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Pode-se afirmar, por isso, que a Faculdade e a Universidade, com todas as riquezas materiais e culturais que trouxeram, são o testemunho concreto e perene do descortino e da visão de futuro dos advogados passo-fundenses, de todas as gerações, representados por aqueles verdadeiros varões de Plutarco, aos quais dediquei este estudo.
Pode-se afirmar, por isso, que a Faculdade e a Universidade, com todas as riquezas materiais e culturais que trouxeram, são o testemunho concreto e perene do descortino e da visão de futuro dos advogados passo-fundenses, de todas as gerações, representados por aqueles verdadeiros varões de Plutarco, aos quais dediquei este estudo.
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Os mais antigos advogados de Passo Fundo

Em 31/05/2011, por Luiz Juarez Nogueira de Azevedo


Os mais antigos advogados de Passo Fundo[1]


Os primeiros advogados, de cuja atuação se tem notícia, em Passo Fundo, foram Antônio Ferreira Prestes Guimarães — o famoso General Prestes Guimarães — e Gervásio Lucas Annes — o renomado Coronel Gervásio. Prestes era passo-fundense da gema, descendente direto do fundador Cabo Neves. Gervásio, que pertencia a tradicional família de Cruz Alta, veio para cá, ainda no Império, como exator de rendas, logo se consorciando com uma filha do primeiro presidente da Câmara, Manoel José de Araújo, e aqui permanecendo até o seu falecimento. Isso aconteceu na segunda metade do século XIX, logo depois da instalação da comarca, que se deu em 1875, tendo como primeiro juiz de direito, o Dr. James de Oliveira Franco e Souza.

Nenhum dos nossos dois primeiros advogados era bacharel formado.  Na época, poucos rio-grandenses, a não ser aqueles muito abonados, filhos de grandes fazendeiros, conseguiam graduar-se em Direito.  Os estudantes daqui tinham que fazer seus cursos em São Paulo ou em Recife, mais distante ainda. Por isso, poucos filhos do Rio Grande — e nenhum de Passo Fundo —  iam   estudar naqueles centros de ensino jurídico,  para  depois  retornar ao pago como bacharéis ou doutores em Direito.  Entre os escassos exemplos, figuram os notáveis Júlio de Castilhos, Assis Brasil, Ramiro Barcellos e Pinheiro Machado, todos filhos de fazendeiros. Para confirmar a regra com a exceção, parece que somente Borges de Medeiros, que fez seus estudos em Recife, era filho de juiz — mas também fazendeiro. Formados, os jovens bacharéis gaúchos, depois de se adestrarem em alguma promotoria, em seguida ingressavam na política. Era nessa atividade que os mais notáveis se consagravam.  Salvo no caso de Borges de Medeiros, que foi antes desembargador, nenhuma atuação expressiva da maioria deles se registra, na advocacia ou na magistratura.

Tanto não havia bacharéis em número suficiente no Rio Grande que, durante todo o período monárquico e mesmo depois dele, os juízes e desembarga- dores, quase todos, eram oriundos das chamadas “províncias do norte”. Nossos juízes, em verdade nordestinos, eram capixabas, paraibanos, pernambucanos, alagoanos, sergipanos e baianos, principalmente. O curioso é que entre nós as pessoas nascidas acima de Minas Gerais eram geralmente conhecidas, de modo um tanto pejorativo, como “baianos” — o que significava o indivíduo que não era bom cavaleiro, que não sabia montar. A despeito disso, eram baianos, no melhor sentido e em sua maioria, durante muito tempo, os juízes que tivemos no Rio Grande do Sul.

Em sua trajetória, Prestes Guimarães e Gervásio — os dois ocupando atual- mente imponentes mausoléus no cemitério da Vera Cruz — não destoaram da regra.  Embora, seguramente, tivessem exercido a advocacia, foram antes de tudo políticos e, além disso, adversários implacáveis e rancorosos.


Prestes Guimarães


Prestes Guimarães pertencia ao Partido Liberal, e Gervásio, ao Partido Conservador. Ambos se digladiavam na disputa do poder, no regime parlamentarista do Império. E ambos foram vereadores e deputados provinciais no período monárquico, representando seus distritos eleitorais e seus partidos.

Instalada a República, Prestes, que não apoiou o novo regime, passou para o Partido Federalista, que ajudou a fundar, acompanhando Silveira Martins. Nessa condição, integrou a Junta Governativa que sucedeu a Júlio de Castilhos, por volta de 1891, o célebre “governicho”. Pode-se dizer, por isso, que Prestes foi até agora o único passo-fundense que governou o Rio Grande.


Gervásio Lucas Annes


Gervásio Lucas Annes, trocando o Partido Liberal pelo Partido Republicano, tornou-se o maior prócer desse último na região do Passo Fundo, um imenso território no qual foi o chefe político incontestável, como era costume na época, até o seu falecimento, por volta de 1917. Dirigiam então o estado, com mão de ferro, primeiro Júlio de Castilhos, e depois Borges de Medeiros. Gervásio, como fora no Império, na República também foi deputado estadual e aqui intendente (prefeito) e o caudilho local. Ele e Prestes chegaram a enfrentar-se no campo de batalha, comandando forças antagônicas, em combates havidos no município durante a Revolução de1893-1895, que ensanguentou o estado e o dividiu por muito tempo. Dessas lutas provêm, segundo os estudiosos, as inconciliáveis divisões que até hoje marcam a sociedade rio-grandense. Depois de celebrada a paz, Gervásio e os “chimangos” do Partido Republicano continuam a manter um rígido controle do poder político local, com o castilhismo, o borgismo e o getulismo, além de outros “ismos”, e até mesmo depois da Revolução de 1930, durante o Estado Novo, passando pelo período da redemocratização, que perdurou de 1945 a 1964 e, com intermitências, prosseguindo até hoje.


Os primeiros advogados do século XX


Não possuo um levantamento completo dos nomes e do número de advogados que atuaram em nosso foro no princípio da República, principalmente entre as décadas de 1910 a 1930. Prevalecia nesse tempo, no Rio Grande, o postulado positivista2, adotado pela Constituição castilhista de 14 de julho, que garantia a liberdade profissional. Desse modo, qualquer indivíduo, ainda que sem nenhum diploma ou formação, poderia exercer as chamadas profissões liberais, como as de médico, engenheiro e advogado. Havia muitos causídicos nessas condições, no período, principal- mente rábulas sem nenhuma formação jurídica — como houve médicos e engenheiros —, até que a profissão de advogado foi regulamentada em 1931, já no período getuliano, com a criação da Ordem dos Advogados do Brasil.

Sabe-se, no entanto, da trajetória de alguns deles. Dos que deixaram marcada sua passagem pelo foro e pela política local, já que a advocacia era indissociável da política e do jornalismo. Nei de Lima Costa e Francisco de Paula Lacerda de Almeida Júnior3 figuraram, durante muito tempo, como os atores principais no cenário da advocacia local, durante o primeiro quartel do século passado. Eram também furiosos antagonistas, como haviam sido, a seu tempo, Prestes e Gervásio.


Francisco de Paula Lacerda de Almeida Júnior


Acredito que Lacerda de Almeida Júnior fosse bacharel pela Faculdade do Rio de Janeiro (depois Faculdade Nacional de Direito). Era oriundo da então capital federal,  filho do renomado jurista do mesmo nome, pernambucano, que foi desembargador e professor no Rio de Janeiro, e    um dos primeiros comentadores do Código Civil. Produziu livros que se tornaram clássicos, até hoje citados pelos estudiosos do Direito Civil.  Não sei do motivo por que veio parar em Passo Fundo, onde chegou em 1923. Até depois da Revolução de 1930, movimento que defendeu entusiasticamente, há notícias de que permaneceu por aqui. Depois de Vergueiro, foi o maior líder da Aliança Liberal entre nós. Foram dele os discursos e os escritos que empolgaram o povo passo-fundense, no sentido da reação armada ao esbulho sofrido nas urnas, quando Getúlio, mediante as costumeiras fraudes da 1ª República, foi espoliado na eleição presidencial, pelo candidato do presidente Washington Luiz, o paulista Júlio Prestes. Lacerda chegou a organizar por sua conta e comandar uma unidade militar de provisórios, que se deslocou à frente de batalha, em São Paulo.


Ney de Lima Costa


Ney de Lima Costa4, que para aqui veio como promotor, em 1918, era fiscal federal de ensino e professor no Instituto Ginasial. Também, como comerciante, iniciou a exploração do nascente ramo de cinemas e teatros. O Cine-Theatro Coliseu, que funcionava onde foi depois o Cine Real (hoje Loja Pompeia) entre outros, foi um dos tantos abertos e em seguida fechados, em Passo Fundo. Em 1929, contrariando a tendência da maioria da população, atreveu-se, sem nenhum êxito, a tentar patrocinar a candidatura do paulista Júlio Prestes contra a do nosso governador Getúlio Vargas, candidato pela Aliança Liberal, que todo o Rio Grande queria levar à presidência da República.  Para tanto, mantinha um jornal — A Reforma — no qual defendia suas ideias e atacava os adversários.  Vencendo os gaúchos a Revolução, desencadeada contra o esbulho eleitoral que o Rio Grande sofrera — em Passo Fundo chegou a ser tomado o quartel do Exército, que se rendeu ao ataque desfechado sob o comando do médico Nicolau Araújo Vergueiro, intendente e investido na chefia civil e militar das forças revolucionárias na praça — Lima Costa passou a viver isolado e desprestigiado, sem amigos e sem clientes. Seus desafetos e adversários chegaram, certa feita, com a participação de mais de 2.000 pessoas, a promover seu enterro simbólico, saindo o cortejo e o “féretro” da Praça Tamandaré, e indo até a Praça da República (Tochetto), pela Avenida Brasil, por onde desfilaram com caixão e tudo. A despeito disso, não abandonou a cidade, aqui vindo a falecer alguns anos depois.


Lodovico Della Mea


Também foi nesse período que o italiano Lodovico Della Mea começou a atuar como advogado.  Era muito talentoso, intelectual de primorosa for- mação, professor e agrimensor, líder da colônia italiana.  Fervoroso católico e líder  vicentino, foi  um dos fundadores do Hospital São Vicente de Paulo e da Società Italiana Iolanda Margherita di Savoia (denominação que foi mudada para Clube Caixeiral,  por ordem da ditadura do Estado Novo). Foi ele quem edificou, em 1910, o palacete Della Mea, nos fundos da atual Praça Tocchetto, uma das poucas casas antigas ainda preservada na cidade.

(Houve um personagem misterioso em nossa advocacia, no tempo da belle époque passo-fundense, como é apropriadamente denominada na valiosa pesquisa dos irmãos Marco e Heleno Damian, que traz a crônica da vida local daquele tempo. Não revelo seu nome, porque deve haver herdeiros por aí que poderão se ofender e julgar injuriada sua memória. Sua história apresenta-se com tons de verdadeiro realismo mágico,5 digna da melhor ficção sul-americana. Poderia ser aproveitada para um enredo por um Donoso, por  Isabel Allende ou mesmo por Gabriel Garcia Marquez, se não pelo próprio Edgar Allan Poe. Era  profissional  competente e de sucesso. Tantas fez, porém,  em sua vida profissional e pessoal, que, assoberbado por problemas financeiros e familiares, resolveu despedir-se da vida. Mas, tal como o personagem de Pirandello, em As duas vidas de Matias Pascal, na verdade não morreu. Conseguiu adquirir um cadáver que foi velado e enterrado no cemitério local como se fosse ele. A sepultura deve ainda estar por lá. Consta que tempos depois reapareceu no Rio de Janeiro, onde chegou a ser encontrado por conterrâneos  que viajavam à então capital federal,  usando outro nome, rico e desfrutando da boa vida carioca. Lá faleceu — dessa vez de verdade — muitos anos depois).


Antônio Bittencourt de Azambuja


O mais importante advogado do período, que começou a atuar aqui ainda na década de 1910, foi Antônio Bittencourt de Azambuja.6  Eu  e o colega Dárcio Vieira Marques nos estabelecemos, com nosso primeiro escritório no que antes  fora dele, ao lado do fórum, na Avenida General Neto.  Era formado pela Faculdade de Porto Alegre, jurista consagrado, dono de sólida cultura humanística, familiarizado com o que havia de melhor no pensamento filosófico e jurídico, e com os clássicos da literatura, principalmente franceses e ingleses. Além disso, era indivíduo destemido, detentor de inegável coragem pessoal. É lembrado o episódio do desafio para duelo que fez a um deputado que, quando discursava na tribuna da Assembleia Legislativa, costumavam desacatá-lo com brincadeiras a respeito de sua baixa estatura. O adversário, amedrontado com a reação de Azambuja, certamente recuou, tratando de desculpar-se como pôde. Não obstante, era um verdadeiro gentleman, trajando-se com rigor e fazendo-se admirar por sua invejável  postura e cavalheirismo, daqueles que hoje não mais se vê.

Além de advogado, foi líder político, proprietário rural, fazendeiro, turfista, criador e empreendedor, aqui fundando empresas e indústrias. Na política, Azambuja foi promotor, prefeito, deputado estadual e deputado federal constituinte. Teve marcante atuação na elaboração do texto que veio a ser a Constituição de 1946. Depois de apoiar o movimento revolucionário de 1930, que levou Vargas ao poder, divergiu deste em 1932, tomando o partido dos paulistas na chamada Revolução Constitucionalista. Derrotado, o seu grupo, foi obrigado a tomar o caminho do exílio.  Foi também um dos fundadores e o primeiro presidente da Subseção de nossa Ordem dos Advogados de Passo Fundo, em 1933.  Concorreu à prefeitura local em 1958, quando foi eleito Benoni Rosado. Em suas terras, doadas em parte para essa finalidade, à antiga Sociedade Pró-Universidade, acha-se instalado o campus da Universidade, no bairro São José.


Brasílico Lima


Mas houve outros.  Brasílico Lima, por exemplo, teve significativa atuação profissional e política na época. Era advogado combativo e ardoroso, sempre lembrado como um dos mais importantes do seu tempo.    Devido a contrariedades na política, teria se mudado, no fim da vida, para Carazinho, onde veio a falecer.


Antonino Xavier


A esta altura, é indispensável fixar a presença do advogado Francisco Antonino Xavier e Oliveira7 na política, na administração e em toda a vida da comunidade. Jorna- lista, intelectual, historiador, geógrafo, cartógrafo, tropeiro, ator, incentivador cultural, pesquisador, extremamente versátil nos conhecimentos que acumulava, “seu” Antonino, como era conhecido, foi de tudo na cidade e na região: Foi prefeito, agrimensor, consultor jurídico da prefeitura, jurado, líder espiritista, maçom, promotor, juiz distrital, secretário do Município,  fundador de beneméritas instituições comunitárias que perduram até hoje,  professor no Instituto Ginasial e advogado. Viveu e atuou muito tempo aqui, por volta de 70 anos, pois, começando sua vida pública logo depois da queda do regime monárquico, faleceu em idade provecta, em 1959.  Ajudou desde logo a organizar administrativamente o Município sob o regime republicano, depois de 1889. Era maçom graduado, tendo sido um dos dirigentes e fundadores da Loja Concórdia do Sul.  Sempre foi filiado ao Partido Republicano Riograndense, fazendo parte da situação política local, desde os tempos de Gervásio Annes até os do Dr. Nicolau Vergueiro. Foi o idealizador do Hospital de Caridade (hoje Hospital da Cidade), entidade cujos estatutos redigiu e cuja sede ajudou a construir, participando, durante toda a vida, de sua administração.  Deixou importante produção literária, incursionando pelo jornalismo, pela poesia, prosa e pesquisa histórica. Seus escritos eram publicados principalmente no jornal O Nacional.  Foi o mais importante historiador que a cidade teve. Os estudos que deixou, republicados em coletânea organizada por sua neta Marília Mattos, são até hoje as fontes mais confiáveis e detalhadas da história da cidade — tanto da oficial como da petite histoire — e da região norte do Estado.  De tudo sabia e tudo lembrava, desde os acontecimentos públicos, até os casos particulares e os pecados ocultos de personagens pertencentes às grandes famílias locais.

Como advogado, é recordado por seu critério e honestidade inatacável, e também pelos cuidados com que cercava seus trabalhos forenses, o que lhe custava enorme sacrifício pessoal, ao mesmo tempo em que o fazia exemplarmente confiável junto aos juízes, escrivães e pessoal da justiça.

Conta-se uma anedota a respeito de um inventário, em que foi nomeado inventariante e responsável pela administração do espólio. O falecido era um industrial judeu que possuía muitas serrarias, daqui até Montevidéu, ao longo da ferrovia. Na época, era possível chegar até aquela capital, viajando por estrada de ferro. Em cada uma dessas serrarias, fixadas junto a muitas estações e povoados, ao longo do trajeto, havia centenas de milhares de tábuas pertencentes ao falecido, que teriam que ser levantadas e contadas. E diz-se que Antonino viajou de trem daqui até Montevidéu, parando em todas as estações onde havia serrarias do falecido, encarregando-se pessoalmente de supervisionar a contagem das tábuas, uma a uma, para obter o total de tábuas que constituíam o  patrimônio que deveria inventariar.  Além das histórias que ele narra, indispensáveis para o conhecimento da vida da cidade, quando não havia nem iluminação nem calçamento e tudo era extremamente precário, há ainda outras sobre ele, muito saborosas, sempre a exaltar sua probidade e inteligência.


Os fundadores da Ordem dos Advogados, em 1933


Através de um decreto do presidente Getúlio Vargas, advogado e gaúcho — elaborado por inspiração do ministro Oswaldo Aranha, também gaúcho e ad- vogado — foi criada, em 1931, a Ordem dos Advogados do Brasil. A organização da Ordem foi a primeira experiência de regulamentação profissional que houve em nosso país.

Em seguida, foi instalada a Subseção de Passo Fundo, que abrangia outros municípios da região,  inclusive Soledade, Erechim e Carazinho. A primeira diretoria era encabeçada por Herculano Araújo Annes. Os nomes dos primeiros inscritos daqui, entre advogados e provisionados (formados e não formados), foram coletados pelos irmãos Damian.8


Inscrição - Diplomados

32 João Junqueira Rocha

33 José Dario de Vasconcellos

86 Herculano de Araújo Annes

93 Celso da Cunha Fiori

94 Rômulo Cardoso Teixeira

206 Mauro Pinheiro Machado

209 João Bigois

287 Aquelino Translatti

353 Frederico Cornélio Daudt


Inscrição - Não diplomados

79 Pedro Silveira Avancini

141 Pedro dos Santos Pacheco

106 Teodoro Doro

304 Aurélio Willig

334 João Batista Cúrio de Carvalho

308 Eduardo Rocca


Entre o grupo de bacharéis que, em 1933, formaram a OAB de Passo Fundo, usando os dados de que disponho, além do já mencionado Azambuja, irei lembrar a atuação dos advogados João Junqueira Rocha, Herculano de Araújo Annes, Celso da Cunha Fiori, Rômulo Cardoso Teixeira e Frederico Cornélio Daudt. Dentre os considerados não formados, destacarei Pedro Avancini e Pedro Pacheco. Dos titulados, todos vieram a fazer parte do grupo de profissionais que fundou a Faculdade de Direito (da Universidade de Passo Fundo), em 1956. De todos, o único que não integrou seu primeiro corpo docente foi João Junqueira Rocha.


João Junqueira Rocha


João Junqueira Rocha atuou como advogado em Passo Fundo, no período que mediou entre as décadas de 1930 e de 1960. Foi um dos primeiros adeptos, dirigente e fundador do Partido Comunista em nossa cidade, e organizador do movimento operário, ajudando a criar associações e sindicatos. Foi presidente e organizador da Sociedade Pró-Universidade de Passo Fundo, graças a cujo empenho foi obtida a autorização para a instalação da Faculdade de Direito. No entanto, divergindo de outras lideranças, acabou afastando-se da entidade. Nos últimos anos em que aqui viveu, antes de transferir-se para Porto Alegre, chegou a ser vereador, pelo extinto Partido Social Democrático (PSD).


Herculano de Araújo Annes


Herculano de Araújo Annes era filho do Cel. Gervásio Lucas Annes, cuja banca (na esquina da Avenida Brasil com 15 de Novembro), foi por ele mantida, e continuada, até pouco tempo atrás, por Murilo Annes e depois por Helena Annes. Esse escritório de advocacia, hoje extinto, foi o mais tradicional e duradouro que houve em Passo Fundo. Funcionou por, aproximadamente, 120 anos, sucedendo-se na sua direção quatro gerações de advogados (pai, filho, neto e bisneta).

Herculano fez seus estudos na Faculdade de Direito de Porto Alegre (hoje da UFRGS), e aqui foi o advogado mais respeitado e conceituado do seu tempo. Participou da política e teve intensa atuação na vida pública. Juntamente com seus primos, Hiram e Americano Bastos, foi um dos fundadores do tradicional jornal O Nacional, mais tarde adquirido por Múcio de Castro, em cuja família permanece até hoje. Indicado para integrar o corpo docente originário da Faculdade de Direito, declinou, no entanto, de lecionar.


Celso da Cunha Fiori


Celso da Cunha Fiori foi o criminalista mais renomado que houve na cidade e na região. Oriundo de Pelotas, formado pela Faculdade de Porto Alegre, em 1930, encontrou em Passo Fundo sua verdadeira terra de adoção.  Aqui foi professor, escritor, jornalista e, sobretudo, advogado.  De sua atuação voltada principalmente para a advocacia criminal, os júris em que atuava na defesa de réus, em casos de repercussão, em que geralmente os absolvia, eram verdadeiros espetáculos, que atraiam multidões para acompanhá-lo e aplaudi-lo.  Fez escola como ad- vogado diligente e exemplar, liderando a classe e impondo-se na comunidade, por sua postura independente e corajosa. Notabilizou-se pelo respeito e lealdade com que, valorizando como ninguém a advocacia, tratava os colegas, os juízes, os promotores e servidores da justiça.

Foi presidente da Ordem em vários mandatos, inclusive durante a ditadura do Estado Novo, período em que, pagando um alto preço por seu desassombro e coragem, chegou mais de uma vez a ser preso pelas autoridades militares, com quem se defrontou, em defesa das liberdades públicas e da liberdade de seus clientes.

Dedicou-se também ao esporte, à política e à literatura. Foi dirigente e patrono do Esporte Clube 14 de Julho. Integrou o grupo dos fundadores do Grêmio Passofundense de Letras. Durante uma das múltiplas presidências que exerceu nas casas liderou a iniciativa de sua transformação na atual Academia Passo - Fundense de Letras.  Era um incentivador constante do desenvolvimento do município, participando da formação de empresas industriais e sociedades comerciais, que chegou a dirigir e assessorava juridicamente.

Foi um dos fundadores e também diretor da Faculdade de Direito, e ainda titular da cadeira de Direito Comercial. Desempenhou papel marcante na criação da Universidade de Passo Fundo, fazendo parte do Conselho Diretor da Fundação.  Professor sempre atualizado, extremamente exigente consigo mesmo e com seus alunos, até hoje são lembradas as lições de Direito Comercial que ministrava.  É recordado sobretudo por sua sabedoria, coragem e independência, tendo sido um líder em todas as múltiplas atividades que desenvolveu.


Rômulo Cardoso Teixeira


Rômulo Cardoso Teixeira era natural do distrito de Coxilha, onde manteve estabelecimento rural, em terras herdadas de seu pai, o Cel. Manoel Amâncio Teixeira.

A despeito de suas origens rústicas, era pessoa cosmopolita e de fino trato. Fora aluno da Escola Militar da Praia Vermelha, de onde foi expulso em 1922, porque participou de uma insurreição dos alunos (armada) contra o governo federal.  Faziam parte do grupo de insurretos futuros oficiais, que fizeram nome na história brasileira do século XX. Formaram eles o grupo dos tenentes — eram tenentes em 1930 —, adotando princípios que vieram a ser conhecidos como “tenentismo”, e tiveram preponderante influência na história do país.

Esse grupo, de uma maneira ou de outra, desempenhou papel saliente em vários movimentos armados que tiveram lugar ao longo de todo o século: em 1924, 1926, na revolução vitoriosa de 1930, em 1932, depondo Vargas em 1945 e, depois, instaurando o regime militar em 1964. Integravam-no, entre outros, Siqueira Campos, Góis Monteiro, Castelo Branco, Juarez Távora, Eduardo Gomes, Cordeiro de Farias, Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança” — o qual, depois de comandar a Coluna Prestes, divergiu dos demais, integrando-se ao Partido Comunista e transformando-se no maior líder  da esquerda brasileira.

Depois de anistiado, Rômulo voltou ao Exército, sendo classificado no 8º R.I.,9  em Passo Fundo, onde alcançou o posto de capitão, do que muito se orgulhava. Durante o tempo em que esteve afastado da tropa, formou-se em Direito no Rio de Janeiro, na tradicional Faculdade Nacional de Direito, onde teve como professores os maiores juristas daquele tempo, inclusive Clóvis Beviláqua, o autor do projeto do Código Civil de 1916. Freqüentando, em seu tempo, os ambientes da efervescente capital federal, um de seus orgulhos era contar ter muitas vezes visto e ouvido Rui Barbosa, cujos discursos ia escutar no Senado.

Ao deixar o Exército, Rômulo foi primeiro juiz distrital (uma espécie de juiz auxiliar), logo se estabelecendo como advogado, e, mais tarde, como especialista na área de sucessões (fazia a maior parte dos inventários, principalmente os maiores e mais rendosos).

Foi o fundador e primeiro titular da cadeira de Direito Internacional Público, na Faculdade de Direito.  Era extremamente estimado pelos alunos, por seu trato ameno e cordial. Em suas aulas dizia que, para conhecer a matéria, era imprescindível que o aluno fizesse a leitura diária da primeira página do Correio do Povo. É que, na época, que era a da Guerra Fria, predominando a divisão do mundo entre as democracias da América e Europa e do bloco soviético, o Correio publicava nessa página um excelente noticiário internacional, narrando e analisando em detalhes todos os fatos da política internacional que são, sem dúvida, bons subsídios para o conhecimento do Direito Internacional Público.

Rômulo lecionou até os 79 anos10, pois na época não havia o jubilamento compulsório aos 70, decretado pela Universidade mais tarde, gerando até hoje muitas controvérsias e insatisfações.


Frederico Cornélio Daudt


Frederico Cornélio Daudt, nascido em Passo Fundo, já atuava na renomada banca do Dr. Herculano de Araújo Annes, quando foi criada a subseção da Ordem.

Era filho do notário e oficial do registro de imóveis, Cel. Joaquim Pedro Daudt, e de sua esposa, D. Valentina Cornélio Daudt. Como quase todos os bacharéis da época, obteve seu título na Faculdade de Porto Alegre, que depois foi da UFRGS.

Em seu tempo, Daudt foi considerado o maior especialista e autoridade em direito imobiliário.  Foi o pioneiro nas pesquisas em torno da intrincada questão dos chamados “terrenos foreiros” de Passo Fundo, elaborando o estudo mais completo até hoje existente sobre o assunto, publicado no primeiro número da nossa Revista da Faculdade de Direito. Daudt, cujo escritório, também pioneiro e o mais conceituado na área imobiliária em nossa região, foi o fundador da Faculdade de Direito, e o primeiro titular da cadeira de Direito das Coisas, lecionando até o seu jubilamento. Seus ex-alunos recordam ainda hoje suas inolvidáveis lições e os exemplos que deixou.


Pedro Silveira Avancini


Pedro Silveira Avancini era oriundo de uma cidade da fronteira, Bagé ou Alegrete.  Teria vindo para cá como gerente do Banco da Província. Embora não fosse formado em Direito, era advogado eficiente e responsável. Escritor e novelista colaborava com os órgãos de imprensa locais — Diário da Manhã e O Nacional.  Certa feita causou pânico e sensação na cidade, publicando, na Rádio Passo Fundo, uma espécie de novela ou folhetim, em que narrava na primeira pessoa uma viagem com o próprio Satanás.  Tão impressionantes e realistas eram suas narrações, que a população local, extremamente crédula e supersticiosa, começou a acreditar no que era divulgado na novela radiofônica, provocando pânico e terror na população. A tanto chegou a comoção social, que o Bispo Dom Cláudio, recém-empossado na Diocese, interveio e conseguiu que a emissora suspendesse a programação.

Era um homem alegre e bem humorado de grande compleição, amigo de boas comidas e de bons vinhos. Lá pela década de 1950 formava um grupo muito divertido e inseparável, com os advogados Verdi, Galves e Fiori, que amenizavam os cuidados da profissão com os prazeres da boa mesa, da boa conversa e da boa convivência.


Pedro dos Santos Pacheco


Pedro dos Santos Pacheco aparece entre os fundadores da Ordem, embora não detentor do título de bacharel.  Talvez não o tivesse ainda, em 1933. Acredito que, posteriormente, tenha conseguido se formar, pois foi promotor na cidade e também respeitado advogado. Eleito pelo PSD (Partido Social Democrático), integrou a Câmara de Vereadores, da qual foi presidente, nas primeiras legislaturas após a redemocratização. Era distinguido no meio jurídico por sua cultura e inteligência. Uma de suas filhas, Ione, casou-se com Maurício Sirotsky Sobrinho, fundador do Grupo RBS. Além das filhas Ione e Ivone, teve vários filhos varões, quase todos advogados como ele. Seu neto, Nelson Pacheco Sirotski, é o atual presidente do Grupo RBS, que publica o mais conceituado jornal do Rio Grande do Sul, coligado da Rede Globo, no estado.


Os novos tempos e a fundação da Faculdade de Direito


Os novos tempos chegaram.  Depois da criação da subseção da Ordem, ainda na década de 1930, vieram, dentre outros, Verdi de Césaro e Florisbelo Ferreira, os mais notáveis entre os formados e não-formados.

A década de 1940 testemunhou a estreia de Carlos Galves, Nei Menna Barreto, Gelso Ribeiro, Salim Buaes, Mário Daniel Hoppe, Silvio Dal Maso, Frederico Morsch  e Murilo Coutinho Annes. Os mais notáveis, entre eles foram o jurista Carlos Galves e Murilo Coutinho Annes, neto de Gervásio e filho de Herculano. Este foi diretor da Faculdade de Direito e o primeiro reitor da Universidade de Passo Fundo.

Na década de 1950, iniciaram-se na advocacia Augusto Trein, Romeu Martinelli, Celso Busato, Catarino Ferreira, Jairo Serrano, Jurandir Algarve e também Rui Rache, todos egressos da UFRGS.

Essas novas gerações de advogados, os que chegaram entre os anos 1930 e 1950, juntamente com aqueles mais antigos, cujas biografias tentei esboçar, constituíram o núcleo que deu origem à Faculdade de Direito, e foram os indutores da criação da Universidade de Passo Fundo.

A Faculdade, e a Universidade que ela gerou, foram os acontecimentos mais espetaculares havidos em Passo Fundo, ao longo de todo o século XX. As consequências benéficas que trouxeram, para o desenvolvimento da cidade, até hoje se fazem sentir, diferenciando-a da maioria das comunas e regiões gaúchas.

Pode-se afirmar, por isso, que a Faculdade e a Universidade, com todas as riquezas materiais e culturais que trouxeram, são o testemunho concreto e perene do descortino e da visão de futuro dos advogados passo-fundenses, de todas as gerações, representados por aqueles verdadeiros varões de Plutarco, aos quais dediquei este estudo.

Referências

  1. Da Revista Água da Fonte de 31/05/2011