O sonhador e o sofrimento

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Titulo
Capa
Descrição da obra
Autor Agostinho Both
Título O sonhador e o sofrimento
Assunto Romance
Formato E-book (formato PDF)
Editora Projeto Passo Fundo
Data da publicação 2018
Número de páginas 258
ISBN 978-85-8326-320-3
Formato Papel 15 x 21 cm
Data da publicação 2018
Número de páginas 254
ISBN 978-85-8326-321-0

]] O sonhador e o sofrimento - Aqui é narrada a história de um homem de convicções pouco ortodoxas, entretanto passou a vida fazendo o bem. Mais que os conflitos afetivos de um homem e uma mulher, transcendeu Frei Joel, analisando a austeridade judaica e a ternura de Deus em Cristo. Viveu franciscano entre colonos tendo a Cristo como um homem, mas em tudo o divino o chamava a realizar bravuras de Odisseu. Nada do homem lhe foi segredo. Morreu sem consciência do bem que fez. A velhice roubou o dom da comunicação, deixando, em escritos, memórias comunicativas.

Livro escrito por Agostinho Both, publicado em 2018

Apresentação

do Primeiro Capítulo, pelo Autor

O Intenso Frei Joel

Por exigência de meu psiquiatra vou falar de minha vida. Velho, concluo meus exercícios de escrita, entre esquecimentos e lembranças. Ao desmoronar de meu espírito, me escondo na terceira pessoa que é pra não passar tanta vergonha de meus feitos e defeitos. Por vezes vou incursionar na primeira pessoa, tamanhos são meus sentimentos, pois não consigo me ver distante de mim. Divido, então, por mérito franciscano o que me pertenceu. Não esgoto minha história ainda que me revele mil vezes. Falo porque Deus é grande numa só pessoa.

Joel Francisco Bigliardi é meu nome.

Por força de costumes e da fala, tornei-me conhecido por Jobi. Meu pai, Jarbas Patrício Bigliardi, casado com Jesualda Veríssimo. Homem de compenetradas intenções, queria ter um filho santo para garantir sua salvação, entendendo as políticas divinas com vícios de nepotismo. Jesualda, colaboradora, firmava os desejos de seu homem, seguindo com rigor o que era pretendido: vai ser um homem de bem nem que seja na marra. Assim me educaram. Uma vara à altura das mãos sobre a prateleira era um dos meios eficazes em direção à santidade. Começo como guri, andando pelos doze. Os pais já percebiam que o santo nem das varadas se assustava. Até minha bunda resistia à submissão, ainda que roxa das varadas.

A mãe, certa feita, moeu a pau o meu lombo só pela razão de não querer ordenhar a vaquinha Jaguané.

–– Isso é judiaria. A pobrezinha anda seca. Só falta arrancar as tetas. É capaz de o ubre cair inteiro pra que se tire a última gota, argumentava.

–– Vai lá piá, o que é que tá pensando que é?

O sangue adolescente subiu pelas ventas indo todo parar no couro cabeludo.

–– Vão todos à merda!

A vara cantou pela última vez sobre mim.

Muita tensão e dúvida atravessaram a casa.

–– Pegou pesado demais, disse o pai.

–– Menos que você pega, retrucou a mãe.

Os dois passaram mais de uma hora em severa discussão. Não

chegaram a se bater por causa de um vizinho, que chegando, falou.

–– Por que isso, gente?

–– Por causa do Jobi.

Não é ele que está indo pros franciscanos?

–– É ele mesmo, suavizou o pai.

–– O que tem o guri?

–– Não quis tirar leite da vaquinha Jaguané!, interveio a mãe.

–– Foi por causa daquela coisinha que começou tudo?, brincou

o vizinho.

–– Foi!, resmungou Jesualda.

–– Acho que é porque carrega o nome de Francisco que ele se penalizou da pobrezinha, falou o pai.

–– Pode ser, pode ser, concluiu o vizinho Rafael, esgotando o papo.

Nesse momento apareci com uma malinha na mão.

–– Fui, gente. Tô indo pegar o ônibus. Vou pro seminário antes que tirem o meu couro pensando que sou boizinho. Vou me consagrar a Deus pra ver se tiro essa natureza, que a mãe diz que é do diabo.

–– Vai não filho, vai não, meu menino. Desculpe o jeito nervoso da mãe!

–– Meu anjo diz que é pra ir, e vou! Tomei de meu dinheirinho ganho na primeira comunhão: o suficiente pra pagar um semestre. Se acaso sentir saudade vou lembrar a última surra.

Agarrei a estrada, decididamente.

–– Deixe que vá, falou Jarbas.

–– E eu como é que fico, filho?, gritou a mãe.

–– Fique com teu Deus e com tua vara.

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