GTG Lalau Miranda a Força do Tradicionalismo

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GTG Lalau Miranda a Força do Tradicionalismo

Em 31/07/2005, por Welci Nascimento


GTG Lalau Miranda: a Força do Tradicionalismo[1]


WELCI NASCIMENTO


Tradição é o ato de transmitir. Transmite-se valores, conhecimentos. Tradição é memória. Ela se transmite de geração em geração. Em se tratando de Rio Grande do Sul, temos um rico acervo cultural sintetizado na música, na dança, no artesanato, no modo de vestir, nas atividades campeiras, na literatura, na culinária.

O grande escritor gaúcho Augusto Mayer definiu: "tradição é um desejo de claridade". Foi exatamente este desejo de claridade que fez surgir, na década de vinte do século passado, um movimento denominado de Regionalismo Literário, uma espécie de pré-movimento tradicionalista gaúcho, trazendo a tona à cultura gaúcha que estava prestes a desaparecer. Surgiram então os Grêmios Gaúchos, com a finalidade de cultuar as tradições do povo sul-rio-grandense. Era uma antevisão dos nossos CTGs.

O movimento tradicionalista gaúcho começou lá pela capital do estado, Porto Alegre. Estávamos passando pela ressaca da Segunda Guerra Mundial e os americanos queriam nos abarrotar de cultura norte-americana, com suas músicas, roupa, cinema, etc.

O movimento tradicionalista gaúcho no norte do Rio Grande do Sul teve início em Passo Fundo. Em Palmeira das Missões já havia alguma coisa iniciada pelo tradicionalista Wilmar Winck de Soucas, o "Provisório", um dos criadores do "35 CTG", no final da década de 40.

Em Passo Fundo, tudo começou no ano de 1952, nos relatou o saudoso poeta e membro desta Academia, Tenebro dos Santos Moura. Dizia Tenebro que o professor Antonio Donin, também membro deste sodalício, acabava de chegar da cidade de Rio Grande e trazia uma idéia: fundar um centro de tradições gaúchas em Passo Fundo. Reuniu um grupo de amigos, como Múcio de Castro, diretor do jornal O Nacional; Jorge Cafruni, professor, escritor e também membro desta Academia; Ney Vaz da Silva, empresário e, com ele, Tenebro, começaram a conversar sobre o assunto. Dizia o professor Antônio Donin para o grupo: "Está surgindo no Rio Grande do Sul uma sociedade que procura cultuar as tradições do gaúcho, chamada de Centro de Tradições Gaúchas, para impedir que desapareçam, sufocadas pela voragem da evolução, as nossas tradições e a genuína chama gaúcha que, pelo nosso passado heróico, goza de admiração em todo o Brasil

Cafruni, com o dinamismo que lhe caracterizava, pôs mãos à obra e uma primeira reunião foi realizada, logo em seguida, na firma comercial do Sr. Ney Vaz da Silva, oportunidade em que o grupo, liderado pelo professor Antônio Donin, combinou a realização de outra reunião, agora com a participação de lideranças residentes no meio rural e urbano. A reunião foi realizada nas dependências do Clube Comercial. Lá foi constituída uma comissão provisória presidida pelo jornalista Múcio de Castro. Uma outra reunião foi realizada nas dependências do Círculo Operário. As linhas mestras do primeiro centro de tradições gaúchas do Planalto Médio e um dos primeiros do Rio Grande do Sul estavam sendo delineadas.

Em 24 de março de 1952 foi fundado o   Centro de Tradições Gaúchas, cujo patrono é Estanislau de Barros Miranda, conhecido em todo o território passo-fundense como Lalau Miranda. Homem, no dizer dos seus familiares, de razoáveis posses, campeiro, músico e muito bem relacionado, nascido em Passo Fundo em 24 de novembro de 1853, filho de Francisco de Barros Miranda, herói da Guerra do Paraguai e que presidiu o Conselho Municipal de Passo Fundo, em 1865.

Os fundadores do CTG Lalau Miranda escolheram um lema que retratava, muito bem, a aproximação de Passo Fundo com os fundadores do primeiro CTG, o "35" de Porto Alegre: "Em qualquer chão, sempre gaúcho, pelo bem do bem do Brasil". A expressão "pelo bem do Brasil" foi acrescida pelos passo-fundenses, disse-me Tenebro dos Santos Moura.

Os primeiros fandangos foram realizados, ora no Clube Caixeral ora no Clube Comercial. Havia uma reclamação das diretorias: os gaúchos, com suas esporas, estão estragando o assoalho do salão. O primeiro galpão foi construído de forma rústica, como manda a tradição, num terreno doado pela Prefeitura Municipal. Era prefeito o Dr. Daniel Dipp. Certa feita, em reunião da patronagem, o tradicionalista Gonorvam de Almeida Guedes defendeu a idéia de que o CTG deveria ter uma cancha reta para realizar carreiradas. Foi então criada a hípica do CTG Lalau Miranda, na Vila Vera Cruz. Mais uma vez a Prefeitura Municipal fez a doação do terreno nos campos da Vera Cruz. Era prefeito o Sr. Wolmar Salton.

A alma do CTG Lalau Miranda sempre foi a sua invernada de danças. Sob a direção do seu posteiro Ivo Paim, a invernada artística do Lalau percorreu o Rio Grande e o Brasil, nas décadas de 50 e 60, levando a dança e a indumentária gaúcha. A pedido do Dr. Getúlio Vargas, Presidente do Brasil, a invernada de danças do CTG Lalau Miranda foi ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil, para se apresentar no programa Renato Muci, da Rádio Nacional.

A origem da Semana Farroupilha na cidade de Passo Fundo teve como mar¬co uma cessão cívica realizada no Clube Comercial, no dia 20 de setembro de 1952. Depois da palavra do patrão Múcio de Castro, tiveram início as apresentações artísticas. Foram 16 apresentações de arte gaúcha, destacando-se as apresentações de Ivo Paim e Iraí Varela, que tocaram "Perigo na Fronteira e Cavalo Preto". As alunas da Escola Normal Osvaldo Cruz apresentaram um trabalho Iiterário e o professor Cafruni disse uma aplaudida conferência: " O gaúcho, um legado do índio e cavaleiro".

O CTG Lalau Miranda sustenta o programa tradicionalista mais antigo da radiofonia do Rio Grande do Sul. Desde o ano de 1952 vai ao ar, no mesmo horário, o Programa Tradicionalista do CTG Lalau Miranda. Todos os domingos, às 13h.

O CTG Lalau Miranda, nas décadas de 50, 60 e 70, foi uma espécie de embaixador de Passo Fundo, no Brasil e fora dele. Como Teixeirinha, o CTG Lalau Miranda projetou o nome de Passo Fundo nos rodeios e nos fandangos. A sua Invernada Campeira foi muitas vezes campeã dos Rodeios de Vacaria. De sua invernada de dança nasceram, nas décadas de 80 e 90, outros grupos folclóricos que utilizaram as danças gaúchas. Havia uma perfeita harmonia entre as invernadas de danças e dos músicos formada por Ivinho Stefani, Luiz Feldman, Rancho Velho, Menna Barreto, Rômulo Goelzer e o popular Cruzeiro.

A São Paulo Alpargatas, patrocinador do programa da Rádio Farroupilha de Porto Alegre, "Grande Rodeio Coringa", concedeu ao CTG Lalau Miranda, em 1957, a honraria por ter se apresentado naquele programa, dirigido por Darcy Fagundes.

O majestoso galpão crioulo de hoje foi concretizado em várias patronagens:

Eluyr Reschke, Antônio Gasparetto, Antônio Serena, Adão Nascimento acalentaram os sonhos das prendas e dos peões que desejavam uma magnífica sede para os fandangos e rodeios, estes realizados no complexo da Roselândia.

Hoje os centros de tradições gaúchas já não são os mesmos. Como o Lalau Miranda, eles sofrem a influência do modernismo. Já não se cultua o tradicionalismo gaúcho como nas décadas passadas.

O Que há de se fazer, gauchadal

A atual patronagem do CTG Lalau Miranda, comandada pelo tradicionalista Ari Ferrão, coadjuvado pelo 1º Capataz Rogé Resende, procura, com muito esforço, dar atenção às novas gerações, para que o tradicionalismo não desapareça com as gerações dos velhos. É preciso, também, cuidar da área campeira, para não mantermos uma tradição de fantasia, segundo a interpretação de Ciro Dutra Ferreira, um dos fundadores do Movimento Tradicionalista Gaúcho, na década de 1940.

Passados 53 anos, o sonho de professor Antônio Donin, escritor, poeta, homem público, se concretizou, quando vemos a juventude mostrar interesse pelo gauchismo. "Foi a pregação dos tradicionalistas de primeira arranca, que resultou em tudo o que está aí", afirmou o folclorista Barbosa Lessa.

Dos centros de tradições gaúchas, rústicos, simples, nasceram os festivais de música gaúcha, os rodeios crioulos, multiplicaram-se os cantores, os poetas, os conjuntos musicais. Tudo isso se espalhou pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Goiás, enfim, pelo Brasil afora, onde uma família de gaúchos foi morar.

Passados todos esses anos, o Movimento Tradicionalista Gaúcho, fruto do arrojo e do espírito cívico-cultural de um grupo de jovens, tomou conta do coração de todos. O CTG Lalau Miranda vem, desde a sua fundação, cultuando as mais nobres tradições do povo sul-rio-grandense, usando como veículo as suas danças, a música, o passo da chula; e contando prosas e versos, para reativar os usos e costumes de um povo, para, no dizer do professor Antônio Donin, "impedir que desapareçam, sufocadam pela voraem da evolução, as nossas tradições e a genuína alma gaúcha ... "

O CTG Lalau Miranda foi fundado por pessoas da elite urbana, advogados, escritores, empresários, políticos, entre outros, e de uma elite rural, formada por pecuaristas, grandes e médios. Daí a pecha de centro de tradições gaúchas dos ricos, quando começaram a surgir outros CTGs na cidade. Mas não era totalmente verdade. O Lalau Miranda acolhia e ainda acolhe gente de todos os matizes sociais. É que ele teve a sorte de ter nas suas fileiras gente como Tenebro dos Santos Moura, Jorge Cafruni.Múcio de Castro, Ivo Paim, Iraí Varela, Nélson Petry e dezenas de outros nomes, ricos e pobres que, acima de tudo, tinham, como único objetivo, enaltecer as tradições do Rio Grande do Sul e sua cultura.

(Welci Nascimento é titular da cadeira 23 da Academia Passo-Fundense de Letras, que tem como patrono o poeta Casimira de Abreu, e sócio benemérito do CTC Lalau Miranda.)

Referências

  1. Publicado Da revista Água da Fonte nº 3