Memórias da nossa praça

From ProjetoPF
Revision as of 15:14, 8 September 2022 by Projetopf (talk | contribs) (Inserir Artigo)
(diff) ← Older revision | Latest revision (diff) | Newer revision → (diff)
Jump to navigation Jump to search

Memórias da nossa praça

Em 07/05/2008, por Luiz Juarez Nogueira de Azevedo


MEMÓRIAS DA NOSSA PRAÇA

Para não dizer que não falei de flores, como quereria Geraldo Vandré, falarei hoje da praça, precisamente da nossa Praça Marechal Floriano. Praças, como se sabe, não falam e nada sentem. Parodiando Fernando Pessoa, são simplesmente praças, nada mais que praças.

A praça central de Passo Fundo já foi muito mais freqüentada, mais bela e dotada de um encanto que desapareceu nas brumas do tempo. Entre as décadas de 1930 e 1980 do passado século foi o centro intelectual, social, comercial e econômico da cidade. Diante dela, nas ruas que a circundam, bem iluminadas e arborizadas, estavam os principais estabelecimentos da cidade, cinemas, bancos, livrarias, as melhores lojas, além dos bares, restaurantes e cafés mais requintados. Ali pulsava o coração da cidade, onde se viam as pessoas mais elegantes, mais belas e inteligentes. Era para onde vinham, depois das aulas, os estudantes dos tradicionais IE e Conceição e as raparigas em flor do colégio das freiras (Notre Dame). Era na praça que se sabia das notícias da cidade e se discutiam os acontecimentos nacionais e internacionais. Era no célebre Café Elite ou na sala da gerência do Banco da Província que eram tratados os negócios mais importantes. Tudo o que se fazia em Passo Fundo de algum modo passava pela nossa velha praça.

Assim era há pelo menos oitenta anos e nas décadas que se seguiram.

Em sua face sul havia a Casa Floriani, a Casa São Paulo, a Casa das Sedas. Ali funcionava também a Casa A Moda. No mesmo lado havia a revisteira e tabacaria do “seu” Ângelo Grespan, ao lado da loja de couros Kieling, no sobrado que fora a primeira sede do Banco do Brasil. Em frente à Casa Paraíso, de café e bilhares, na esquina com a General Neto, até o fim da década de 50 tínhamos a Casa Edi, dos irmãos Tissot, ao lado do Salão Nacional, já na mesma avenida, nossa mais requintada barbearia, o primeiro salão a receber senhoras para o corte de cabelos. Do lado norte, na esquina da Rua Independência, estavam a Casa Rádio, que, juntamente com o Novo Bazar, eram as mais afamadas lojas de louças, cristais e artigos domésticos. Junto a elas estava a Casa D’Arienzo, especializada em tecidos e armarinhos. Precisamente em frente havia o ponto dos “carros de praça”. Ali estacionavam os primeiros táxis da cidade, onde antes haviam estado os coches de aluguel e seus cocheiros. Na mesma quadra, próximo ao palacete Medaglia e junto ao Banco do Comércio, tínhamos a famosa Farmácia Serrana, com seu magnífico prédio art-nouveau. Ao lado do nascente o quarteirão era flanqueado pelo palacete que sediava o Banco da Província, hoje Banco Itaú, e pela Casa Miotto, a nossa melhor vidraçaria. Ali estavam também o Banco Industrial e o Clube Caixeiral, o lindo palácio rosado da Marechal Floriano. Nos anos sessenta foi concluído o moderníssimo prédio do Turis Hotel e do cinema Pampa, que tinha lugares para 2.500 pessoas, hoje transformado em garagem.

O mais interessante era o lado do Poente, por onde passa a Avenida General Neto. Ali estavam a mais importante livraria os melhores cafés, os restaurantes e os dois cine-teatros: Coliseu (depois Real) e Imperial. Começava, para quem vinha da Avenida Brasil, com a Livraria Progresso, de Paulo Pargendler, oferecendo os best-sellers da época. A casa depois transferiu-se para a Avenida Brasil, onde continuou sob a denominação Livraria Americana. Ali passou a funcionar o Parque Elétrico, de Paolo Battisti, o primeiro a vender aqui geladeiras, chamadas frigidaires, rádios e aparelhos elétricos. Na esquina da rua Independência, vindo de Santo Ângelo, Eleodoro Antunes instalou a sua Casa Sonora. Foi enfrente dela que funcionou o serviço de radiofonia Guarany, de Maurício Sirotski, que foi a origem da radiofonia entre nós, semente do poderoso Grupo RBS.

Seguia-se o mítico Café Elite, também restaurante, inicialmente dos irmãos Bordignon e depois de Alcides Bertoldo, onde depois esteve o Banco Bamerindus. O Elite era o mais importante ponto de encontro da cidade. Ninguém podia faltar ao cafezinho, servido permanentemente nas inesquecíveis xícaras brancas. Ali estavam os industriais, os comerciantes, os médicos, liderados pelo famoso Dr. Sabino Arias e pelo benemérito Dr. Telmo Ilha, depois pelo Dr. Donadussi e pelo Dr. Rudah. Os principais advogados, a começar pelo Dr. Azambuja, com Carlos Galves, Celso Fiori, Frederico Daudt, Verdi de Césaro, Nei Menna Barreto e Pedro Avancini, o rábula mais astuto que aqui tivemos. Mais tarde viriam os professores da Faculdade de Direito, Rache, Busato, Mário Neves, Juarez Diehl, entre outros. E também políticos como Daniel Dipp, Trein e Martinelli, e o jornalista Múcio de Castro. A turma da Cooperativa, de que lembro o inesquecível Júlio Gasparotto. O pessoal do Gaúcho e do 14 de Julho. Freqüentavam o Elite os juizes Germani, Isaac Melzer e César Dias Filho e o promotores Aiub e Boeira Guedes. Por ali estavam o escrivão Maíno, do Fórum e o brejeiro tabelião Honorino Malheiros. Ao lado funcionava a barbearia do José Pacheco (José Barbeiro), prócer do Partido Comunista local, sempre afável e bem informado.

Depois vinha o prédio da Catedral, inaugurado nos anos 50, depois da instalação da diocese, sob a batuta de D. Cláudio Colling, com suas inesquecíveis missas de domingo, onde os padres José Gomes e Jacó Stein, admirados por todos, eram o pároco e o coadjutor.

Continuava com o bar Oásis, hoje pertencente a Jesus Castanho, depois de ter sido de Ernesto Saccomori, de Valentim Norberto e de outros proprietários. Sobrevivente de melhores tempos, baluarte de uma tradição que se está a perder, faz parte da legenda da cidade. Merece ser cantado em prosa e verso, por sua venerável legenda, que se confunde com a história de nossa urbe.

Antes dele havia o Cine Teatro Imperial, construído pelo pioneiro Arthur Rotta. Ali estiveram peças e artistas teatrais famosos, como Procópio Ferreira, com “Deus lhe Pague”. No local consagrou-se nosso grupo teatral Delorges Caminha, de que hoje ainda temos o artista-herói máximo, Paulo Giongo. Ali foram exibidos os clássicos de muitas épocas, filmes da Metro, da Universal e da Paramount, sem falar na filmografia européia da nouvelle vague e do neo-realismo, francês e italiano.

Mais adiante vinha o Hotel Excelsior. Em seu andar térreo funcionava o Café Haiti, super-moderno, dotado de restaurante e boate, onde se podia dançar aos sábados e domingos. Antes estivera no local o Café Colombo, destruído por um incêndio, onde eram servidos chope, guaraná e sanduíches, de sabores inesquecíveis.

Quase terminada a quadra, vinha o fabuloso Cine Real, que sucedera ao famoso Coliseu, também consumido pelo incêndio que levou consigo o Café Colombo.

Por fim, havia o Café Sonora, ao lado da Casa Sonora, de Eleodoro Antunes. O café, com freqüência diferenciada, completava a loja. Ela era a sede de uma indústria e de um comércio significativamente inovadores. Antunes foi quem desenvolveu os primeiros crediários. Também trabalhava com refrigeração comercial. Era um esplêndido homem de empresa, irradiando simpatia e calor humano.

Do outro lado da rua, em prédio até hoje existente, estava o Bar Independência, freqüentado predominantemente pelo pessoal do antigo PTB. Ali era o seu reduto, onde de onde eram concebidas as artimanhas para derrotar o PSD.

Aquela era a praça da minha juventude, de tempos que já se foram. Hoje, quase abandonada, insensatamente transformada e transfigurada, jamais recuperará o esplendor e a alegria de outrora. Como o poeta, a mim só resta indagar: où sont les neiges d’antan?