A Mitificação Farroupilha

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A Mitificação Farroupilha

Em 30/11/2004, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


A Mitificação Farroupilha[1]


Antônio Augusto Fagundes é conhecido como apresentador do programa Galpão Crioulo e autor de algumas belas canções gauchescas, entre as quais se inclui o “Canto Alegretense”. É dado a polemizar com aqueles que não aceitam a visão mítica do processo histórico chamado Revolução Farroupilha.

Nico Fagundes, como é mais conhecido, andou divulgando alguns artigos sobre aquele movimento revolucionário. Um deles foi transcrito pela revista SOMANDO (Passo Fundo, novembro de 2004, páginas 28 a 31), sob o título de “As grandes mentiras contra os Farrapos”. Coincidentemente, no mesmo periódico, uma edição antes eu publicara o estudo “Revolução Farroupilha – História e Invencionice”, analisando a visão mítica daquele episódio da história sul-rio-grandense.

Razão assistia a Machado de Assis ao sentenciar:

“Não te envolvas em polêmicas de nenhum gênero, nem políticas, nem literárias, nem quaisquer outras; de outro modo, verás que passas de honrado a desonesto, de modesto a pretensioso, e, em um abrir e fechar de olhos, perdes o que tinhas e o que eu te fiz ganhar. O pugilato das idéias é muito pior do que o das ruas...”

Nico Fagundes, incapaz de reconhecer os documentos e a lógica, empunha a espada verborrágica e desfere golpes como “historiadores frustrados e ressentidos”, “corifeus do mal”, “irresponsáveis” e “canalhas” contra aqueles que não comungam de suas pré-concepções a respeito da história gaúcha. Com isso comprova a exatidão do conselho machadiano, de 1862.

O destempero da linguagem, o local e a data da transcrição do panfleto não me deixam outra alternativa além da resposta. É o que faço nos próximos dez parágrafos, listando e refutando a dezena de “mentiras” que mereceram as espadadas de Nico Fagundes.

É claro que a Revolução Farroupilha foi feita por estancieiros e charqueadores e para defender seus interesses. Como em todas as guerras e revoluções, desde que o homem é o lobo do homem, também nela os pobres é que deram o couro e a carne. Mentira é negá-lo.

Bento Gonçalves da Silva pode muito bem não ter sido ladrão. Agora, que houve até troca de graves acusações entre os próprios caudilhos farrapos, houve. Mentira é negá-lo.

Giuseppe Garibaldi, em suas “Memórias”, confessa que a guerra de corso consistia em tomar, saquear e mesmo incendiar barcos mercantes. Quem adota essa prática militar é conhecido como pirata. Mentira é negá-lo.

Ana Maria de Jesus Ribeiro, mais conhecida como Anita Garibaldi, pode não ter sido “uma reles prostituta”, mas adúltera e bígama ela era. Mentira é negá-lo.

Davi Canabarro traiu os lanceiros negros. Há pelo menos sérios indícios disso, a começar pelo desarmamento e divisão das forças sob seu comando às vésperas do combate de Porongos, ocorrido em 14 de novembro de 1844, a morte, em circunstâncias não muito esclarecidas, do coronel Joaquim Teixeira Nunes, lanceado e degolado no dia 20 de novembro de 1844, e outros episódios documentados. Mentira é negá-lo.

A revolução não chegou a ser derrotada, mas fatalmente o seria. Mentira é negá-lo.

Os farrapos se importavam muito com os negros enquanto lhes interessavam como bucha-de-canhão. Mentira é negá-lo.

A Revolução Farroupilha significou muito para o Brasil, em especial para os positivistas do Rio Grande do Sul, desde as alterações feitas na Bandeira da República Rio-Grandense, como o confessa Nico Fagundes. Mentira é negá-lo.

Porto Alegre era tão a favor dos farrapos que após retomada pelos imperiais jamais voltou a ser ocupada pelos revolucionários. Mentira é negá-lo.

Havia separatistas entre os farroupilhas, tanto que conseguiram manter a República Rio-Grandense de 11 de setembro de 1836 a 28 de fevereiro de 1845. Mentira é negá-lo.

Finalmente, é muito melhor ser “historiador frustrado e ressentido”, “corifeu do mal”, “irresponsável” e “canalha”, ao lado de homens como Moacyr Flores, Luis A. De Boni e inúmeros outros, do que se reunir a energúmenos, mentecaptos e tutti quanti.

Referências

  1. Publicado no Jornal Rotta em 30/11/2004