A poesia popular farroupilha

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A poesia popular farroupilha

Em 14/02/2012, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


A poesia popular farroupilha[1]

Paulo Monteiro[2]

Quando comparamos a pequena grande obra de Apolinário, no que tem de poesia anônima, e a obra dos poetas daquele período, salta-nos à vista, uma constatação comum a toda a poesia popular platina. E quer queiram ou não queiram os nossos sabugosas, geográfica e, até certo ponto, humanamente, o Rio Grande do Sul é uma continuidade do estuário do Prata. A constatação é de que temos uma poesia popular, anônima, e uma poesia popularesca, de autores conhecidos, correndo para o mesmo estuário: a gauchesca.

Se as guerras da independência espanhola, no Rio da Prata, criaram a gauchesca, tanto sob os aspectos satírico e belicoso, a Revolução Farroupilha, entre 1835 e 1845, também fez aparecer um equivalente mais esmaecido da gauchesca uruguaio-argentina.

A ANTÔNIO DE SOUZA NETO

Ainda hão de ter a glória

E ganhar-lhes a vitória.

As espadas nos fiéis,

É imóvel, são painéis.

Por montanhas e deserto,

Antônio de Souza Neto.

Nem tão pouco roubos faz,

O poder dos liberais.

Nem cuida dos parelheiros,

Um Tavares, um Medeiros.

De cuidar de parelheiros

Faltando só o Medeiros.

De cavalo parelheiro,

Bento Manuel Ribeiro.

O Lima na retaguarda:

Para os livres não são nada.


Quando os poetas anônimos narravam determinados fatos ou acontecimentos davam a esses poemas o nome de “décimas”, o que não tem nada a ver com a décima, composição estrófica de dez versos. Aliás, a décima, é muitas vezes, a exemplo da trova e do soneto, uma composição poética independente. Quem quiser comprovar o que afirmo acesse o sítio espanhol “poesia pura”, do qual sou um dos colaboradores e lá encontrará muitos autores do poema décima.


AO COMBATE DE INHANDUÍ

Junto à Capela Queimada,

Volantemente arranchada.

Zé Rodrigues e Medeiros,

Por denodados guerreiros.

Um Guedes e um Silveira,

Brilhou a carga terceira.

Com Rodrigues e Medeiros

De invictos heróis guerreiros.


Assim, numa linguagem direta e sem abuso de regionalismos, nossos hoje desconhecidos ancestrais cantaram a história do Rio Grande do Sul. É claro que isso não é uma verdade absoluta. É o que comprova um poema de três quadras, também recolhido por Apolinário (Edição citada, página 83).


Há muito lombilho novo,

Pois já vai chegando o tempo

Pé-de-chumbo, gente má,

Habitar no inferno vá.

Calcanhar de frigideira,

De casar com brasileira?


“As duas quadras seguintes, diziam os farroupilhas, cantavam os legais, quando na cidade do Rio Grande levavam algum republicano preso para o brigue barca ali estacionado.


Xarbiri ao noxo monarca,

Matê-los no vriguevarca.

Boxo partido pardeu;

Bistes Rio Grande?! Nem eu!”


Aliás, a sátira é presença marcante na coletânea organizada por Apolinário Porto Alegre, como podemos ver no poema a seguir, transcrito da página 81:


Quem é que a pátria nos salva?

Quem é besta de aluguel?

Quem nos prometeu cipó?

Quem dos cobres não tem raiva?

Quem pr’a comprar quis?

Quem pr’a roubar não tem manha?

Quem ainda é bem pelintra?

Quem morreu, não volta mais?

Quem dos penicos é praia?

Como se pode ver, o poema acima foge ao padrão comum da poesia popular. Suas estrofes são dísticos, de dois versos cada uma, e com métrica diferente. O primeiro verso é em redondilha maior (sete sílabas métricas), e o segundo de quatro sílabas métricas. O autor usa indistintamente a diérese (Ben-to—Ma-nu-el) quanto à sinérese (O—U-lhoa—Cin-tra).

O que Eno Teodoro Wanke conclui com relação à trova (quadra ou quadrinha) aplica-se a toda a poesia popular. Salta aos olhos que essa “Sátira Gaúcha” e outras composições poéticas recolhidas por Apolinário foram produzidas por alguém que possuía ao menos conhecimentos rudimentares de versificação.

Mais que Bruto e Catão?

Quem por justo a estima goza

Antônio

Está na planta primeira?

Respeitado ainda há de ser

O herói republicano

Serafim Joaquim de Alencastro


VARIANTE

Defende como um leão?

Quem sempre um soldado encontra

Antônio

De república a bandeira?

Vencer a força que oprime

É o que aqui faz com glória

Um republicano


OUTRA VARIANTE

Sem o vício da ambição?

Quem é que sem descanso

Antônio


De nossa melhor fileira?

A essa espada primeira;

João Antônio da Silveira.

Referências

  1. Por questões de espaço, o artigo acima foi publicado de maneira resumida na Revista Somando, Edição 179 – Ano XVII – Fevereiro/2012. Em março sua publicação será concluída no mesmo mensário.
  2. O Autor pertence à Academia Passo-Fundense de Letras e a diversas instituições culturais do Brasil e do exterior. Publicou cinco livros e centenas de artigos e ensaios sobre temas históricos, culturais e literários.