É preciso revolucionar a educação

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É preciso revolucionar a educação

Em 10/06/2008, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


É preciso revolucionar a educação

Paulo Monteiro[1]


Conheço o Doutor Aventino Alfredo Agostini há mais de 20 anos. Juntos ajudamos a construir um partido político, o PDT, e participamos da primeira administração trabalhista em Passo Fundo, depois que a ditadura militar caiu. Desde aqueles tempos de militância partidária em comum, para mim, ele é sempre o “professor Aventino”. E cada vez mais me convenço de que esse é o título que melhor se aplica a ele.

Para aqueles, que não viveram os “anos de chumbo” e os posteriores primeiros tempos de claridade democrática, é preciso explicar que houve uma estranha convivência entre homens de pensamento (filósofos, poetas, sociólogos, economistas, etc.), homens de ação (especialmente militantes sindicais e comunitaristas) e políticos de carreira. Aos poucos, porém, políticos de carreira (dos quais o exemplo mais famoso e atual é Delúbio Soares) capturaram partidos políticos e mantiveram “reféns” homens de pensamento e homens de ação (como Lula). Coloco reféns entre aspas, pois em política essa palavra inexiste. Chama-se cumplicidade.

Bom, mas essa é outra história.

Aventino Agostini é professor no sentido clássico do tema. É generoso em compartilhar os assuntos que domina. Assim, não é à-toa que costuma citar exemplos retirados do Evangelho. Como um messias de verdades, ele as reparte entre tantos quantos se aproximem de sua mesa.

Há semanas procurava encontrá-lo para entrevista sobre um tema de que é mestre. Não o consegui. No sábado (12/11/2005), casualmente – se as casualidades fossem acidentais –, encontramo-nos na Feira do Livro. Na terça-feira pela manhã já estávamos conversando sobre educação, assunto que o apaixona. Aliás, ele é, acima de tudo, professor. Tratamos de idéias que desenvolveu no livro “Para Além dos Répteis”, publicado no ano passado pela Gráfica e Editora Berthier, de Passo Fundo.

Monteiro – Como o senhor chegou às teorias pedagógicas que tem difundido?

Aventino – Há 43 anos tenho participado como orientador de três universidades federais (a Faculdade de Medicina de Santa Maria, a Universidade Federal Fluminense e a Universidade de Brasília), e nesse período pude perceber as modificações sucessivas do comportamento da juventude brasileira. Evidentemente que pude averiguar o grau de conhecimento que as diferentes etapas podem apresentar. Na década de 60/70, a média de cultura do estudante que entrava na universidade não tinha comparação com a média da cultura atualmente apresentada e demonstrada por aqueles que participam do ensino pré-universitário.

Não me cabe aqui fazer qualquer comentário sobre a recente Reforma Universitária, porque ainda está completando dez anos ou mais ou menos.

Em virtude do comportamento agressivo que se desenvolve, numa escala geométrica e quase insuperável, nos principais centros urbanos, concluí que, de alguma forma, deveria ser encontrada no próprio ser humano a essência dessa violência.

Monteiro – Essa agressividade pode ser identificada historicamente? Desenvolveu algum tipo de percurso para chegar até hoje e aos níveis atuais?

Aventino – Relacionando o comportamento histórico com o conhecimento de nossa estrutura cerebral, não tive muita dificuldade em compreender as razões do comportamento atual da humanidade. Tal relação me permitiu concluir que a humanidade tem três períodos históricos bem diferenciados, que não dependem de ideologia política ou religiosa ou correntes filosóficas.

No primeiro período o homem praticava a guerra genocida. A partir da civilização agrícola, acrescentou ao genocídio a escravidão do homem e do animal. E mais tarde, a partir dos “grandes descobrimentos” e da era industrial, acrescentou ao genocídio e à escravidão do homem e do animal não só a predação ambiental, como transformou os animais em fábricas de proteínas para o próprio consumo.

Em virtude dessa conclusão, que a história já não pode sonegar a ninguém, acredito que é necessária uma transformação radical na orientação do comportamento humano que, sem dúvida, deverá observar as energias que dependem basicamente do cérebro que carregamos no interior do crânio.

Monteiro – Como se processou e/ou se manifesta todo esse processo em termos de cérebro humano?

Aventino – Durante 2.400 anos o cérebro serviu apenas para esfriar o sangue. Desde que René Descartes cometeu um sério equívoco ao dizer que animais, crianças e deficientes mentais não eram humanos, porque despidos de “alma”, essa afirmação permitiu que um tratamento cruel fosse dispensado às crianças, aos animais e aos deficientes mentais. Felizmente Jean Charcot – um patologista que trabalhava no Hospital La Salpétrière, de Paris – demonstrou que havia deficientes mentais com lesões cerebrais. Posteriormente, Broca descreveu a região límbica e J. Papez, em 1937, relacionou a região límbica com a expressão emocional, e Damásio substituiu o termo “emoções” por “sentimentos”.

Mais recentemente, Paul MacLean afirmou que o cérebro humano recapitulou, no desenvolvimento, a evolução cerebral observada em aves e mamíferos, e acrescentou que do neocórtex humano emerge a afeição seletiva.

A partir de então, tornou-se possível relacionar o comportamento humano, às vezes agressivo, que deixa transparecer também o medo e outras manifestações, com o cérebro réptil. Do nosso segundo cérebro (o paleomamífero) emerge a afeição pela prole sem a qual não haveria nem aves, nem mamíferos, nem seres humanos. Também não podemos esquecer a influência do nosso corpo e, principalmente, das substâncias hormonais, responsáveis pela emergência do nosso comportamento.

Monteiro – Em termos práticos, o que se pode fazer para transformar essa realidade? Já existe alguma experiência prática, num sentido transformador?

Aventino – Como não tivemos apoio de qualquer instituição da cidade, resolvemos estabelecer uma modalidade de orientação infantil que respeite as normas legislativas, obedecendo a disciplina legal presente, acrescentando às duas primeiras uma orientação que obedeça ao cérebro, ao corpo e aos hormônios, dentro do atual conhecimento que adquirimos. Àqueles que se interessam em reevolucionar a orientação educacional, não negaremos a nossa possível contribuição. A Escola Saber Fazer pode ser contatada pelo telefone 314-2395, ou pelos telefones do Instituto de Patologia, telefone 311-6988.

Ainda segundo MacLean, temos no interior do cérebro um cérebro réptil, um paleomamífero e um neocórtex, singular da espécie humana, formando um cérebro triúno.

Monteiro – Então, na verdade, o homem possui três cérebros?

Aventino – Nos peixes existe apenas o paleoencéfalo, nas aves e mamíferos existe o paloencéfalo e sobre ele se desenvolve o paleomamífero e, sobre este último, nos seres humanos, o cérebro singular da espécie humana.

Monteiro – O que contribui para o aumento da agressividade, como se verifica diariamente pelo simples acompanhamento dos noticiários?

Aventino – A agressividade se acentua em vista de uma nova ideologia estabelecida nas relações humanas. Segundo esta ideologia os indivíduos da mesma profissão tornam-se concorrentes entre si. Evidencia também a concorrência entre todas as profissões, porque todas as relações têm como objetivo o lucro, o acúmulo de divisas ou capitais, com a finalidade de aniquilar as profissões ou empreendimentos que pareçam concorrentes.

Monteiro – As pessoas não familiarizadas com os meios acadêmicos têm sido surpreendidas com algumas inovações... Durante a recente Jornada Nacional de Literatura, professores de português estranharam alterações no feminino de alguns títulos: em vez de “a mestra”, dizia-se “a mestre”, em lugar de “a doutora”, chamava-se “a doutor”. Essa violação das regras de linguagem não é um tipo de violência?

Aventino – Novas expressões sempre foram acrescentadas, especialmente nas épocas onde a esterilidade criativa ou inovadora dominou na intelectualidade.

Monteiro – Como o senhor vê o saber instituído e o saber popular?

Aventino – Saber para nós significa saber fazer, inovar para viver. Assim, os graus de conhecimentos adquiridos não têm o significado que se lhes atribui. Por exemplo, na atualidade é mais fácil ser um técnico do que um diplomado em Filosofia. Conheci filósofos empregados de loja. Era uma moça que não conseguia manter a própria vida com Filosofia. Na loja de materiais de construção, através do trabalho, conseguia condições mínimas de sobrevivência para ela e a filha.

Monteiro – A arquitetura de nossas escolas e creches está de acordo com uma educação que dê prioridade às características afetivas próprias do ser humano?

Aventino - Todos se preocupam com a aquisição de conhecimento, mas não conheço nenhuma Faculdade que tenha no seu currículo nenhuma disciplina aplicada à afeição pela prole. Não é admissível que se confinem 30 crianças num espaço de 150 metros quadrados, durante 4 horas por dia. É inadmissível que uma creche de 100 crianças não tenha pelo menos um hectare para as crianças brincarem. O conhecimento é apenas uma das 16 ou 17 propriedades que podem contribuir para a felicidade do homem. Entre elas estão a afeição, a afeição pela prole, afeição seletiva (amizade) e o amor.

Monteiro – Muitos professores, especialmente de séries iniciais, reclamam do comportamento dos alunos. Vivem afirmando que os pais acham que as escolas são depósitos dos filhos que nem mesmo os pais conseguem suportar em casa...

Aventino – Na Escolinha Saber Fazer, o pai e a mãe, na primeira fase de adaptação, não têm qualquer culpa pelo comportamento da criança. Assim, quando a criança chega, é feito um relatório por escrito sobre seu comportamento. Aquilo que a escola pode oferecer para a criança, desde afeição pelo ambiente biológico e social, é observado pelos professores, porque a maioria dos pais não têm condições de ficar com os filhos um período suficiente para que a criança aprenda a conviver com a família, desfrutando da afeição que existe pelo menos entre os mamíferos da mesma espécie.

Numa segunda fase os pais são chamados a intervir no intento de formar aquilo que a escola não pode oferecer. É muito fácil culpar os pais ou os outros, quando nós não nos empenhamos.

É comum também a arrogância do professor frente ao estudante. Nós, há 40 anos, aprendemos que o professor, que não aprende com os estudantes, de um modo geral não adquire sequer a mediocridade de conhecimento, porque quem inova é a juventude.

Monteiro – É muito grande o número de professores que se inscrevem para participar de encontros, congressos e seminários, desde que confiram pontuação para promoção em sua carreira. Muitos apenas “carimbam” a presença ou pedem para que outros “carimbem” os seus cartões. E outros tantos não dão a menor atenção aos assuntos desenvolvidos pelos palestrantes. O senhor não acha que aquela concorrência entre os profissionais, de que falava no início de nossa entrevista, é que contribui para esse tipo de atitude?

Aventino – Segundo Edgard Morin, a competição entre professores é maior do que entre trabalhadores braçais. Entre pesquisadores, inclusive, penso, particularmente, que às vezes chega ao ridículo. De minha parte, jamais assinaria ponto nem faria a chamada na sala de aula, especialmente na Universidade.

É muito difícil para o aluno agüentar sentado numa sala de aula ouvindo professores medíocres, quando ele sabe que poderá ler nos livros tudo aquilo que o professor não consegue oferecer. Professor que não cumpre com as obrigações assumidas é estelionatário, ou como qualquer outro profissional que não cumpre com as obrigações.

Monteiro – Será que nós não estamos vivendo “uma espécie de nova Idade Média”, como afirmam alguns, sob a hegemonia de um conhecimento ossificado, escolástico?

Aventino – Muitos falam que estamos numa fase de decadência do ensino. Penso que não devemos ter compaixão nem pelos professores, nem pelas instituições, porque isso demonstraria megalomania de nossa parte. Para esta, época devemos ter uma profunda compreensão, não apenas para com professores e alunos, mas também, e particularmente, para com os acontecimentos que são notícia dentro de nosso limite territorial e no exterior, porque ainda nos falta uma verdadeira compreensão do potencial do conhecimento humano. É muito fácil criticar as agressões por parte de nosso governo contra a população, ou a agressão do mundo ocidental aos países que têm no subsolo uma riqueza em petróleo que não existe nem na Europa nem nos Estados Unidos.

Toda a humanidade, desde o início até os dias atuais, foi orientada para vencer. Não é admissível que nosso comportamento único tenha as características de répteis pensantes, conscientes, inteligentes e racionais, esquecendo das emergências da afeição pela prole, afeição seletiva, e da única diferença que pode distinguir o homem do animal, que é demonstrar amor.

Assim, na Escolinha Saber Fazer, neste ano, Papai Noel não vai entrar. Vai entrar um menino, representando Jesus, porque este, quando adulto, afirmou que o amor ao próximo faz parte do maior de todos os mandamentos.

Referências

  1. (*) Paulo Monteiro, que é membro titular da Cadeira 32 da Academia Passo-Fundense de Letras e pertence a diversas entidades culturais do Brasil e do Exterior