Vida e obra de Euclides da Cunha

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Vida e obra de Euclides da Cunha

Em 30/06/2007, por Dilse Piccin Corteze


Vida e obra de Euclides da Cunha

DILSE PICCIN CORTEZE[1]


Euclides da Cunha nasceu em 20 de Janeiro de 1866,na fazenda Saudade, no município de Cantagalo, estado do Rio de Janeiro. Morreu no bairro da Piedade, aos 42 anos, assassinado pelo jovem cabo Dilermando Reis, amante de sua mulher, Ana Maria Cunha, filha do Coronel Sólon Ribeiro, importante personalidade da República.

A vida de Euclides da Cunha foi marcada pela tragédia. Órfão de mãe aos 3 anos de idade, foi entregue aos cuidados de vários parentes. Do Rio de Janeiro foi para Salvador e depois para São Paulo. Sua vida era feita de diferentes casas, bairrose afetos entrecortados; sua mente, uma sucessão de múltiplas paisagens. Composições que só ajudariam o geógrafo, o sociólogo e o antropólogo surpreendente que ele se revelaria anos mais tarde.

Desde muito cedo Euclides da Cunha foi tido como gênio por seus contemporâneos. Sua mente lúcida impressionava. Apesar do temperamento arredio e turbulento, sempre soube preservar as amizades. Foi amigo de intelectuais e degente poderosa, como o barão do Rio Branco. Mas nunca conheceu o afeto feminino.

Um homem de personalidade obsessiva epassional, assim foi o escritor Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha. Levou uma vida errante e aventureira. Muitas vezes como jornalista, outras como engenheiro e militar, viajou por todo o país. Escreveu dois livros de ensaios. Contrastes e Confrontos,de 1907; A Margem da História, de 1909, e um relatório técnico, Peru versus Bolívia, de 1907. Mas sua grandeza como escritor deve-se a Os Sertões.

Até a Campanha de Canudos, Euclides da Cunha foi um defensor incondicional do novo regime. Sua história se confunde em muitos momentos com a própria história da República. No Colégio Aquino, onde cursou o secundário, foi aluno do grande mentor republicano, Benjamim Constant. Logo depois, Euclides ingressou no Exército– onde chegou a tenente - e também na Escola Militar do Rio de Janeiro, que formava engenheiros para a construção de estradas, portos epontes.

O Exército, influenciado pelo positivismo de Augusto Comte, se organizava enquanto classe. Ainda não era republicano como conjunto, mas Euclidesda Cunha, sim. Ainda em 1888, num ato de rebeldia, o escritor lançou sua espada aos pés do Ministro da Guerra, um monarquista. Foi preso eexpulso das fileiras militares. Logo depois, quando foi proclamada a República, esse ato o transformou em herói. Euclides da Cunha fazia parte de uma elite militar que se impôs depois da Guerra do Paraguai. Nomes como MarechalFloriano Peixoto e General Moreira César passavam a fazer história. Estariam entre os responsáveis pela implantação do novo regime.

Republicano apaixonado, o escritor desembarcou no dia 7 de setembro de 1897, em Monte Santo - base da operação militar - ao lado do ministro da Guerra, General Machado Bittencourt. Pensava defender a República contra um levante bárbaro e monarquista. A quarta Campanha contra Canudos estava no final. E Euclides da Cunha jamais seria o mesmo. Caberia a ele questionar a República que se formava eser um dos maiores críticos do Exército Brasileiro. Euclides da Cunha foi cobrir o evento, como enviado de guerra. O livro Os Sertões nasceu de uma reportagem sobre a Guerra de Canudos para o jornal O Estado de São Paulo.

Para compreender a revolta de Canudos, eranecessário que o sertão viesse à tona, numa nova tradução. Foi essa a grande proeza do jornalista e engenheiro militar Euclides da Cunha, ao publicar seu livro Os Sertões, em 1902.Uma obra contundente, que destruía o sonho brasileiro da República e da civilização branca europeizada.

Ao tentar compreender a psicologia do sertanejo,Euclides da Cunha fez um ensaio revelador sobre a formação do homem brasileiro. Desmitificou o pensamento vigente entre as elites do período, de que somente os brancos de origem européia eram legítimos representantes da Nação. Mostrou que não existe no país raça branca pura, mas uma infinidade de combinações multirraciais. Previu um destino trágico para o Brasil, se o país continuasse a não levar em conta as diversas raças que o formaram. Mostrou que o Brasil tinha contradiçõese diferenças étnicas e culturais extremas. Concluiu que havia uma necessidade imperiosa de se inventar uma raça. Caso contrário, o Brasil seria candidato a desaparecer.

Em Canudos, ao acompanhar a luta de perto, Euclides da Cunha logo percebeu que a guerra tinha como razões aparentes o fanatismo religioso, o messianismo e o sebastianismo sertanejos. Suas razões profundas eram o latifúndio, o coronelismo, a servidão, o isolamento cultural e a dureza do meio.

Toda a sua obra é marcada por suas viagens. Além do nordeste, visitou o norte do Brasil, onde chefiou a comissão brasileira que atuava na demarcação das fronteiras. Conheceu de perto, e num curto intervalo de tempo, o "inferno verde da Amazônia" e o "Saara vermelho" do sertão e da seca nordestina. Foi um dos primeiros escritores brasileiros a mostrar a miséria e o isolamento a que estava condenada parte dessas populações. Desenvolveu uma literatura das massas marginalizadas do país, sem confissões ou excessos emocionais.

Ele foi o primeiro escritor brasileiro a diagnosticar o subdesenvolvimento do Brasil, referindo-se à existência de dois países contraditórios: o do litoral e o do sertão. Canudos resultou do confronto entre esses dois Brasis, distintos entre si no espaço e no tempo, pelo atraso de séculos em que vivia mergulhada a sociedade rural.

Referências

  1. Dilse Piccin Corteze é historiadora, professora da rede particular de ensino e membro da academia Passo-Fundense de Letras