Mil Milhas de Interlagos de 1961

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Mil Milhas de Interlagos de 1961

Em 2019, por Marco Antônio Damian


MIL MILHAS DE INTERLAGOS DE 1961

A carretera nº 9 de Orlando Menegaz em 2019 Marco Antônio Damian

Desde a primeira edição das Mil Milhas, em 1956, que pilotos passo-fundenses se fazem presentes. Orlando Menegaz, Ítalo Bertão, Alcídio Schroeder, Aido Finardi, Daniel Winick, Silval Bernardon, Rui Menegaz e mais recentemente Nino, Joacir e Edemar Stédile, Hugo Vargas Filho, Marcelo Vargas, Cláudio Ricci, Guilherme Augustin e outros, são nomes que já cintilaram na mais tradicional prova do automobilismo brasileiro. O grande Orlando Menegaz ao lado de Aristides Bertuol, de Bento Gonçalves, haviam alcançado a glória máxima, em 1957.

Porém, em 1961, a sexta edição uma equipe genuinamente passo-fundense rumou a São Paulo. A Carretera Chevrolet nº 9, motor Corvete, embarcou num avião da Cia. Aérea Savag, junto com os pilotos Orlando Menegaz e Ítalo Bertão. A equipe de apoio seguiu via terrestre. O Chefe de Box era Daniel Winick junto com Ruy Barbisan, um fenomenal esportista desta terra. Ambos realizaram vários estudos das médias de velocidade das edições anteriores da corrida e concluíram que andando um pouco acima da média nossos intrépidos pilotos chegariam entre os primeiros colocados.

A carretera nº 9 de Orlando Menegaz em 2019 Marco Antônio Damian

Foram três dias sem descanso. Winick comandava os mecânicos Oribes Marques e Gervásio Ronchi, estes auxiliados pelos também pilotos Sinval Bernardon e Aido Finardi. Numa barraca próxima ao box, Setembrino R. da Silva (assim, apenas com o R. ele gostava de ser chamado) comandava os churrasqueiros “Cabo Velho” e “Ferro Velho Tróglio”. Eles alimentavam a equipe ao mesmo tempo em que espantavam os mosquitos com uma espessa nuvem de fumaça. O velho Czamanski, atento, com sua máquina Roleiflex, registrava fotograficamente aqueles momentos inesquecíveis.

O grid de largada era composto por 44 carros. Em sua maioria modernos FNM/JK, DKW e Simca. Em menor número das carreteras, consideradas ultrapassadas pela imprensa especializada. A nº 9 estava colocada na 11ª posição na largada estilo Le Mans. Os carros em sentido oblíquo e os pilotos em pé no outro lado da pista. Dada a ordem de partida os pilotos correram até seus carros e saíram frenéticamente rasgando a pista. Era exatamente meia-noite.

O arrojado Orlando Menegaz conduziu brilhantemente na primeira parte da prova e ao chegar ao box para a troca de piloto estava na quinta colocação. Com habilidade Bertão devolveu o carro à Menegaz duas horas depois, em terceiro lugar. Ao amanhecer Menegaz travava um duelo de tirar o fôlego com o FMN/JK do lendário Chico Landi.

Os dois entravam e saíam das retas lado a lado, brigando pela segunda posição e fazendo o imenso público delirar. No box passo-fundense a tensão aumentava. Entre pedaços de costela assada, Barbisan confirmava a excelente média de velocidade dos pilotos. Dona Maria Bertão, esposa de Ítalo, sentada sobre um tonel, passara a noite toda anotando nas planilhas, volta a volta. Sono e cansaço nem pensar. Na pista Menegaz deixara Landi para trás, entregando a nº 9 a Bertão para concluir a prova.

A carretera nº 9 de Orlando Menegaz em 2019 Marco Antônio Damian

Outro espetacular confronto então aconteceu. Bertão contra o paulista Camilo Cristófaro, que conduzia a carretara nº 4. Na Curva Um os dois mergulharam lado a lado. Assim, todos os olhares tensos e atentos se voltaram para a reta dos boxes. Para felicidade dos gaúchos Bertão apontou na frente de Cristófaro, chegando ao limite inacreditável de 215 Km/h no final da reta.

Nas dez últimas voltas Bertão, que se livrara de Cristófaro, administrava a corrida na primeira colocação. Mas ao passar pelo box Winick deu-lhe um sinal de alerta. Christian Heins, companheiro de Chico Landi se aproximava perigosamente. O ambiente que era tranqüilo ficou carregado. Orlando Menegaz, com seu forte temperamento, típico italiano esbravejava e soltava palavrões para todos os lados. Rigorosamente ninguém imaginava que pudesse perder uma prova praticamente ganha, mas o perigo de perdê-la começava a assombrar. Bertão que naquelas alturas poupava o motor com medo que ele quebrasse, voltou a pisar fundo. Passou então a ter dificuldades em ultrapassar os retardatários, a maioria paulistas, que “trabalhavam” pela vitória da dupla de conterrâneos Landi/Heins. As últimas voltas no circuito de Interlagos foram de arrepiar. Bertão pisando fundo, fazendo manobras radicais e Heins cada vez mais ao seu encalço. Heroicamente Bertão recebeu a bandeirada final a parcos 12 segundos de Christian Heins. Era a vitória de Passo Fundo em Interlagos, vitória de um grupo de heróis, que trouxe para os rincões do Rio Grande do Sul mais uma vitória sobre os paulistas, numa acirrada rivalidade que perdura até hoje no automobilismo brasileiro.

O box passo-fundense explodiu de alegria. O sacrifício fora recompensado. A festa da vitória foi indescritível e a cidade se enfeitou para receber seus insuperáveis pilotos e equipe. Mesmo as extraordinárias vitórias obtidas por algumas gerações de pilotos no automobilismo, nenhuma foi tão consagradora, tão bela e significativa, quando esta Mil Milhas de 1961.