O Relógio da Tapera

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O Relógio da Tapera
Descrição da obra
Autor Fidélis Dalcin Barbosa
Título O Relógio da Tapera
Assunto Crônicas
Formato E-book (formato PDF)
Editora Projeto Passo Fundo
Publicação 2014
Páginas 146
ISBN 978-85-8326-075-2
Formato Papel 15 x 21 cm
Editora São Miguel
Publicação 1969

O Relógio da Tapera FOI HÁ MUITOS ANOS — À meia-noite em ponto, quando o velho relógio de parede batia as doze badaladas, deu-se um crime monstruoso naquela casa. O cronômetro vibrou freneticamente a última pancada e, horrorizado, lavrando um protesto, deixou de andar. Os ponteiros imobilizaram-se, um sobre o outro, marcando a hora do crime. Parou e não houve que pudesse fazê-lo andar. E ninguém foi capaz de apeá-lo do seu prego na parede. O relógio deixou de andar, mas à meia-noite em ponto, toda s as noites, continuou a vibrar as doze marteladas. A família nunca mais encontrou sossego, como perseguida por negra maldição. Foi compelida a abandonar a fatídica moradia. O relógio lá ficou, sozinho, na tapera assombrada, a bater teimosamente as doze badaladas, à meia-noite em ponto. O rolar dos anos desmoronou a velha casa abandonada. Do relógio ninguém mais soube notícias. Dizem que à meia-noite ele aparece, suspenso ao paredão, na outra margem do rio, de fronte ao local da tapera. Ouvem-se, então, as sinistras pancadas, assinalando a hora do crime..

Apresentação

Prefácio, por Ermano Varaschin

Em “O RELÓGIO DA TAPERA”, especialmente os que se dedicam à pesquisa das coisas do passado, encontram, como em velho armário, objetos do mais profundo sentido humano.

Esses objetos, são os fatos históricos que entreabrem o espírito do leitor para acontecimentos ocorridos em fins do século passado, princípios deste, bem como fatos da época em transe, sobre os quais, confessamos a rara fidelidade como são narrados.

Neles sentimos desde a chama que envolve a isca fatal à pomba rameira, os socós sonolentos que espalmam suas asas como um brado de paz, as aves pescarejas que montam guarda junto à lagoa-vermelha, — o corte transversal que joga em cena o descampado incomensurável que se perde no infinito, vez por outra respingando de caponetes solitários — densos buquês de ipês, canjeranas e maracujás — que junto aos grotões serviam de poleiro seguro aos desmandados da época e os temíveis grupões de bugres sedentos do sangue dos brancos.

Parte deste quadro é um poema, para os acampamentos revolucionários de 93, 23 e 30, descrevendo junto à natureza, toda uma paisagem humana que ensopou de sangue o solo mártir do Rio Grande.

Com singular presteza de ideias, nos remete aos caudilhos, valentões, fantasmas e lobisomens que povoavam este torrão gaúcho e como tapejaras incansáveis se gabavam de ser os donos da querência.

Numa suavidade de entardecer sorridente escava e escavaca da memória dos antigos, casos e fatos, lendas e acontecimentos que serviram de néctar delicioso à formação desta grandiosa colmeia nordestina.

É maravilhoso o “Relógio da Tapera”, pois leva o registro histórico de nossa gente, para o mangueirão grande de nossa memória e deita no chão gaúcho um pouco mais de cerne de tarumã que serviu de esteio na formação da raça. É bem verdade, como este prefácio, encerra a humildade de quem não pensa em revolucionar a literatura, mas tão somente narrar com modéstia as coisas do passado, os fatos preteridos, nascidos, crescidos e tornados grandes neste planalto soberbo do vetusto continente de São Pedro.

Iniciando pelas primeiras tropeadas do ser civilizante pelas paragens do altiplano, marcando no rastro das andanças a imagem dos centauras que de lança em punho, nos entreveros legendários das revoluções, riscaram desde as montanhas às canhadas, sob a barragem de fogo dos entreveros a mais vibrante história deste povo.

Retalhos encantadores da vida de nossa gente, são descritos pelo Autor, como que embebidos na promessa da natureza em ressurgir de um acervo de escombros o ninho sagrado do Rio Grande. A formação social deste lado de nossa terra, nasce, parece ainda estar nascendo emoldurada entre os recortes apenínicos, junto ao tombo das cascatas — cenário infinito de coloridos — que serviu de tabuleiro às disputas, aos embates, choques e contramarchas, têmpera de ferro ao caldeamento da raça.

Ao terminar a leitura de “Relógio da Tapera”, sente-se o leitor com a sensação de quem está retornando de uma longa viagem, havendo deixado para trás, os campos desertos de seres e almas, metralhas e tumbas, refregas e cargas. Regressa, olhar embriagado no dorso das coxilhas lágrimas de saudade que batem como chuva predileta na porteira erguida entre as tronqueiras do passado.

Um corisco pensamental corta o horizonte e aos poucos as imagens se apagam. Ficam, contudo, os contornos da Tapera, envoltos em guanxumas e capim de santa-fé. Encostado ao velho cinamomo, algum crioulo perdido, rebate nas horas perdidas do relógio fantasma o sangue que pulsou nas veias da terra.

Vacaria, 3 de outubro de 1969. (Ermano Varaschin)

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Referências