Boca Maldita, a tribuna do povo

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Boca Maldita, a tribuna do povo

Em 04/03/2016, por Daniel Rohrig


Boca Maldita: a tribuna do povo

Daniel Rohrig[1]

Sociedade Civil Boca Maldita Foto: 2016 Admin

Um local símbolo da luta pela liberdade de expressão em Passo Fundo torna-se inspirador, em tempos de democracia fragilizada.

O monumento é fácil de ser encontrado, até porque ele fica logo ali, na República dos Coqueiros, defronte a Catedral Nossa Senhora Aparecida. O endereço parece ser um pouco confuso, mas para os moradores mais antigos de Passo Fundo, faz referência ao canteiro central da Avenida General Netto, no centro da cidade. O bloco de pedra em forma de escadaria encontrado no local, muitas vezes nem mesmo chama a atenção de quem circula pela região. A Boca Maldita é conhecida até hoje como símbolo da liberdade de pensamento, criada nos tempos tumultuados de reabertura política, antes do fim da ditadura militar no Brasil.

Segundo o estatuto civil da sociedade, a entidade tem o caráter filantrópico-cultural, sem fins lucrativos, fundada em 05 de Abril de 1982. A sua duração é indeterminada, com sede em Passo Fundo, tendo como objetivo principal a prática da oratória, em defesa da liberdade de expressão.

Na placa de ferro fixada junto à tribuna, encontra-se a lista dos fundadores da Boca Maldita. Ao lado do cargo de Diretor-Presidente da sociedade, está o nome do nosso primeiro personagem, o advogado Irineu Gehlen, 78 anos. Durante um passeio por Curitiba, ainda na década de 1980, o advogado avistou um local onde pessoas faziam o uso da palavra para expor suas ideias. Gehlen ainda não sabia, mas estava diante da primeira tribuna livre do Brasil, inspirada em manifestações semelhantes ocorridas na Inglaterra.

Quando retornou para Passo Fundo, o advogado sentiu a necessidade da criação de um espaço para o exercício de uma democracia direta, onde o povo debate questões de relevância social em praça pública, semelhante aos tempos clássicos da Grécia.

– O contexto daquela época era muito semelhante ao que está acontecendo hoje no cenário político brasileiro. Havia muita reclamação popular durante o governo militar. O povo estava sufocado pela ditadura, e sendo assim, criou uma entidade, legal, para expor suas ideias sem sofrer qualquer consequência em virtude do regime.

Irineu Gehlen entrevista Foto: 2016 Daniel Rohrig[2]

Em entrevista, Irineu Gehlen explica o funcionamento e os objetivos da sociedade-civil Boca Maldita.

Com uma simples pesquisa nos sites de busca da internet, poucas respostas acerca da história da Boca Maldita são encontradas. Sendo assim, chegamos ao nosso segundo personagem. A coordenadora do curso de História da UPF, Gizele Zanotto, está a frente de um levantamento do patrimônio imaterial de Passo Fundo, que em breve se tornará uma publicação. Para ela, entre os temas e fatos ainda carentes de investigação está a tribuna Boca Maldita.

Professora Gizele Zanotto Foto: 2016 Daniel Rohrig[3]

Professora Gizele Zanotto, uma das coordenadoras do projeto Momento Patrimônio.

-Apesar da importância histórica e social da Boca Maldita, temos ainda poucos dados sobre a mesma. É necessário  reunir depoimentos, documentos e registros relacionados à criação, significados e usos da tribuna.

Gizele ressalta ainda, que o trabalho de reunião de documentos e de depoimentos tem importância fundamental, pois marca não só a organização inicial de um acervo sobre o tema, como também torna possível o resguardo da memória social da cidade.

Em 06 de Abril de 1982, o Jornal O Nacional publicava “Grande público prestigiou a inauguração da Boca Maldita”. Com a mesma manchete, a notícia era a capa do Jornal Diário da Manhã. Ao lembrar dos primeiros anos de atividades na tribuna, Gehlen conta que até militares faziam parte da Boca Maldita em Passo Fundo, participando dos encontros e das discussões em praça pública.

Pode ser gente, bem, pode ser, poder ser gente boa, na boca não tem pode ser, não pois a boca não perdoa. A boca falou, seu doutor, tá falado, sim senhor. A boca pichou, seu doutor, ta pichado.

A importância do local aumentou ainda mais em 1995, quando através de uma lei municipal, a Boca Maldita se tornou palco oficial de manifestações sociais na cidade. De acordo com o texto, além da tribuna, a Gare da Viação Férrea, o Altar da Pátria, a Praça do Teixerinha e a Praça da Mãe, na Avenida Brasil são lugares específicos para a realização de todo o tipo de mobilização popular.

Referências

  1. Acadêmico do Curso de Jornalismo da FAC/UPF e estagiário do Nexjor
  2. Em entrevista, Irineu Gehlen explica o funcionamento e os objetivos da sociedade-civil Boca Maldita.
  3. Professora Gizele Zanotto, uma das coordenadoras do projeto Momento Patrimônio. Foto: Daniel Rohrig