Saudosa Maróca

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Saudosa Maróca

Em 30/08/2005, por Marconi De Césaro


Adoniran Barbosa compôs o samba “Saudosa Maloca”, o que me fez parodiar: “Saudosa Maroca”.

Bons tempos aqueles idos de 1943 a 1948 quando a vida noturna na provinciana Passo Fundo, tinha evidência nos cafés Colombo e Elite, nos cinemas, em apogeu na época, e agora algumas matinés dançantes e bailes mensais nos clubes Comercial e Caixeiral, tinha sua continuação no Cassino Palácio, situado na esquina da rua VX de novembro com a General Osório, mais conhecido como “Cabaré da Maroca. No início da minha adolescência, “Casas de Tolerância” como eram chamadas na época, isto é nas casas de prostituas, difusas em algumas ruas de Passo Fundo. Sobressaía o “Bico Verde” um prostíbulo situado na rua Capitão Eleutério entre a Moron e a Avenida Brasil, onde todas as noites um brigadiano armado com um espadão fazia guarda a porta. Na época o progresso houve por bem desalojar a prostituição para a periferia da cidade, “deportando-a para a rua XV de Novembro entra a Rua Independência e adjacências da General Osório. Ali na “Zona” como era chamada, sobressaíam o Cassino Palácio e o dancing Elite, mais conhecido como “A Albertina”.

Vinha a ser as boates da época. No prédio da Maroca no piso inferior, estava instalado o Restaurante, no térreo funcionava o salão de festas com pista de dança, mesas e a copa, no andar superior era (creio eu) a residência da Maroca e a família. As noitadas eram animadas por uma pequena orquestra composta por quatro músicos, e pelo “cabaretier” mestre de cerimônias chamado Flores, um gay alto espaúdo e elegantíssimo, e mais dois garçons gays, Miguel um tanto franzino afeminadíssimo e o Marcondes, este mais parecia um lutador de Box pelo físico e pelo rosto de feições rudes e secas. Naquele tempo, em plena guerra, graças ao contrabando de pneus para aa Argentina, o impulso da importação de madeira para “los Hermanos” a fabricação de gasogênios para caminhões e automóveis carentes de combustível em decorrência da guerra, sobrava dinheiro em Passo Fundo, e com o mel chama as moscas, a XV de Novembro regurgitava de operárias do amor e pelo Cassino Palácio (perdão “A Maroca”) e o dancing Elite, desfilaram cortesãs  de vários naipes, onde muitos micronababos que a propriedade da época ia formando, arrotavam grandeza mandando servir champagne. Lá pelos meados de 1944 a semente de uma orquestra típica que marcou época aqui nos pampas foi plantada pelo maestro Estebam Zabalia, um castelhano exímio tocador de bandoneon, que começou a intercalar-se com o conjunto regional do Velho Aristeu Barbosa, um virtuose no saxofone. Alguns meses o maestro Zabalia tocou sozinho, a impressão que me dava, é que da maneira que ele se entregava à música, parecia fundir-se com o instrumento, extravasando sentimento no que tocava. Bastou pouco tempo para que o maestro contratasse um pianista e um violinista, logo depois um cantor e outro bandeonista, resumindo o maestro Zabalia formou sua orquestra na Maroca, burilando-a em apresentação na ZYF5, sob a égide de Maurício Sirotsky, e alguns tempos depois alçando voos mais altos foi para Porto Alegre.

Em 1944, Passo Fundo e especialmente a Maroca receberam a visita de um ilustre; nada mais nada menos que Ari Barroso um dos ícones da música popular brasileira. Acontece que naquele ano, Ari com sua comitiva que voltava por linha férrea talvez de Porto Alegre para o Rio de Janeiro, não previu que os funcionários da extinta viação férrea entraria em greve naqueles dias. Vai daí que ficou “embretado” em Passo Fundo, justamente num sábado quando os ferroviários pararam. Naquela noite talvez tenha ido ao cinema, e após tenha procurado mais diversão noturna. O caso é que lá pela meia-noite, o senhor e senhor Ari Barroso e mais dois casais acomodaram-se em dias mesas no amplo do cassino. O Ari e os seus devem ter se divertido a beça com a entusiástica verborragia que acometera o simpático Flores, rasgando-se em elogios e rapapés ante tão ilustre comitiva.

Lembro que o Aristeu que não era nada acanhado, empunhou o sax e caprichou na execução do samba “Na baixa do sapateiro” do ilustre visitante, o que lhe valeu os aplausos da pequena comitiva e creio que pela execução porque o Ari levantou-se e foi cumprimenta-lo. Aquilo foi a glória para a velha Maroca, toda sorrisos aquela noite.

Lembro outra noitada, esta não teve brilho nenhum pois ia transformando a pista de danças num ring. Num sábado, lá pelas tantas adentraram quatro indivíduos bem trajados, mas que já entraram afim de anarquia. Em menos de uma hora deu para perceber que se tratavam de viajantes comerciais do Rio de Janeiro. Arrotavam grandeza e superioridade, ridicularizando algumas meretrizes enquanto dançavam, mas um deles teve o azar de parar na frente de uma mesa onde estavam aboletados quatro operários graduados na firma Menegaz, e gritar acintosamente um:

- Viva o Vasco!

A música parou, o silêncio tomou conta do salão e o sujeito se deu por conta que passara dos limites e voltou para sua mesa. Os rapazes da Menegaz confabularam num instante e um deles conhecido meu, atravessou a pista de danças até a mesa fazendo balançar copos e garrafas e soltando um sonoro:

- Viva o 14 de julho!

Pôs as mãos na cintura e ficou encarando os tais. Enquanto os outros três iam levantando os companheiro do operário já iam atravessando a pista de danças, mas antes que chegassem as vias de fato, a Maroca surgiu rebolando as opulentas nádegas e impôs ordem autoritariamente gritando:

- Parem já com essa anarquia, ou saiam para fora, vocês estão pensando que isso aqui é o Clube...

Obviamente omito o nome do Clube que existe até hoje, por se tratar de uma entidade social, tradicional e respeitável onde as brigas em bailes e carnavais aconteciam com regularidade. Mas como a expansão da cidade mais uma vez empurrou os cabarés e dancings para a periferia, o Cassino Palácio entrou em decadência e daquele local estudante de luzes, música e vida, resta apenas o prédio naquela esquina, frio e inexpressivo, apenas marco de uma época.

Referências