - Eu me vejo trabalhando até o período em que consiga fazer mais acertos do que erros em medicina. O melhor médico não passa de 80% de resolução. Eu tenho a convicção de ter 70% de bons e excelentes resultados. Depois dos 75 anos há uma diminuição da capacidade de raciocinar bem. Quando eu perceber que se inverteu essa capacidade, saberei que é a hora de parar. E espero que seja bem para frente. Não tenho planos de aposentadoria. Este ano estão planejadas viagens que farei para palestrar. Irei ao Japão, Canadá e França. Agradeci convites da Índia e Turquia. Como médico, quero trabalhar enquanto eu souber que estou acertando mais do que errando. E isto não tem data. O Dr. Sérgio Lângaro trabalha até hoje, com 86 anos de idade, mas ele sabe muito bem onde ele acerta. Ele já não opera mais. Atende os pacientes. Dá consultas. Soube dosar a diminuição do trabalho. Tenho um objetivo: voltar e ter mais tempo para o atendimento de pacientes, mais do que tive recentemente com minhas atividades institucionais. Sei que elas precisam passar durante um tempo. Então meu desejo é voltar a ter mais tempo de contato. Desejo continuar treinando as novas gerações. Essa vocação para cultura inclui o ensino. Desejo continuar ajudando a Academia Passo-Fundense de Letras e as futuras gerações que se seguirão, como um soldado. O fato de ter sido presidente não significa que não posso voltar a trabalhar com o mesmo entusiasmo que no primeiro dia.

APL - Quando você se ausenta para palestras, seminários, congressos, quem lhe substitui no atendimento dos pacientes?

OL - Por mais de 20 anos, trabalhei na frente de atendimento de urgências, fazendo plantões. Por quase 25 anos, fui linha de frente. Trabalhei quase todos os Natais de minha vida. Transformei isso em um presente. Foram muitas noites de 24 de dezembro que passei trabalhando. Para que se tenha uma ideia: na manhã do Natal de 2012, fiz uma cirurgia de três horas. Nesse dia fui operar uma pessoa que precisava de atendimento especializado. Deixei de fazer plantão e atendo pacientes eletivos. São cirurgias com o risco de vida mínimo ou inexistente, em que todos os pacientes ficam sob os cuidados de uma equipe, quando existe a necessidade de eu me ausentar. Existe o apoio de uma equipe de pessoas capaz de atender qualquer intercorrência. É fruto de um trabalho de equipe desde 1979. E esse é  o motivo do nosso sucesso profissional. Meu índice de retorno de pacientes é praticamente zero, restringe-se à troca de medicações à qual o paciente não se adaptou. Trabalho em Porto Alegre há 25 anos, em dois hospitais: Mãe de Deus e Moinhos de Vento, também em equipe. Só voltei para atendimento uma vez a Porto Alegre. Para atendimento, na véspera de meus 40 anos.

APL – E a cultura no País?

OL - Embora o País esteja bem na área cultural, vai mal no ensino. E estamos perdendo a corrida mundial devido a um sistema de ensino ainda arcaico, não obstante as muitas revoluções da educação. O nosso aluno de 15 a 16 anos sabe muito menos hoje do que seu colega russo, holandês e, principalmente, coreano e chinês. E o que é pior: a péssima situação dos nossos professores. Essa comparação é ridícula. Isso sem falarmos em investimento financeiro e em estrutura. Em nível universitário, entre os alunos que procuram residência no IOT há tanto alunos “classe A” quanto aqueles de classificação mais baixa. E eu percebo que tem mais a ver com o QI do indivíduo e menos com a escola de origem. Em outras palavras: um indivíduo com bom QI será um bom aluno em diferentes instituições. A instituição não exige tanto de cada aluno. Existe uma quantidade enorme que poderia ser mais exigida. Os nossos professores são mal pagos e mal preparados. Isso se tornou um círculo vicioso. O grande choque cultural foi quando cheguei na América: o que tive que estudar a mais para me equilibrar, porque sabia muito menos que os americanos, pois saí de uma província para um grande centro. Culturalmente temos uma identidade brasileira, mas o nosso ensino está piorando. Os estudos de comparação mostram que nosso ensino está pior que em décadas anteriores. Isso é muito ruim porque, em uma economia global, quanto mais mestres e doutores bem preparados, melhor. E a relação entre a universidade, que é o centro pensador, e a indústria sequer existe, no Brasil. Em medicina, vislumbro que teremos uma velhice péssima. Teremos cuidados médicos preparados de maneira muito ruim. Vai haver lugar para uma medicina de qualidade de massa. Como essa medicina não vai resolver problemas específicos, você precisará pagar por isso. Cada vez mais haverá esse binômio da medicina privada versus a medicina pública. A medicina média não é boa. A seriedade com que a sociedade inglesa trata itens como saúde e educação são bem diferentes da nossa. O SUS é o maior sistema de saúde do mundo. Mas quanto tempo demora para se conseguir o tratamento correto? No sistema de saúde brasileiro, qualquer sistema que se dedicar a trabalhar somente com o SUS falirá. A média de vida é de 55 a 75 anos e, na nossa região, a estimativa de vida é em torno de 72 anos. As filas de espera são absurdas. Aqui no Brasil, a medicação, por exemplo, não é abatida no imposto de renda. Hoje, estamos com cerca de 200 milhões habitantes. Ao redor de 50 a 60 milhões têm plano de saúde, e os outros 140 milhões dependem do SUS. O sistema é bom, é benéfico. O SUS como está funciona no seu melhor possível. E eu, no que toca à saúde, acredito na intenção melhor do Governo.

APL – E a família, que sempre está ao seu lado?

OL - A família vive um momento esplêndido. Marilise iniciando o Doutorado em Educação na PUC de Porto Alegre, o Leonardo iniciando Medicina, e a Graciela dedicando-se à Comunicação Social. É uma família que vive em harmonia, focada no trabalho e, como qualquer outra, buscando sua própria identidade.