Discurso de Posse Agostinho Both

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Discurso de Posse Agostinho Both

Em 23/11/2012, por Agostinho Both


Saúdo o presidente Sr. Osvandré Lech e o prefeito municipal, senhor Airton Lângaro Dipp e as demais autoridades nominadas, saúdo meus confrades novos e demais confrades. Amigos e amigas dessa noite. Em primeiro lugar devo dizer que sinto o peso ao representar meus colegas e colher deles, com todo carinho, sua colaboração.

Três são as grandes virtudes reconhecidas pelos gregos como o caminho da felicidade e tão maltratadas no decurso da história, as quais são: Verdade justiça e beleza.

A responsabilidade da academia de letras é com a beleza através da arte de escrever. Somos acadêmicos. E como pertencentes a uma Academia de Letras, comecemos pela origem da palavra academia. Academus, soldado, herói da guerra de Tróia, criou uma escola de preparação física para jovens de Atenas.

Mais tarde a escola tornou-se um centro de ensino do bem pensar: a filosofia cuja finalidade tratava de discutir as realidades que preocupavam Atenas. A filosofia grega também olhou de perto o sentido da arte e da beleza, como é o caso de Aristóteles. Tornar a escrita uma arte exige, como na atividade física e na filosofia, muito exercício. A arte de escrever é retirar da alma a expressão da realidade sobre a qual nós nos debruçamos e, tal atividade de manifestar nossa observação para se constituir em arte, exige o cuidado e o toque do encanto.

Pois, então, academia significa, em nosso caso, um lugar de exercícios para expressar tudo o que nossa alma possa pronunciar e da melhor maneira possível. Tem mais: com o surgimento da modernidade somos chamados não somente a nos conformar com a natureza e com as realidades, sejam quais forem, mas transformá-las, tornando nossa literatura um instrumento de criação que aponta para novas formas de expressão e encantamento literário. Na verdade, o escritor é um instrumento pelo qual as humilhações, tristezas, sonhos raivas e medos pessoais e comunitários se transformam em formas atraentes de ser através do talento, estilo e exercício.

O escritor é como um cozinheiro: não é tanto o alimento que vai dizer de sua excelência, mas os temperos e a mão de quem cozinha.

E por sermos uma agremiação de pessoas, temos o dever de não somente pensar, sentir e dizer de maneira agradável e criativa, mas, conjuntamente, proclamar a arte das letras na reflexão da realidade.

Dizer o mundo com beleza, em nosso caso, por sermos agremiação, também é um exercício de solidariedade, pois Academia Passo-Fundense de Letras, tem por finalidade primordial a prática da Literatura em língua portuguesa, destinando-se a congregar escritores de Passo Fundo, com o objetivo de auxiliálos a desenvolver e expandir a arte literária, em qualquer dos seus gêneros. Os principais objetivos apontam para que as obras dos escritores de Passo Fundo sejam cada vez mais conhecidas e que a memória dos escritores passofundenses, torne-se visível e cultuada. Por regime estatutário ainda somos obrigados a promover a cultura em geral e ampliar as possibilidades de publicação e expansão das obras dos autores locais. Entendo que nisso consiste a nossa principal tarefa. De fato, somos como os olhos os quais não são feitos para verem a si mesmos, mas, como os olhos, fomos feitos para estender nosso olhar às realidades em nosso entorno. E, em nosso caso particular, nossa tarefa consiste em olhar e promover o desenvolvimento da literatura e visibilidade daqueles que a ela se dedicam. E de modo especial daqueles que nos são próximos.

Com alegria, nesse momento, cito as palavras de meus confrades que, como eu, estão sendo introduzidos nessa casa: Uso a palavra de Marisa Potens Zilio que diz Somos uma Academia e como tal devemos viver e primar pela confraria, pela reunião, pela união. Para dar fundamentação de nossa agremiação, quero lembrar Tales de Mileto (624 a.C.), que busca compreender a humanidade contida no ser humano que se distancia, por vezes, da Verdade, da beleza e da justiça. Ao refletir sobre estas virtudes encontramos dificuldades e a perfeição anda trôpega, não poucas vezes.

Tales de Mileto, então, torna-se um Educador que através de constatações alerta nossa condição humana. Tales também é um observador da natureza e particularmente da natureza humana: sem dúvida fonte de inspiração para todas as formas de expressão nas Artes e nas Ciências. Milhares de anos de caminhada e parece que ainda andamos em rodeios. Então, com esperança, colocamos nossos pensamentos em nossos escritos para que alguém possa construir novas ideias, novas dimensões; somos assim colaboradores desta humanidade que busca a perfeição; colaboradores desta academia, oferecendo o nosso de escrever prazer (nem sempre divino, nem perfeito).

Quero ainda lembrar Gabriel Bastos, meu patrono, retirando de seus escritos alguns pensamentos e que servem para nossa academia. “ Loucos e Santos” Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.

Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim. Tomo, agora, a palavra de José Ernani de Almeida: Quando recebi a notícia de que havia sido acolhido na Academia, lembrei-me de um trecho precioso de Machado de Assis, em Esaú e Jacó, no capítulo 65, onde se lê: “Conte com as circunstâncias que também são fadas. Conte mais com o imprevisto. O imprevisto é uma espécie de deus avulso ao qual é preciso dar algumas ações de graças; pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos”.

Meu trabalho como historiador é dos mais modestos. Assim, atribuo a minha escolha ao imprevisto, às circunstâncias – de que fala Machado – aos laços de amizade com integrantes desta academia, aos quais manifesto meu mais profundo agradecimento pelo acolhimento.

Como historiador gostaria de lembrar que costuma-se dizer que o tempo passa e morre, esquecendo-se de acrescentar que renasce a cada instante. Do mesmo modo é preciso recordar que a história continua, com fases de inquietação e sofrimento, intercaladas de fases de serenidade e alegria (na ausência das quais ninguém suportaria existir). A estas alternâncias não devemos opor nem a saudade, nem a indiferença, nem o desencorajamento, mas a compreensão, mesmo que seja fragmentária e falível. Aí, pois, entra nossa tarefa de escrever, para que não se apague o sonho humano de ser.

Enfim, como historiador e escritor, minha contribuição será esta: a de não se apagar o sonho humano de ser. Estarei, assim, contribuindo também com a Verdade e a Justiça. Finalmente quero dizer que chego a esta academia, como cantou o inesquecível Luiz Gonzaga Jr, em uma de suas mais belas canções, para “ cultivar a beleza de ser um eterno aprendiz”. Esse apelo é que me torna historiador e escritor.

Me aproprio, nesse momento, das ideias do confrade Júlio César Perez: O ingresso na Academia Passofundense de Letras significa para mim o coroamento de um esforço que veio desde os meus 14 anos quando, residindo ainda em Gaurama – RS, decidi que iria me tornar um escritor. Após 30 anos e 3 livros publicados, posso considerar que esse esforço rendeu frutos e o meu acolhimento neste Sodalício representa o reconhecimento desse trabalho. O que muito me lisonjeia.

A carreira de um escritor não é uma tarefa fácil. Ao contrário, é uma atividade cheia de avanços e recuos e requer de quem decide singrá-la uma excepcional iniciativa e força de vontade. Na verdade, decidir singrá-la não é bem o termo, pois antes de sermos nós que escolhemos, somos nós os escolhidos.

Afinal, a Arte precisa de trabalhadores e os recruta entre aqueles que revelam alguma sensibilidade, um amor incomensurável ao Belo e a crença de que podem transforma o mundo através das letras, das notas musicais, das cores da paleta ou das formas da escultura. Todos os meios, enfim, pelos quais a Arte se manifesta.

Escolhido, pois, pelas Letras há mais de 30 anos, não recusei a distinção que exige muitos sacrifícios e renúncias, mas que também nos proporciona grandes realizações. A edição de um livro, mas antes disso, a criação de um poema, de um conto, a concepção de um romance, o duro labor com as palavras, quando este se resolve na forma acabada que, intuímos, irá ficar para a posteridade, são momentos que só rivalizam com as grandes conquistas da vida de um homem.

Quiçá, como o nascimento de um filho, o começo de uma empresa de sucesso ou a conquista da mulher amada.

Para finalizar outra ideia ainda nos surge. Queridos confrades, noviços das letras, lembremos que entre as primeiras solicitações da direção de nossa Academia se referem à intenção de expandir o movimento literário, tornando nossa academia parceira de outros parceiros na literatura. E, na segunda semana das letras, ficou anotado aqui, e muito, sobre a importância de encontrarmos caminhos para melhoria da visibilidade de nossos escritores. Esta ideia pode levar a que tenhamos novas ousadias. E tal ousadia tenhamos a ponto de romper com a geografia que facilita a visibilidade e a produção de escritores que habitam capitais e os maiores centros.

Que ao menos façamos o dever de nos associar aos esforços de habitar de forma solidária e ampliada os nossos espaços e, assim, por força de uma física de poder e da vontade, superar os mares adversos aos navegadores das letras. Ainda que, sem inventividade de Cervantes que, de um parvo sobre um burro e de um louco sobre um cavalo, fez talvez a mais bela criação literária, tenhamos a coragem de sermos o que somos e o que ainda pode ser. Que tenhamos um pouco da coragem de Homero que fez de Ulisses um navegador do desconhecido, mas descobrindo que o melhor lugar é sua casa. Rigorosamente como Tolstoi: Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia. Ou como diz Oscar Wilde ao um amigo que pretendia ser escritor:

Por mais simples que seja o objeto de nossa paixão que seja bem olhado e dito por nossas mãos. Pois bem, não nos faltarão motivos os quais vão desde os clamores de nossa aldeia até o mais trivial objeto ou paisagem. Pedimos competência divina fazendo brotar palavras das quais se fazem livros para a ternura e o encanto nosso e de nossos leitores. Assim falamos respeitando a tradição grega que diz: fomos feitos de barro, mas o deus do sopro soprou sobre a argila, resultando alguém frágil e ao mesmo tempo divino, pois a partir de então podemos falar como falam os deuses. Mas por tal elevação a que fomos destinados, a tradição diz que os deuses pediram que o deus Cuidado nos cuidasse até o momento que nosso sopro se extinguisse, voltando ao barro o que é do barro e a Deus o que é de deus. Assim, enquanto existir nossa divina inspiração e o pronunciamento da palavra, vamos dizê-la ao nosso modo para alegria nossa, dos nossos leitores e de Deus. E que consigamos pronunciála sob as formas de um papiro, e-book, tablets, face book e dando a nossa mais legítima versão sobre tudo que os olhos e a inspiração nos concederem

Não percamos a compaixão, a ternura e a ética que nos permite amar nossa habitação: Não somente a habitação de nossa intimidade, nossa casa querida, ausência de nossa solidão, mas nossa comunidade, extensão primeira de nós mesmos.

Passo Fundo, 23 de novembro de 2012