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Embora existam polêmicas e controvérsias a esse respeito, considera-se como a primeira escola de samba a ''Deixa Falar'', do Estácio, bairro carioca. O surgimento dessa escola estaria atrelado às relações constituídas em torno da Tia Ciata, na chamada “pequena África” (Moura, 1983). A partir dos blocos existentes nos morros, naquele mesmo contexto, surgiram as escolas de samba ''Mangueira'', ''Portela'' e ''Salgueiro'' (Cavalcanti, 2006, p. 39).
Embora existam polêmicas e controvérsias a esse respeito, considera-se como a primeira escola de samba a ''Deixa Falar'', do Estácio, bairro carioca. O surgimento dessa escola estaria atrelado às relações constituídas em torno da Tia Ciata, na chamada “pequena África” (Moura, 1983). A partir dos blocos existentes nos morros, naquele mesmo contexto, surgiram as escolas de samba ''Mangueira'', ''Portela'' e ''Salgueiro'' (Cavalcanti, 2006, p. 39).


O primeiro desfile de escolas de samba do Rio de Janeiro ocorreu em 1932<sup>[2]</sup>. Para além, já com a crescente popularidade e surgimento de novas escolas no Rio de Janeiro, fundou-se em 1934 a União Geral das Escolas de Samba. Assim, é a partir de 1935 que as escolas passam a contar com incentivos governamentais, como já ocorria com os demais grupos carnavalescos. Destaca-se que novas associações foram fundadas, até que em 1952 reuniram-se as três supracitadas para a formação da Associação das Escolas de Samba (Cavalcanti, 2006, p. 42). Segundo Cavalcanti, <blockquote>na década de 1950, configurou-se com nitidez o conjunto de processos que definiu o rumo das escolas de samba nas décadas seguintes. A ampliação de suas bases sociais progrediu com a participação crescente das camadas médias, incluindo a presença de cenógrafos e artistas plásticos na produção do desfile (2006, p. 42). </blockquote>Juntamente a essa integração social promovida pelos desfiles de escolas de samba, ocorreu a sua comercialização. Então, a partir de 1962, a Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, recebeu uma nova estrutura para os dias da festa carnavalesca, arquibancadas foram instaladas para receber o público que aumentava a cada Carnaval. No mesmo ano iniciou-se a venda de ingressos aos foliões (Cavalcanti, 2006, p. 46).
O primeiro desfile de escolas de samba do Rio de Janeiro ocorreu em 1932 <ref>Dados da Riotur (Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro S.A), criada em 1972.</ref>. Para além, já com a crescente popularidade e surgimento de novas escolas no Rio de Janeiro, fundou-se em 1934 a União Geral das Escolas de Samba. Assim, é a partir de 1935 que as escolas passam a contar com incentivos governamentais, como já ocorria com os demais grupos carnavalescos. Destaca-se que novas associações foram fundadas, até que em 1952 reuniram-se as três supracitadas para a formação da Associação das Escolas de Samba (Cavalcanti, 2006, p. 42). Segundo Cavalcanti, <blockquote>na década de 1950, configurou-se com nitidez o conjunto de processos que definiu o rumo das escolas de samba nas décadas seguintes. A ampliação de suas bases sociais progrediu com a participação crescente das camadas médias, incluindo a presença de cenógrafos e artistas plásticos na produção do desfile (2006, p. 42). </blockquote>Juntamente a essa integração social promovida pelos desfiles de escolas de samba, ocorreu a sua comercialização. Então, a partir de 1962, a Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, recebeu uma nova estrutura para os dias da festa carnavalesca, arquibancadas foram instaladas para receber o público que aumentava a cada Carnaval. No mesmo ano iniciou-se a venda de ingressos aos foliões (Cavalcanti, 2006, p. 46).


Já na década de 1980 se definia o grupo das “grandes escolas”, que mais tarde culminou na fundação da Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA), fundada em 1984, no Rio de Janeiro. É a partir de então que se percebe uma clara distinção entre as escolas de samba, caracterizada por escolas que vivenciaram o processo de integração social e comercialização do carnaval com mais efetividade do que outras. Salienta-se que a “apoteose” desse processo provavelmente ocorreu entre 1983 e 1984, visto que em 1983 foi feito o primeiro contrato de transmissão televisiva dos desfiles das escolas de samba (Cavalcanti, 2006, p. 42-43).
Já na década de 1980 se definia o grupo das “grandes escolas”, que mais tarde culminou na fundação da Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA), fundada em 1984, no Rio de Janeiro. É a partir de então que se percebe uma clara distinção entre as escolas de samba, caracterizada por escolas que vivenciaram o processo de integração social e comercialização do carnaval com mais efetividade do que outras. Salienta-se que a “apoteose” desse processo provavelmente ocorreu entre 1983 e 1984, visto que em 1983 foi feito o primeiro contrato de transmissão televisiva dos desfiles das escolas de samba (Cavalcanti, 2006, p. 42-43).
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A cidade de Passo Fundo não fica alheia ao processo narrado, entretanto, na história do Carnaval passo-fundense ainda há muito a ser estudado. Identifica-se, no município, a presença dos blocos, dos cordões, das escolas de samba; bem como, percebe-se a dimensão da festa e o engajamento de vários setores da sociedade em prol de sua realização e as tensões que se evidenciam nas tentativas do poder público de organizar, sistematizar e até mesmo de punir a folia “além dos limites”.
A cidade de Passo Fundo não fica alheia ao processo narrado, entretanto, na história do Carnaval passo-fundense ainda há muito a ser estudado. Identifica-se, no município, a presença dos blocos, dos cordões, das escolas de samba; bem como, percebe-se a dimensão da festa e o engajamento de vários setores da sociedade em prol de sua realização e as tensões que se evidenciam nas tentativas do poder público de organizar, sistematizar e até mesmo de punir a folia “além dos limites”.


Em 08 de janeiro de 1911, o periódico passo-fundense ''O Gaúcho'' dava destaque à fundação do cordão carnavalesco ''Mão Negra''. Os blocos surgiriam somente na década de 1920. De todo modo, o ''Código de Posturas'' de 1914, da Intendência Municipal de Passo Fundo, no artigo 102 do Capítulo XVI “OFENSAS À MORAL, MÁSCARAS, ÉBRIOS, ENTRUDO” deliberava: “Qualquer espetáculo ou passeio carnavalesco não poderá ser levado a efeito sem prévia licença do subintendente, que só concederá quando o seu programa não ofender a moral e bons costumes. Pena: multa de 10$000”. O artigo 112 prosseguia da seguinte forma: <blockquote>É proibido jogo de entrudo<sup>[3]</sup> com água ou qualquer coisa que molhe ou enxovalhe. Pena: multa de 5$ a 10$000. Parágrafo único – Os limões de cheiro e objetos semelhantes, para entrudo, que forem encontrados à venda, serão inutilizados e sofrerá o fabricante ou vendedor a mesma multa (1914 apud Damian; Damian, 2008, p. 46). </blockquote>Na década de 1920 a cidade veria surgir diversos blocos de carnaval: em 1925, o ''Bloco 21'', que representava o Sport Club Gaúcho e o ''Bloco 25'', que correspondia ao Club Comercial e o Grêmio Recreativo e Esportivo 14 de Julho. Já em 1926, o ''Bloco 25'' realizou o “baile das Marquesinhas”, uma festa de Carnaval no salão do ''Cine Ideal'''[4]'''''. Na ocasião, os foliões foram trajados à moda Luis XV (O Nacional, 1926 apud Damian; Damian, 2008, p. 46). Descrevem-no da seguinte maneira:
Em 08 de janeiro de 1911, o periódico passo-fundense ''O Gaúcho'' dava destaque à fundação do cordão carnavalesco ''Mão Negra''. Os blocos surgiriam somente na década de 1920. De todo modo, o ''Código de Posturas'' de 1914, da Intendência Municipal de Passo Fundo, no artigo 102 do Capítulo XVI “OFENSAS À MORAL, MÁSCARAS, ÉBRIOS, ENTRUDO” deliberava: “Qualquer espetáculo ou passeio carnavalesco não poderá ser levado a efeito sem prévia licença do subintendente, que só concederá quando o seu programa não ofender a moral e bons costumes. Pena: multa de 10$000”. O artigo 112 prosseguia da seguinte forma: <blockquote>É proibido jogo de entrudo<ref>Entrudo pode ser definido como uma série de jogos e brincadeiras populares, introduzidas no Brasil pelos portugueses no século XVI, que também foram associadas ao carnaval brasileiro.</ref> com água ou qualquer coisa que molhe ou enxovalhe. Pena: multa de 5$ a 10$000. Parágrafo único – Os limões de cheiro e objetos semelhantes, para entrudo, que forem encontrados à venda, serão inutilizados e sofrerá o fabricante ou vendedor a mesma multa (1914 apud Damian; Damian, 2008, p. 46). </blockquote>Na década de 1920 a cidade veria surgir diversos blocos de carnaval: em 1925, o ''Bloco 21'', que representava o Sport Club Gaúcho e o ''Bloco 25'', que correspondia ao Club Comercial e o Grêmio Recreativo e Esportivo 14 de Julho. Já em 1926, o ''Bloco 25'' realizou o “baile das Marquesinhas”, uma festa de Carnaval no salão do ''Cine Ideal''<ref>O Cine Ideal foi inaugurado em agosto de 1924, nas dependências da Sociedade Operária, na Avenida Brasil, tendo como proprietários Luiz Machado e Gastão Marques. Sendo reaberto por Ney de Lima Costa, no mesmo local, em 1925. Em agosto de 1926, foi rescindido o contrato de locação do prédio de propriedade da Sociedade Operária e que fora alugado à empresa Lima Costa, para a instalação do Cine Ideal.</ref>. Na ocasião, os foliões foram trajados à moda Luis XV (O Nacional, 1926 apud Damian; Damian, 2008, p. 46). Descrevem-no da seguinte maneira:<blockquote>O Carnaval. O Corso de domingo. Estava anunciado para domingo à tarde a primeira passeata do corso carnavalesco, organizado pelo Bloco 21. Desde às 15 horas daquele dia notava-se desusado movimento de automóveis, mostrando-se o interesse que essa passeata despertou. Às 19h15min entrou o corso na Avenida Brasil, constando o mesmo de três carros alegóricos e de 32 automóveis ornamentados. Um dos carros alegóricos representava um cavalo saltando sobre um obstáculo, fazendo-se assim uma homenagem ao gaúcho rio-grandense; dominava o enorme cavalo a senhorita Helena Kruel, vestida à moda gaúcha. Outro carro, o da rainha do ‘21’, srta. Menna Rotta, representava a esfinge, sendo o mesmo guardado por quatro cavaleiros à moda egípcia. Nesse carro estava artisticamente arrumado o trono no qual se achava a rainha e sua corte. O terceiro carro, denominado a Gôndola do Amor era um grande barco, bem ornamentado, tripulado por 2 senhoritas do Bloco 21. Esses carros demonstravam bom gosto e aptidão artística em sua confecção, devido principalmente aos esforços dos srs. Carlos Fontani e Carlos Weigang. Sobre caminhões automóveis notavam-se os dois ruidosos ‘zés’ dos Blocos 21 e 25. Três orquestras dos Blocos 21, 25 e Juventude, em diferentes auto-caminhões alegravam o corso. Durante o trajeto, que foi modificado, manteve-se sempre ativo jogo de serpentinas e confetis. Não fez parte do corso um carro alegórico por não estar ainda terminada a sua feitura. Apesar do brilhantismo dessa passeata, quatro fatores contribuíram para anuviar um pouco o seu êxito completo. O primeiro deles foi a falta de uma banda de música que dá vida e entusiasmo nesses desfiles; o segundo foi a falta de uma severa organização no desfilar dos carros, notando-se uma certa confusão, bastante prejudicial à estética do conjunto; o terceiro foi a hora um tanto tardia da passeata e o quarto e principal foi a poeira estupenda que os autos levavam em nuvens densas em sua companhia. Disseram-nos mesmo, num humorismo repentino, que o corso de domingo foi uma magnífica tarde de poeira. [...] Corso de ontem. Ainda ontem saiu à rua o corso organizado pelo ‘21’ com a cooperação dos demais blocos. A descrição desta segunda passeata é a mesma que a da primeira, havendo de novidade o aparecimento de um novo carro alegórico. Esse carro representava uma homenagem ao aviador Ramon Franco, autor do famoso raide Espanha – Buenos Aires; sobre uma montanha de regular altura pairava um aeroplano de grande tamanho pilotado pelo pequeno Dirce, filho do sr. Claro Pereira Gomes. Pela bela confecção do aeroplano constituiu esse carro o melhor e o mais original de quantos foram feitos. Sobre o aparelho lia-se o seguinte: Plus Ultra; sobre a cauda levava o número ‘21’. Notamos ainda o aparecimento de novos carros ornamentados, sobressaindo-se uma barca, bem tripulada, feita pela agência Chevrolet. O corso percorreu unicamente a Avenida Brasil, dissolvendo-se em frente ao Club União Comercial. Verificamos um pouco mais de ordem nessa passeata. Antes do corso alegrou a multidão que o esperava o Bloco Gaúcho que constituiu uma nota original pelo desfile de seus membros. [...]<ref>O NACIONAL, nº 70, 17 fev. 1926.</ref>. </blockquote>
 
[[File:Desfile de carro alegórico, em 1920.jpg|left|thumb|144x144px|Desfile de carro alegórico, Foto: 1920 Antonio Veronese<ref>Desfile de carro alegórico em Passo Fundo, na Avenida Brasil no cruzamento com a Rua Bento Gonçalves, década de 1920. Fotografia de Antonio Veronese. Acervo IHPF.</ref>]]
Desfile de carro alegórico em Passo Fundo, na Avenida Brasil no cruzamento com a Rua Bento Gonçalves, década de 1920. Fotografia de Antonio Veronese. Acervo IHPF.<blockquote>O Carnaval. O Corso de domingo. Estava anunciado para domingo à tarde a primeira passeata do corso carnavalesco, organizado pelo Bloco 21. Desde às 15 horas daquele dia notava-se desusado movimento de automóveis, mostrando-se o interesse que essa passeata despertou. Às 19h15min entrou o corso na Avenida Brasil, constando o mesmo de três carros alegóricos e de 32 automóveis ornamentados. Um dos carros alegóricos representava um cavalo saltando sobre um obstáculo, fazendo-se assim uma homenagem ao gaúcho rio-grandense; dominava o enorme cavalo a senhorita Helena Kruel, vestida à moda gaúcha. Outro carro, o da rainha do ‘21’, srta. Menna Rotta, representava a esfinge, sendo o mesmo guardado por quatro cavaleiros à moda egípcia. Nesse carro estava artisticamente arrumado o trono no qual se achava a rainha e sua corte. O terceiro carro, denominado a Gôndola do Amor era um grande barco, bem ornamentado, tripulado por 2 senhoritas do Bloco 21. Esses carros demonstravam bom gosto e aptidão artística em sua confecção, devido principalmente aos esforços dos srs. Carlos Fontani e Carlos Weigang. Sobre caminhões automóveis notavam-se os dois ruidosos ‘zés’ dos Blocos 21 e 25. Três orquestras dos Blocos 21, 25 e Juventude, em diferentes auto-caminhões alegravam o corso. Durante o trajeto, que foi modificado, manteve-se sempre ativo jogo de serpentinas e confetis. Não fez parte do corso um carro alegórico por não estar ainda terminada a sua feitura. Apesar do brilhantismo dessa passeata, quatro fatores contribuíram para anuviar um pouco o seu êxito completo. O primeiro deles foi a falta de uma banda de música que dá vida e entusiasmo nesses desfiles; o segundo foi a falta de uma severa organização no desfilar dos carros, notando-se uma certa confusão, bastante prejudicial à estética do conjunto; o terceiro foi a hora um tanto tardia da passeata e o quarto e principal foi a poeira estupenda que os autos levavam em nuvens densas em sua companhia. Disseram-nos mesmo, num humorismo repentino, que o corso de domingo foi uma magnífica tarde de poeira. [...] Corso de ontem. Ainda ontem saiu à rua o corso organizado pelo ‘21’ com a cooperação dos demais blocos. A descrição desta segunda passeata é a mesma que a da primeira, havendo de novidade o aparecimento de um novo carro alegórico. Esse carro representava uma homenagem ao aviador Ramon Franco, autor do famoso raide Espanha – Buenos Aires; sobre uma montanha de regular altura pairava um aeroplano de grande tamanho pilotado pelo pequeno Dirce, filho do sr. Claro Pereira Gomes. Pela bela confecção do aeroplano constituiu esse carro o melhor e o mais original de quantos foram feitos. Sobre o aparelho lia-se o seguinte: Plus Ultra; sobre a cauda levava o número ‘21’. Notamos ainda o aparecimento de novos carros ornamentados, sobressaindo-se uma barca, bem tripulada, feita pela agência Chevrolet. O corso percorreu unicamente a Avenida Brasil, dissolvendo-se em frente ao Club União Comercial. Verificamos um pouco mais de ordem nessa passeata. Antes do corso alegrou a multidão que o esperava o Bloco Gaúcho que constituiu uma nota original pelo desfile de seus membros. [...][5] </blockquote>O Carnaval, porém, não era apenas uma festa de gente rica. Um dos blocos mais populares da cidade era o ''Vae como Pode'', composto por empregados da Viação Férrea (Damian; Damian, 2008). Igualmente, o ''Bloco Flor da Serra'', composto por elementos de uma sociedade chamada “Brilho do Brasil”, também animou o carnaval de 1928 com bailes nos salões do Hotel Avenida e diversas passeatas[6].  
O Carnaval, porém, não era apenas uma festa de gente rica. Um dos blocos mais populares da cidade era o ''Vae como Pode'', composto por empregados da Viação Férrea (Damian; Damian, 2008). Igualmente, o ''Bloco Flor da Serra'', composto por elementos de uma sociedade chamada “Brilho do Brasil”, também animou o carnaval de 1928 com bailes nos salões do Hotel Avenida e diversas passeatas<ref>O NACIONAL, nº 277, 22 fev. 1928</ref>.  


No mesmo ano, a Sociedade Visconde do Rio Branco foi notícia no jornal ''O Nacional''. O periódico deu destaque para o percurso do ''Bloco'' ''Flor da Mocidade'', pelas ruas passo-fundenses, mencionando sua “excelente orquestra e a presença de sua soberana” (O Nacional, 1928 apud Damian; Damian, 2008, p. 47).
No mesmo ano, a Sociedade Visconde do Rio Branco foi notícia no jornal ''O Nacional''. O periódico deu destaque para o percurso do ''Bloco'' ''Flor da Mocidade'', pelas ruas passo-fundenses, mencionando sua “excelente orquestra e a presença de sua soberana” (O Nacional, 1928 apud Damian; Damian, 2008, p. 47).
 
[[File:Visconde do Rio Branco, em 1970.jpg|thumb|150x150px|Visconde do Rio Branco, Foto: 1970 Desconhecido<ref>Desfile de carro alegórico em Passo Fundo, na Avenida Brasil no cruzamento com a Rua Bento Gonçalves, década de 1920. Fotografia de Antonio Veronese. Acervo IHPF.</ref>]]
É somente na década de 1950 que se funda a primeira escola de samba de Passo Fundo, por iniciativa do clube Visconde do Rio Branco. Logo depois, em 1953, surge outra escola, a ''Sociedade Recreativa Garotos da Batucada''. Segundo Batistella e Ribeiro, a Garotos da Batucada foi fundada através de uma dissidência da escola de samba Visconde do Rio Branco. Já na década de 1970, novas escolas de samba são fundadas em Passo Fundo, a saber: ''Bonsucesso'', em 1971, e a ''Particulares do Ritmo'', em 1977 (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 155-156).
É somente na década de 1950 que se funda a primeira escola de samba de Passo Fundo, por iniciativa do clube Visconde do Rio Branco. Logo depois, em 1953, surge outra escola, a ''Sociedade Recreativa Garotos da Batucada''. Segundo Batistella e Ribeiro, a Garotos da Batucada foi fundada através de uma dissidência da escola de samba Visconde do Rio Branco. Já na década de 1970, novas escolas de samba são fundadas em Passo Fundo, a saber: ''Bonsucesso'', em 1971, e a ''Particulares do Ritmo'', em 1977 (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 155-156).
Desfile de Escolas de Samba na AV. Brasil, década de 1970. Acervo Museu Histórico Regional.


A partir da década de 1990, ocorre a inserção de mais escolas de samba no Carnaval da cidade, Batistella e Ribeiro (2017) citam as seguintes escolas: ''Mocidade Independente'', ''Bambas da Orgia'', ''União da Vila'', ''Imperadores do Samba'', ''Pandeiro de Prata'' e ''Era de Aquários''. Por sua vez, as escolas de samba ''Academia de Samba Cohab I'', ''Unidos da Operária'' e ''Acadêmicos do Chalaça'', entre outras, tiveram suas origens somente após os anos 2000 (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 156).
A partir da década de 1990, ocorre a inserção de mais escolas de samba no Carnaval da cidade, Batistella e Ribeiro (2017) citam as seguintes escolas: ''Mocidade Independente'', ''Bambas da Orgia'', ''União da Vila'', ''Imperadores do Samba'', ''Pandeiro de Prata'' e ''Era de Aquários''. Por sua vez, as escolas de samba ''Academia de Samba Cohab I'', ''Unidos da Operária'' e ''Acadêmicos do Chalaça'', entre outras, tiveram suas origens somente após os anos 2000 (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 156).
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|Apae, Escola De Samba Pandeiro De Prata, S.B.C. União Da Vila, S.E.R.C. Unidos Da Operária, S.E.R.C. Acadêmicos Do Chalaça, S.E.R.C. Academia Do Samba Cohab I, S.E.R.C. Bom Sucesso, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia.
|Apae, Escola De Samba Pandeiro De Prata, S.B.C. União Da Vila, S.E.R.C. Unidos Da Operária, S.E.R.C. Acadêmicos Do Chalaça, S.E.R.C. Academia Do Samba Cohab I, S.E.R.C. Bom Sucesso, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia.
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Fonte: Candaten, 2018, p. 74-80<sup>[7]</sup>.
Fonte: Candaten, 2018, p. 74-80<ref>SBC (Sociedade Beneficente e Cultural); SERC (Sociedade Esportiva, Recreativa e Cultural); SERCB (Sociedade Esportiva, Recreativa, Cultural e Beneficente).</ref>.




Entre os anos 2000 e 2015, os desfiles das escolas de samba de Passo Fundo aconteceram na Avenida Sete de Setembro que, uma vez por ano, transformava-se na passarela do samba<sup>[8]</sup>. Nos dias de desfile, a avenida travestida de sambódromo – entre a Avenida Brasil e a Avenida Presidente Vargas – tornava-se inacessível aos veículos que todos os dias trafegavam por ali, passando a ser via exclusiva de carros alegóricos<sup>[9]</sup>.
Entre os anos 2000 e 2015, os desfiles das escolas de samba de Passo Fundo aconteceram na Avenida Sete de Setembro que, uma vez por ano, transformava-se na passarela do samba<ref>Com exceção de 2001, quando o desfile teria ocorrido na Av. Brasil, entre as ruas Benjamin Constant e a Bento Gonçalves. Ver: REGULAMENTO geral, histórico e enredo das entidades: desfile das escolas de samba de Passo Fundo. Passo Fundo, 2001. p. 43.</ref>. Nos dias de desfile, a avenida travestida de sambódromo – entre a Avenida Brasil e a Avenida Presidente Vargas – tornava-se inacessível aos veículos que todos os dias trafegavam por ali, passando a ser via exclusiva de carros alegóricos<ref>Informação presente nos livretos. Ver: REGULAMENTO geral, histórico e enredo das entidades: desfile das escolas de samba de Passo Fundo. Passo Fundo, 2000-2015.</ref>.


Desde o ano 2000, os desfiles oficiais, tanto os do grupo especial quanto os do grupo de acesso, foram realizados através de uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Passo Fundo, a Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Desporto (SETUR), atual Secretaria de Desporto e Cultura (SEDEC), e a Associação das Entidades Carnavalescas de Passo Fundo, hoje Liga Independente das Escolas de Samba de Passo Fundo (LIESPF), bem como com o patrocínio de empresas do setor privado. Em 2015, a Avenida Sete de Setembro serviu de sambódromo pela última vez, não havendo mais desfiles oficiais no município até o momento da escrita dessas linhas.
Desde o ano 2000, os desfiles oficiais, tanto os do grupo especial quanto os do grupo de acesso, foram realizados através de uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Passo Fundo, a Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Desporto (SETUR), atual Secretaria de Desporto e Cultura (SEDEC), e a Associação das Entidades Carnavalescas de Passo Fundo, hoje Liga Independente das Escolas de Samba de Passo Fundo (LIESPF), bem como com o patrocínio de empresas do setor privado. Em 2015, a Avenida Sete de Setembro serviu de sambódromo pela última vez, não havendo mais desfiles oficiais no município até o momento da escrita dessas linhas.


Contudo, para além das escolas de samba, há também outros Carnavais. Portanto, clubes tradicionais da cidade como o Clube Comercial<sup>[10]</sup>, o Clube Caixeiral<sup>[11]</sup>, o Clube Juvenil<sup>[12]</sup> e a S.R. Garotos da Batucada, continuaram promovendo a folia carnavalesca nos últimos anos. É comum nesses clubes ocorrer os bailes de máscaras e a tradicional marchinha de carnaval, além da modalidade da festa para o público infantil. Para mais, ressalta-se que, realizado pela Prefeitura Municipal de Passo Fundo, ocorreu em 2018 e 2019, no parque da Gare, o chamado ''Carnaval Popular''. Já os blocos Sarajevo e Tira Roupa, parecem organizar, nos últimos anos, uns dos carnavais mais famosos e “populares” da cidade<sup>[13]</sup>.
Contudo, para além das escolas de samba, há também outros Carnavais. Portanto, clubes tradicionais da cidade como o Clube Comercial<ref>O Clube Comercial, “destinado a congregar a classe comerciária”, fora fundado em 1912, segundo dados disponíveis em seu site. Disponível em: <nowiki>https://www.clubecomercialpf.com.br/o-clube/</nowiki>. Acesso em: 13 jul. 2019.</ref>, o Clube Caixeiral<ref>Fundada por imigrantes italianos no ano de 1901, a ''Società Italiana di Mutuo Soccorso Iolanda Margherita di Savoia'', em 1938, passou a chamar-se Clube Caixeiral (Dalla Rosa, 2007, p. 130).</ref>, o Clube Juvenil<ref>Conforme informações do site do clube, em 1913 fora fundada a Sociedade Alemã (ou ''Deutscher Verin'') que, em 1938, passou a denominar-se Clube Recreativo Juvenil. Disponível em: <nowiki>http://www.clubejuvenil.com.br/site/o-clube/</nowiki>. Acesso em: 13 jul. 2019.</ref> e a S.R. Garotos da Batucada, continuaram promovendo a folia carnavalesca nos últimos anos. É comum nesses clubes ocorrer os bailes de máscaras e a tradicional marchinha de carnaval, além da modalidade da festa para o público infantil. Para mais, ressalta-se que, realizado pela Prefeitura Municipal de Passo Fundo, ocorreu em 2018 e 2019, no parque da Gare, o chamado ''Carnaval Popular''. Já os blocos Sarajevo e Tira Roupa, parecem organizar, nos últimos anos, uns dos carnavais mais famosos e “populares” da cidade<ref>Sobre os últimos Carnavais passofundenses, ver a programação de algumas entidades para o Carnaval de 2019: Disponível em: <nowiki>http://www.onacional.com.br/geral/cidade/89602/folioes+terao+quatro+dias+de+programacao+intensa</nowiki>. Acesso em: 13 jul. 2019.</ref>.




'''Sua Majestade, o Clube Visconde do Rio Branco'''
'''Sua Majestade, o Clube Visconde do Rio Branco'''
[[File:Clube Recreativo Visconde do Rio Branco.jpg|left|thumb|150x150px|Clube Recreativo Visconde do Rio Branco Foto: 1940 Desconhecido<ref>Desfile de carro alegórico em Passo Fundo, na Avenida Brasil no cruzamento com a Rua Bento Gonçalves, década de 1920. Fotografia de Antonio Veronese. Acervo IHPF.</ref>]]




O Clube Visconde do Rio Branco foi oficialmente fundado em 1916. Contudo, sua origem está relacionada à Sociedade José do Patrocínio, fundada em 1912. Somente em 1932 a Sociedade Recreativa Visconde do Rio Branco inaugurou sua sede, na esquina das ruas Moron e Vinte de Setembro, onde ainda hoje, em ruínas, resiste. Antes disso, o clube teve sua sede em um endereço próximo àquele local (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 153-154).
O Clube Visconde do Rio Branco foi oficialmente fundado em 1916. Contudo, sua origem está relacionada à Sociedade José do Patrocínio, fundada em 1912. Somente em 1932 a Sociedade Recreativa Visconde do Rio Branco inaugurou sua sede, na esquina das ruas Moron e Vinte de Setembro, onde ainda hoje, em ruínas, resiste. Antes disso, o clube teve sua sede em um endereço próximo àquele local (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 153-154).


Sede do Clube Visconde do Rio Branco, inaugurada em 1932. Fonte: Acervo iconográfico do Museu Histórico Regional
Isso posto, de acordo com Murilo Fernandes (2018), a presença de negros nos clubes existentes de Passo Fundo era incomum, visto que o ingresso de membros passava por critérios étnicos. Posteriormente, os clubes abriram suas portas para outros grupos, mas só seriam aceitas pessoas indicadas por membros<ref>É difícil precisar a partir de quando ocorre essa abertura. Segundo d’Ávila, o declínio do Clube Visconde do Rio Branco ocorre entre as décadas de 1960 e 1980, tendo como um de seus motivos, entre outras questões, o momento quando clubes como o Comercial e o Caixeiral “abriram para os negros” (apud Fernandes, 2018, p. 37).</ref>. Como não havia espaço para as famílias negras nos clubes do município, esses sujeitos “começam a se organizar como grupos ou como comunidade para criar seus clubes. Em meio a esse contexto surge em Passo Fundo no ano de 1916 o clube Visconde do Rio Branco” (Fernandes, 2018, p. 27).
 


Isso posto, de acordo com Murilo Fernandes (2018), a presença de negros nos clubes existentes de Passo Fundo era incomum, visto que o ingresso de membros passava por critérios étnicos. Posteriormente, os clubes abriram suas portas para outros grupos, mas só seriam aceitas pessoas indicadas por membros<sup>[14]</sup>. Como não havia espaço para as famílias negras nos clubes do município, esses sujeitos “começam a se organizar como grupos ou como comunidade para criar seus clubes. Em meio a esse contexto surge em Passo Fundo no ano de 1916 o clube Visconde do Rio Branco” (Fernandes, 2018, p. 27).


O clube se tornou um “lugar de encontro, de socialização e de integração da comunidade negra da cidade” (Fernandes, 2018, p. 33). Mesmo o Visconde tendo sido fundado por famílias negras e presidido por membros negros, além de sua memória enquanto clube étnico, não há indícios de que o clube não fosse aberto a pessoas de outras etnias. Batistella e Ribeiro destacam que <blockquote>no Clube Visconde do Rio Branco eram comuns os encontros, as socializações, as festas (como, por exemplo, os casamentos, aniversários e os bailes de debutantes), as danças, os jogos, entre outras atividades recreativas e culturais. Contudo, uma das atividades culturais mais famosas promovidas pelo Clube Visconde do Rio Branco durante o século XX foram as festividades populares de carnaval, que atraiam pessoas de todas as etnias e classes sociais (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 154). </blockquote>Por mais diversificado que fosse o calendário de eventos do Clube Visconde do Rio Branco, é principalmente pelos seus Carnavais que ele é lembrado até hoje. Seu Carnaval, profundamente popular, atraía pessoas de diversos grupos sociais e suspendia temporariamente – e em partes – os preconceitos, as divisões e a ordem social excludente.
O clube se tornou um “lugar de encontro, de socialização e de integração da comunidade negra da cidade” (Fernandes, 2018, p. 33). Mesmo o Visconde tendo sido fundado por famílias negras e presidido por membros negros, além de sua memória enquanto clube étnico, não há indícios de que o clube não fosse aberto a pessoas de outras etnias. Batistella e Ribeiro destacam que <blockquote>no Clube Visconde do Rio Branco eram comuns os encontros, as socializações, as festas (como, por exemplo, os casamentos, aniversários e os bailes de debutantes), as danças, os jogos, entre outras atividades recreativas e culturais. Contudo, uma das atividades culturais mais famosas promovidas pelo Clube Visconde do Rio Branco durante o século XX foram as festividades populares de carnaval, que atraiam pessoas de todas as etnias e classes sociais (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 154). </blockquote>Por mais diversificado que fosse o calendário de eventos do Clube Visconde do Rio Branco, é principalmente pelos seus Carnavais que ele é lembrado até hoje. Seu Carnaval, profundamente popular, atraía pessoas de diversos grupos sociais e suspendia temporariamente – e em partes – os preconceitos, as divisões e a ordem social excludente.
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Reconhece-se que existem características que são próprias do Carnaval, aspectos que, muitas vezes, lhe dão um tom de ''universalidade''. Porém, é evidente a diversidade das festas carnavalescas pelo Brasil e mundo afora. Por isso é importante que se tenha em mente que existem, em verdade, Carnavais, e não apenas um modelo fixo instaurado e reproduzido em um único lugar. Há Carnavais plurais e que estão em um contínuo processo de transformação e adaptação. Como definiu Pereira, “se todos brincavam a mesma festa (carnavalesca), certamente construíam para ela significados radicalmente diferentes” (apud Ferreira, 2005, p. 316).
Reconhece-se que existem características que são próprias do Carnaval, aspectos que, muitas vezes, lhe dão um tom de ''universalidade''. Porém, é evidente a diversidade das festas carnavalescas pelo Brasil e mundo afora. Por isso é importante que se tenha em mente que existem, em verdade, Carnavais, e não apenas um modelo fixo instaurado e reproduzido em um único lugar. Há Carnavais plurais e que estão em um contínuo processo de transformação e adaptação. Como definiu Pereira, “se todos brincavam a mesma festa (carnavalesca), certamente construíam para ela significados radicalmente diferentes” (apud Ferreira, 2005, p. 316).


Cabe dizer que os Carnavais, em Passo Fundo, foram e são bastante diversos. Alguns modelos da festa persistem, se reinventam e assim seguem fazendo frente à ''Quaresma''. Já outros parecem ter sido acometidos por um período indeterminado de privações. Por fim, já em vias de concluir esse ''desfile tipográfico'', evoca-se o samba-enredo campeão do Carnaval carioca de 2019, da Estação Primeira de Mangueira: “Brasil, meu dengo / A Mangueira chegou / Com versos que o livro apagou / Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento / Tem sangue retinto pisado / Atrás do herói emoldurado / Mulheres, tamoios, mulatos / Eu quero um país que não está no retrato”<sup>[15]</sup>.
Cabe dizer que os Carnavais, em Passo Fundo, foram e são bastante diversos. Alguns modelos da festa persistem, se reinventam e assim seguem fazendo frente à ''Quaresma''. Já outros parecem ter sido acometidos por um período indeterminado de privações. Por fim, já em vias de concluir esse ''desfile tipográfico'', evoca-se o samba-enredo campeão do Carnaval carioca de 2019, da Estação Primeira de Mangueira: “Brasil, meu dengo / A Mangueira chegou / Com versos que o livro apagou / Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento / Tem sangue retinto pisado / Atrás do herói emoldurado / Mulheres, tamoios, mulatos / Eu quero um país que não está no retrato”<ref>Disponível em: <nowiki>https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2019/noticia/2019/03/06/mangueira-e-a-campea-do-carnaval-2019-do-rio.ghtml</nowiki>. Acesso em: 10 set. 2019.</ref>
 
 
----<sup>[1]</sup> Possui graduação em História e é mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo. Bolsista CAPES, integra o Laboratório de Estudo das Crenças - LEC (PPGH-UPF). Atualmente é professor na Educação Básica da Rede Municipal de Itapuca/RS.
 
<sup>[2]</sup> Dados da Riotur (Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro S.A), criada em 1972.
 
<sup>[3]</sup> Entrudo pode ser definido como uma série de jogos e brincadeiras populares, introduzidas no Brasil pelos portugueses no século XVI, que também foram associadas ao carnaval brasileiro.
 
[4] O Cine Ideal foi inaugurado em agosto de 1924, nas dependências da Sociedade Operária, na Avenida Brasil, tendo como proprietários Luiz Machado e Gastão Marques. Sendo reaberto por Ney de Lima Costa, no mesmo local, em 1925. Em agosto de 1926, foi rescindido o contrato de locação do prédio de propriedade da Sociedade Operária e que fora alugado à empresa Lima Costa, para a instalação do Cine Ideal.
 
[5] O NACIONAL, nº 70, 17 fev. 1926.
 
[6] O NACIONAL, nº 277, 22 fev. 1928.
 
<sup>[7]</sup> SBC (Sociedade Beneficente e Cultural); SERC (Sociedade Esportiva, Recreativa e Cultural); SERCB (Sociedade Esportiva, Recreativa, Cultural e Beneficente).
 
<sup>[8]</sup> Com exceção de 2001, quando o desfile teria ocorrido na Av. Brasil, entre as ruas Benjamin Constant e a Bento Gonçalves. Ver: REGULAMENTO geral, histórico e enredo das entidades: desfile das escolas de samba de Passo Fundo. Passo Fundo, 2001. p. 43.
 
<sup>[9]</sup> Informação presente nos livretos. Ver: REGULAMENTO geral, histórico e enredo das entidades: desfile das escolas de samba de Passo Fundo. Passo Fundo, 2000-2015.
 
<sup>[10]</sup> O Clube Comercial, “destinado a congregar a classe comerciária”, fora fundado em 1912, segundo dados disponíveis em seu site. Disponível em: <nowiki>https://www.clubecomercialpf.com.br/o-clube/</nowiki>. Acesso em: 13 jul. 2019.
 
<sup>[11]</sup> Fundada por imigrantes italianos no ano de 1901, a ''Società Italiana di Mutuo Soccorso Iolanda Margherita di Savoia'', em 1938, passou a chamar-se Clube Caixeiral (Dalla Rosa, 2007, p. 130).
 
<sup>[12]</sup> Conforme informações do site do clube, em 1913 fora fundada a Sociedade Alemã (ou ''Deutscher Verin'') que, em 1938, passou a denominar-se Clube Recreativo Juvenil. Disponível em: <nowiki>http://www.clubejuvenil.com.br/site/o-clube/</nowiki>. Acesso em: 13 jul. 2019.
 
<sup>[13]</sup> Sobre os últimos Carnavais passofundenses, ver a programação de algumas entidades para o Carnaval de 2019: Disponível em: <nowiki>http://www.onacional.com.br/geral/cidade/89602/folioes+terao+quatro+dias+de+programacao+intensa</nowiki>. Acesso em: 13 jul. 2019.
 
<sup>[14]</sup> É difícil precisar a partir de quando ocorre essa abertura. Segundo d’Ávila, o declínio do Clube Visconde do Rio Branco ocorre entre as décadas de 1960 e 1980, tendo como um de seus motivos, entre outras questões, o momento quando clubes como o Comercial e o Caixeiral “abriram para os negros” (apud Fernandes, 2018, p. 37).
 
<sup>[15]</sup>Disponível em: <nowiki>https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2019/noticia/2019/03/06/mangueira-e-a-campea-do-carnaval-2019-do-rio.ghtml</nowiki>. Acesso em: 10 set. 2019.
 
== Referências ==
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Latest revision as of 11:46, 15 January 2022

Da Terça-Feira Gorda ao Enterro dos Ossos

Em 31/10/2019, por Jeferson Sabino Candaten


DA TERÇA-FEIRA GORDA AO ENTERRO DOS OSSOS: outros Carnavais em Passo Fundo

Jeferson Sabino Candaten [1]


Resumo: esse capítulo trata de questões referentes à história do Carnaval em Passo Fundo. A narrativa é construída em alusão a um desfile de escola de samba, harmonizando o rigor acadêmico e a poética intrínseca à temática. Organizado em alas, o texto se preocupa, num primeiro momento, em deixar nítido como entende-se a festa, o rito, a expressão social Carnaval. Em seguida, lança-se luz sobre a história carnavalesca desde os tempos pré-cristãos até o que provavelmente seja o modelo organizacional da festa mais difundido no Brasil: o desfile de escola de samba. Para tanto, o contexto dos blocos, dos clubes e das escolas de samba passo-fundenses serão abordados. Por fim, verifica-se a importância do Clube Visconde do Rio Branco e ressalta-se o seu lugar na história do carnaval da cidade.


Palavras-chave: Carnavais. Escolas de Samba. Clube Visconde do Rio Branco.


Introdução


Presente no cotidiano de todos os brasileiros, o Carnaval parece ser um acontecimento que não precisa ser explicado. Expressões como amor de Carnaval verberam a efemeridade da festa, visto que em poucos dias todo Carnaval tem seu fim, mas, por outro lado, também podem revelar seu espaço nas dinâmicas da memória, das lembranças e das identidades dos foliões. Sublinha-se que a comemoração também é tratada como sinônimo do excesso, da extravagância – parece um Carnaval – ou da desordem.

De todo modo, com origens milenares, o carnaval brasileiro, segundo o antropólogo Roberto DaMatta, é um dos principais rituais nacionais, tendo como característica peculiar o “abandono” de parte das regras e da ordem, ao mesmo tempo que orienta a construção e cristalização de uma identidade. Atualmente, o que se entende por Carnaval pode estar bastante atrelado a padrões da festa promovida em grandes cidades brasileiras, a exemplo de Rio de Janeiro, São Paulo, Olinda ou Salvador. Contudo, o fato é que suas origens ou influências reportam há milênios antes de Cristo, isto é, antes mesmo de haver Quaresma já se pulava Carnaval.

Isso posto, sabe-se que muitos estudos sobre o tema costumam grifar como uma de suas principais características a ruptura com o cotidiano. Segundo Claval, “algumas festas modeladas sobre o Carnaval cristão suspendem a aplicação das regras habituais, instaurando a inversão das hierarquias e servindo de terapia coletiva”. Trata-se de “uma escapada de si mesmo”, como observou Wunenburger (apud Ferreira, 2005, p. 287).

No “subuniverso das festas e das solenidades”, uma das principais marcas do Carnaval é o seu artifício de modificar os comportamentos sociais. Assim, na época de Carnaval, tudo acontece como se a sociedade fosse capaz de, finalmente, inventar um espaço social onde a rua e a casa se encontram. Afinal, se a festa tem aspectos públicos – como os desfiles e os grupos formais –, ela também permite um conjunto de gestos – e ações – que, em geral, só se realizam em casa (Damatta, 1997, p. 47-49).

Além disso, sabe-se que existe uma relação muito íntima entre as festas e o sagrado, o que fica evidente no caso do Carnaval. Contudo, nos carnavais brasileiros é possível notar a presença e expressão de diversos grupos sociais. A festa é, portanto, uma expressão social propriamente dita. Conforme Abreu (1999, p. 38), as festas “são sempre recriadas e apropriadas, contendo as paixões, os conflitos, as crenças, e as esperanças de seus próprios agentes sociais. Ou seja, através da festa pode-se conhecer melhor a coletividade e a época em que aconteceram”.

O Carnaval brasileiro também pode ser entendido enquanto momento de mediação de conflitos. Roberto DaMatta torna-se um dos principais porta-vozes dessa ideia quando escreve que as escolas de samba promovem “uma sistemática integração das classes em seu desfile altamente complexo” (Damatta, 1979, p. 96). Essa integração, segundo Leopoldi (apud Cavalcanti, 2006, p. 30), baseia-se em “uma representação idealizada da estrutura social, no sentido de que as diferenças sociais que segregam realmente os indivíduos são momentaneamente descaracterizadas”.

Portanto, nesse capítulo abordar-se-á a história dos Carnavais passo-fundenses, desde suas influências de outros Carnavais até os aspectos que lhe são particulares. Assim como um desfile de escola de samba, esse texto, cujo enredo é o carnaval, está disposto em alas. Iniciar-se-á com uma discussão teórica breve, mas necessária, deslindando algumas questões sobre este que é festa, folia, rito, feriado ou ponto facultativo, ou seja, sobre o Carnaval.

Nas páginas que sucedem, desfilam, na passarela da história, sinais gráficos narrando trechos da festa que atravessou culturas, crenças, lugares, mares e tempos até a apoteótica escola de samba. Visto isso, finalmente chega-se à folia de Passo Fundo, cidade que, no auge do verão brasileiro, é – ou era? – anexada ao temporário reino de Momo. Integra essa ala, ou seja, parte da história do carnaval da cidade, o que é possível ser dito com base na bibliografia e fontes consultadas: os blocos, os cordões, clubes e as escolas de samba. Por fim, destaca-se o Clube Visconde do Rio Branco. A ele, que poderia ser enredo principal, destina-se o espaço de destaque no texto. O clube, símbolo do carnaval citadino, considerado por muitos como o Palácio do Samba passo-fundense, tem lugar de notoriedade não somente nessa narrativa, mas na história do Carnaval e da população afrodescendente do município.  


Carnavais: antes e depois da Quaresma


O Carnaval, até o século XIX, sobretudo antes do Renascimento europeu (séculos XIV-XVI), exercia um papel intermediário. A festa se definia “não por seu formato, mas sim pelo fato de ela assinalar um momento de passagem”. Com a chegada da Quaresma, o “adeus à carne” torna-se “carna vale” e, finalmente, Carnaval (Ferreira, 2005, p. 320). Além disso, conforme Ferreira,

durante muitos séculos, a festa carnavalesca existe como uma espécie de oposição ao período de privações preparatório da Páscoa cristã. Nesse sentido, Carnaval é sinônimo de festa em geral. Explica-se, desse modo, a associação do Carnaval a rituais pagãos da Antiga Grécia (Frontisi-Ducroux, 1988), às festas da colheita da época greco-romana (Araújo, 2000) e às festas de loucos (Heers, 1983; Auget, 1974) e charivaris das confrarias medievais (Grimberg, 1975) realizadas numa larga faixa de tempo que vai de novembro a fevereiro. Aos poucos, o conceito de Carnaval vai se reduzindo àquele conjunto de festas que acontecem num vago período anterior ao início da Quaresma (Ferreira, 2005, p. 319).

Dessa forma, será no contexto oitocentista que as especificidades do Carnaval tomam forma e passam a ser organizadas. No início do século XIX, a cidade de Paris se torna local de constante empenho na recuperação e “invenção” das origens e de uma “tradição” carnavalesca. Assim, nos jornais parisienses circulavam “diversos textos que procuravam recuperar uma espécie de genealogia do Carnaval da cidade, na qual ganham destaque antigos costumes e festividades ‘carnavalescos’ que justificariam a existência de um Carnaval parisiense que queria se impor como parâmetro da festa em todo o mundo” (Ferreira, 2005, p. 320).

No Brasil, juntamente dos blocos, os ranchos integravam o Carnaval oitocentista carioca. Organizados pela pequena burguesia urbana, os ranchos, conforme descreve Cavalcanti (2006, p. 39), desfilavam com “enredo, fantasias e carros alegóricos ao som de sua marcha característica”. Já os blocos, “núcleo social” que dá origem às escolas de samba, reuniam, sobretudo, uma população mais pobre, proveniente dos morros cariocas. Visto isso, com suas origens nos blocos e nos ranchos carnavalescos, as primeiras escolas de samba teriam surgido no Rio de Janeiro na década de 1920 (Cavalcanti, 2006, p. 39).

Embora existam polêmicas e controvérsias a esse respeito, considera-se como a primeira escola de samba a Deixa Falar, do Estácio, bairro carioca. O surgimento dessa escola estaria atrelado às relações constituídas em torno da Tia Ciata, na chamada “pequena África” (Moura, 1983). A partir dos blocos existentes nos morros, naquele mesmo contexto, surgiram as escolas de samba Mangueira, Portela e Salgueiro (Cavalcanti, 2006, p. 39).

O primeiro desfile de escolas de samba do Rio de Janeiro ocorreu em 1932 [2]. Para além, já com a crescente popularidade e surgimento de novas escolas no Rio de Janeiro, fundou-se em 1934 a União Geral das Escolas de Samba. Assim, é a partir de 1935 que as escolas passam a contar com incentivos governamentais, como já ocorria com os demais grupos carnavalescos. Destaca-se que novas associações foram fundadas, até que em 1952 reuniram-se as três supracitadas para a formação da Associação das Escolas de Samba (Cavalcanti, 2006, p. 42). Segundo Cavalcanti,

na década de 1950, configurou-se com nitidez o conjunto de processos que definiu o rumo das escolas de samba nas décadas seguintes. A ampliação de suas bases sociais progrediu com a participação crescente das camadas médias, incluindo a presença de cenógrafos e artistas plásticos na produção do desfile (2006, p. 42).

Juntamente a essa integração social promovida pelos desfiles de escolas de samba, ocorreu a sua comercialização. Então, a partir de 1962, a Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, recebeu uma nova estrutura para os dias da festa carnavalesca, arquibancadas foram instaladas para receber o público que aumentava a cada Carnaval. No mesmo ano iniciou-se a venda de ingressos aos foliões (Cavalcanti, 2006, p. 46).

Já na década de 1980 se definia o grupo das “grandes escolas”, que mais tarde culminou na fundação da Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA), fundada em 1984, no Rio de Janeiro. É a partir de então que se percebe uma clara distinção entre as escolas de samba, caracterizada por escolas que vivenciaram o processo de integração social e comercialização do carnaval com mais efetividade do que outras. Salienta-se que a “apoteose” desse processo provavelmente ocorreu entre 1983 e 1984, visto que em 1983 foi feito o primeiro contrato de transmissão televisiva dos desfiles das escolas de samba (Cavalcanti, 2006, p. 42-43).


Passo Fundo: Carnaval e “bons costumes”


A cidade de Passo Fundo não fica alheia ao processo narrado, entretanto, na história do Carnaval passo-fundense ainda há muito a ser estudado. Identifica-se, no município, a presença dos blocos, dos cordões, das escolas de samba; bem como, percebe-se a dimensão da festa e o engajamento de vários setores da sociedade em prol de sua realização e as tensões que se evidenciam nas tentativas do poder público de organizar, sistematizar e até mesmo de punir a folia “além dos limites”.

Em 08 de janeiro de 1911, o periódico passo-fundense O Gaúcho dava destaque à fundação do cordão carnavalesco Mão Negra. Os blocos surgiriam somente na década de 1920. De todo modo, o Código de Posturas de 1914, da Intendência Municipal de Passo Fundo, no artigo 102 do Capítulo XVI “OFENSAS À MORAL, MÁSCARAS, ÉBRIOS, ENTRUDO” deliberava: “Qualquer espetáculo ou passeio carnavalesco não poderá ser levado a efeito sem prévia licença do subintendente, que só concederá quando o seu programa não ofender a moral e bons costumes. Pena: multa de 10$000”. O artigo 112 prosseguia da seguinte forma:

É proibido jogo de entrudo[3] com água ou qualquer coisa que molhe ou enxovalhe. Pena: multa de 5$ a 10$000. Parágrafo único – Os limões de cheiro e objetos semelhantes, para entrudo, que forem encontrados à venda, serão inutilizados e sofrerá o fabricante ou vendedor a mesma multa (1914 apud Damian; Damian, 2008, p. 46).

Na década de 1920 a cidade veria surgir diversos blocos de carnaval: em 1925, o Bloco 21, que representava o Sport Club Gaúcho e o Bloco 25, que correspondia ao Club Comercial e o Grêmio Recreativo e Esportivo 14 de Julho. Já em 1926, o Bloco 25 realizou o “baile das Marquesinhas”, uma festa de Carnaval no salão do Cine Ideal[4]. Na ocasião, os foliões foram trajados à moda Luis XV (O Nacional, 1926 apud Damian; Damian, 2008, p. 46). Descrevem-no da seguinte maneira:

O Carnaval. O Corso de domingo. Estava anunciado para domingo à tarde a primeira passeata do corso carnavalesco, organizado pelo Bloco 21. Desde às 15 horas daquele dia notava-se desusado movimento de automóveis, mostrando-se o interesse que essa passeata despertou. Às 19h15min entrou o corso na Avenida Brasil, constando o mesmo de três carros alegóricos e de 32 automóveis ornamentados. Um dos carros alegóricos representava um cavalo saltando sobre um obstáculo, fazendo-se assim uma homenagem ao gaúcho rio-grandense; dominava o enorme cavalo a senhorita Helena Kruel, vestida à moda gaúcha. Outro carro, o da rainha do ‘21’, srta. Menna Rotta, representava a esfinge, sendo o mesmo guardado por quatro cavaleiros à moda egípcia. Nesse carro estava artisticamente arrumado o trono no qual se achava a rainha e sua corte. O terceiro carro, denominado a Gôndola do Amor era um grande barco, bem ornamentado, tripulado por 2 senhoritas do Bloco 21. Esses carros demonstravam bom gosto e aptidão artística em sua confecção, devido principalmente aos esforços dos srs. Carlos Fontani e Carlos Weigang. Sobre caminhões automóveis notavam-se os dois ruidosos ‘zés’ dos Blocos 21 e 25. Três orquestras dos Blocos 21, 25 e Juventude, em diferentes auto-caminhões alegravam o corso. Durante o trajeto, que foi modificado, manteve-se sempre ativo jogo de serpentinas e confetis. Não fez parte do corso um carro alegórico por não estar ainda terminada a sua feitura. Apesar do brilhantismo dessa passeata, quatro fatores contribuíram para anuviar um pouco o seu êxito completo. O primeiro deles foi a falta de uma banda de música que dá vida e entusiasmo nesses desfiles; o segundo foi a falta de uma severa organização no desfilar dos carros, notando-se uma certa confusão, bastante prejudicial à estética do conjunto; o terceiro foi a hora um tanto tardia da passeata e o quarto e principal foi a poeira estupenda que os autos levavam em nuvens densas em sua companhia. Disseram-nos mesmo, num humorismo repentino, que o corso de domingo foi uma magnífica tarde de poeira. [...] Corso de ontem. Ainda ontem saiu à rua o corso organizado pelo ‘21’ com a cooperação dos demais blocos. A descrição desta segunda passeata é a mesma que a da primeira, havendo de novidade o aparecimento de um novo carro alegórico. Esse carro representava uma homenagem ao aviador Ramon Franco, autor do famoso raide Espanha – Buenos Aires; sobre uma montanha de regular altura pairava um aeroplano de grande tamanho pilotado pelo pequeno Dirce, filho do sr. Claro Pereira Gomes. Pela bela confecção do aeroplano constituiu esse carro o melhor e o mais original de quantos foram feitos. Sobre o aparelho lia-se o seguinte: Plus Ultra; sobre a cauda levava o número ‘21’. Notamos ainda o aparecimento de novos carros ornamentados, sobressaindo-se uma barca, bem tripulada, feita pela agência Chevrolet. O corso percorreu unicamente a Avenida Brasil, dissolvendo-se em frente ao Club União Comercial. Verificamos um pouco mais de ordem nessa passeata. Antes do corso alegrou a multidão que o esperava o Bloco Gaúcho que constituiu uma nota original pelo desfile de seus membros. [...][5].

Desfile de carro alegórico, Foto: 1920 Antonio Veronese[6]

O Carnaval, porém, não era apenas uma festa de gente rica. Um dos blocos mais populares da cidade era o Vae como Pode, composto por empregados da Viação Férrea (Damian; Damian, 2008). Igualmente, o Bloco Flor da Serra, composto por elementos de uma sociedade chamada “Brilho do Brasil”, também animou o carnaval de 1928 com bailes nos salões do Hotel Avenida e diversas passeatas[7].

No mesmo ano, a Sociedade Visconde do Rio Branco foi notícia no jornal O Nacional. O periódico deu destaque para o percurso do Bloco Flor da Mocidade, pelas ruas passo-fundenses, mencionando sua “excelente orquestra e a presença de sua soberana” (O Nacional, 1928 apud Damian; Damian, 2008, p. 47).

Visconde do Rio Branco, Foto: 1970 Desconhecido[8]

É somente na década de 1950 que se funda a primeira escola de samba de Passo Fundo, por iniciativa do clube Visconde do Rio Branco. Logo depois, em 1953, surge outra escola, a Sociedade Recreativa Garotos da Batucada. Segundo Batistella e Ribeiro, a Garotos da Batucada foi fundada através de uma dissidência da escola de samba Visconde do Rio Branco. Já na década de 1970, novas escolas de samba são fundadas em Passo Fundo, a saber: Bonsucesso, em 1971, e a Particulares do Ritmo, em 1977 (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 155-156).

A partir da década de 1990, ocorre a inserção de mais escolas de samba no Carnaval da cidade, Batistella e Ribeiro (2017) citam as seguintes escolas: Mocidade Independente, Bambas da Orgia, União da Vila, Imperadores do Samba, Pandeiro de Prata e Era de Aquários. Por sua vez, as escolas de samba Academia de Samba Cohab I, Unidos da Operária e Acadêmicos do Chalaça, entre outras, tiveram suas origens somente após os anos 2000 (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 156).

No Quadro 1 abaixo, listam-se as escolas que desfilaram no Carnaval de Rua de Passo Fundo, entre os anos 2000 e 2015. Os dados foram levantados a partir das publicações do jornal O Nacional e dos Cadernos de Programação e Regulamento (livretos produzidos pelas entidades realizadoras dos desfiles):


Quadro 1 - Entidades participantes dos desfiles oficiais das escolas de samba de Passo Fundo entre 2000 e 2015

Ano Escolas De Samba
2000 S.E.R.C. Bom Sucesso, S.B.C União Da Vila, Escola De Samba Águia Dourada, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, Escola De Samba Particulares Do Ritmo, S.R. Garotos Da Batucada, Era De Aquários, Escola De Samba Pandeiro De Prata, S.C.B. Imperadores Do Samba, Escola De Samba Mocidade Independente.
2001 S.B.C União Da Vila, Escola De Samba Acadêmicos Do Sol, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.R. Garotos Da Batucada, S.E.R.C. Bom Sucesso, Escola De Samba Mocidade Independente, Escola De Samba Águia Dourada, S.C.B. Imperadores Do Samba, Escola De Samba Era De Aquários, Escola De Samba Pandeiro De Prata.
2002 S.R. Garotos Da Batucada, S.B.C União Da Vila, Escola De Samba Águia Dourada, Escola De Samba Acadêmicos Do Sol, S.C.B. Imperadores Do Samba, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.E.R.C. Bom Sucesso, Escola De Samba Era De Aquários, Escola De Samba Mocidade Independente.
2003 S.C.B. Imperadores Do Samba, S.R. Garotos Da Batucada, Escola De Samba Acadêmicos Do Sol, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.E.R.C. Bom Sucesso.
2004 Escola De Samba Águia Dourada, S.B.C. Unidos De Passo Fundo, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, Escola De Samba Era De Aquários, S.E.R.C. Bom Sucesso, S.B.C. União Da Vila.
2005 S.E.R.C. Bom Sucesso, S.B.C. Unidos De Passo Fundo, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia.
2006 S.E.R.C. Bom Sucesso, Escola De Samba Pandeiro De Prata, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.B.C. União Da Vila.
2007 Escola De Samba Pandeiro De Prata, S.E.R.C. Bom Sucesso, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.B.C. União Da Vila.
2008 S.E.R.C. Bom Sucesso, S.B.C. União Da Vila, S.E.R.C. Academia De Samba Cohab I, Escola De Samba Pandeiro De Prata, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia.
2009 S.E.R.C. Academia De Samba Cohab I, S.E.R.C. Bom Sucesso, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.B.C. União Da Vila, Escola De Samba Pandeiro De Prata.
2010 S.E.R.C. Bom Sucesso, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.B.C. União Da Vila.
2011 S.B.C. União Da Vila, Escola De Samba Mirim Semente Do Samba, Escola De Samba Pandeiro De Prata, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.E.R.C. Bom Sucesso, S.E.R.C. Academia De Samba Cohab I.
2012 S.E.R.C. Bom Sucesso, S.E.R.C. Academia De Samba Cohab I, S.B.C. União Da Vila, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.E.R.C. Acadêmicos Do Chalaça.
2013 S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.E.R.C. Acadêmicos Do Chalaça, S.E.R.C. Unidos Da Operária, S.E.R.C. Bom Sucesso, Escola De Samba Pandeiro De Prata, S.E.R.C. Academia Do Samba Cohab I, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.B.C. União Da Vila.
2014 Escola De Samba Pandeiro De Prata, S.E.R.C. Acadêmicos Do Chalaça, S.B.C. União Da Vila, S.E.R.C. Academia Do Samba Cohab I, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia, S.E.R.C. Unidos Da Operária, S.E.R.C. Bom Sucesso.
2015 Apae, Escola De Samba Pandeiro De Prata, S.B.C. União Da Vila, S.E.R.C. Unidos Da Operária, S.E.R.C. Acadêmicos Do Chalaça, S.E.R.C. Academia Do Samba Cohab I, S.E.R.C. Bom Sucesso, S.E.R.C.B. Bambas Da Orgia.

Fonte: Candaten, 2018, p. 74-80[9].


Entre os anos 2000 e 2015, os desfiles das escolas de samba de Passo Fundo aconteceram na Avenida Sete de Setembro que, uma vez por ano, transformava-se na passarela do samba[10]. Nos dias de desfile, a avenida travestida de sambódromo – entre a Avenida Brasil e a Avenida Presidente Vargas – tornava-se inacessível aos veículos que todos os dias trafegavam por ali, passando a ser via exclusiva de carros alegóricos[11].

Desde o ano 2000, os desfiles oficiais, tanto os do grupo especial quanto os do grupo de acesso, foram realizados através de uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Passo Fundo, a Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Desporto (SETUR), atual Secretaria de Desporto e Cultura (SEDEC), e a Associação das Entidades Carnavalescas de Passo Fundo, hoje Liga Independente das Escolas de Samba de Passo Fundo (LIESPF), bem como com o patrocínio de empresas do setor privado. Em 2015, a Avenida Sete de Setembro serviu de sambódromo pela última vez, não havendo mais desfiles oficiais no município até o momento da escrita dessas linhas.

Contudo, para além das escolas de samba, há também outros Carnavais. Portanto, clubes tradicionais da cidade como o Clube Comercial[12], o Clube Caixeiral[13], o Clube Juvenil[14] e a S.R. Garotos da Batucada, continuaram promovendo a folia carnavalesca nos últimos anos. É comum nesses clubes ocorrer os bailes de máscaras e a tradicional marchinha de carnaval, além da modalidade da festa para o público infantil. Para mais, ressalta-se que, realizado pela Prefeitura Municipal de Passo Fundo, ocorreu em 2018 e 2019, no parque da Gare, o chamado Carnaval Popular. Já os blocos Sarajevo e Tira Roupa, parecem organizar, nos últimos anos, uns dos carnavais mais famosos e “populares” da cidade[15].


Sua Majestade, o Clube Visconde do Rio Branco

Clube Recreativo Visconde do Rio Branco Foto: 1940 Desconhecido[16]


O Clube Visconde do Rio Branco foi oficialmente fundado em 1916. Contudo, sua origem está relacionada à Sociedade José do Patrocínio, fundada em 1912. Somente em 1932 a Sociedade Recreativa Visconde do Rio Branco inaugurou sua sede, na esquina das ruas Moron e Vinte de Setembro, onde ainda hoje, em ruínas, resiste. Antes disso, o clube teve sua sede em um endereço próximo àquele local (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 153-154).

Isso posto, de acordo com Murilo Fernandes (2018), a presença de negros nos clubes existentes de Passo Fundo era incomum, visto que o ingresso de membros passava por critérios étnicos. Posteriormente, os clubes abriram suas portas para outros grupos, mas só seriam aceitas pessoas indicadas por membros[17]. Como não havia espaço para as famílias negras nos clubes do município, esses sujeitos “começam a se organizar como grupos ou como comunidade para criar seus clubes. Em meio a esse contexto surge em Passo Fundo no ano de 1916 o clube Visconde do Rio Branco” (Fernandes, 2018, p. 27).


O clube se tornou um “lugar de encontro, de socialização e de integração da comunidade negra da cidade” (Fernandes, 2018, p. 33). Mesmo o Visconde tendo sido fundado por famílias negras e presidido por membros negros, além de sua memória enquanto clube étnico, não há indícios de que o clube não fosse aberto a pessoas de outras etnias. Batistella e Ribeiro destacam que

no Clube Visconde do Rio Branco eram comuns os encontros, as socializações, as festas (como, por exemplo, os casamentos, aniversários e os bailes de debutantes), as danças, os jogos, entre outras atividades recreativas e culturais. Contudo, uma das atividades culturais mais famosas promovidas pelo Clube Visconde do Rio Branco durante o século XX foram as festividades populares de carnaval, que atraiam pessoas de todas as etnias e classes sociais (Batistella; Ribeiro, 2017, p. 154).

Por mais diversificado que fosse o calendário de eventos do Clube Visconde do Rio Branco, é principalmente pelos seus Carnavais que ele é lembrado até hoje. Seu Carnaval, profundamente popular, atraía pessoas de diversos grupos sociais e suspendia temporariamente – e em partes – os preconceitos, as divisões e a ordem social excludente.


Considerações Finais


Reconhece-se que existem características que são próprias do Carnaval, aspectos que, muitas vezes, lhe dão um tom de universalidade. Porém, é evidente a diversidade das festas carnavalescas pelo Brasil e mundo afora. Por isso é importante que se tenha em mente que existem, em verdade, Carnavais, e não apenas um modelo fixo instaurado e reproduzido em um único lugar. Há Carnavais plurais e que estão em um contínuo processo de transformação e adaptação. Como definiu Pereira, “se todos brincavam a mesma festa (carnavalesca), certamente construíam para ela significados radicalmente diferentes” (apud Ferreira, 2005, p. 316).

Cabe dizer que os Carnavais, em Passo Fundo, foram e são bastante diversos. Alguns modelos da festa persistem, se reinventam e assim seguem fazendo frente à Quaresma. Já outros parecem ter sido acometidos por um período indeterminado de privações. Por fim, já em vias de concluir esse desfile tipográfico, evoca-se o samba-enredo campeão do Carnaval carioca de 2019, da Estação Primeira de Mangueira: “Brasil, meu dengo / A Mangueira chegou / Com versos que o livro apagou / Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento / Tem sangue retinto pisado / Atrás do herói emoldurado / Mulheres, tamoios, mulatos / Eu quero um país que não está no retrato”[18]

Referências

  1. Possui graduação em História e é mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo. Bolsista CAPES, integra o Laboratório de Estudo das Crenças - LEC (PPGH-UPF). Atualmente é professor na Educação Básica da Rede Municipal de Itapuca/RS.
  2. Dados da Riotur (Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro S.A), criada em 1972.
  3. Entrudo pode ser definido como uma série de jogos e brincadeiras populares, introduzidas no Brasil pelos portugueses no século XVI, que também foram associadas ao carnaval brasileiro.
  4. O Cine Ideal foi inaugurado em agosto de 1924, nas dependências da Sociedade Operária, na Avenida Brasil, tendo como proprietários Luiz Machado e Gastão Marques. Sendo reaberto por Ney de Lima Costa, no mesmo local, em 1925. Em agosto de 1926, foi rescindido o contrato de locação do prédio de propriedade da Sociedade Operária e que fora alugado à empresa Lima Costa, para a instalação do Cine Ideal.
  5. O NACIONAL, nº 70, 17 fev. 1926.
  6. Desfile de carro alegórico em Passo Fundo, na Avenida Brasil no cruzamento com a Rua Bento Gonçalves, década de 1920. Fotografia de Antonio Veronese. Acervo IHPF.
  7. O NACIONAL, nº 277, 22 fev. 1928
  8. Desfile de carro alegórico em Passo Fundo, na Avenida Brasil no cruzamento com a Rua Bento Gonçalves, década de 1920. Fotografia de Antonio Veronese. Acervo IHPF.
  9. SBC (Sociedade Beneficente e Cultural); SERC (Sociedade Esportiva, Recreativa e Cultural); SERCB (Sociedade Esportiva, Recreativa, Cultural e Beneficente).
  10. Com exceção de 2001, quando o desfile teria ocorrido na Av. Brasil, entre as ruas Benjamin Constant e a Bento Gonçalves. Ver: REGULAMENTO geral, histórico e enredo das entidades: desfile das escolas de samba de Passo Fundo. Passo Fundo, 2001. p. 43.
  11. Informação presente nos livretos. Ver: REGULAMENTO geral, histórico e enredo das entidades: desfile das escolas de samba de Passo Fundo. Passo Fundo, 2000-2015.
  12. O Clube Comercial, “destinado a congregar a classe comerciária”, fora fundado em 1912, segundo dados disponíveis em seu site. Disponível em: https://www.clubecomercialpf.com.br/o-clube/. Acesso em: 13 jul. 2019.
  13. Fundada por imigrantes italianos no ano de 1901, a Società Italiana di Mutuo Soccorso Iolanda Margherita di Savoia, em 1938, passou a chamar-se Clube Caixeiral (Dalla Rosa, 2007, p. 130).
  14. Conforme informações do site do clube, em 1913 fora fundada a Sociedade Alemã (ou Deutscher Verin) que, em 1938, passou a denominar-se Clube Recreativo Juvenil. Disponível em: http://www.clubejuvenil.com.br/site/o-clube/. Acesso em: 13 jul. 2019.
  15. Sobre os últimos Carnavais passofundenses, ver a programação de algumas entidades para o Carnaval de 2019: Disponível em: http://www.onacional.com.br/geral/cidade/89602/folioes+terao+quatro+dias+de+programacao+intensa. Acesso em: 13 jul. 2019.
  16. Desfile de carro alegórico em Passo Fundo, na Avenida Brasil no cruzamento com a Rua Bento Gonçalves, década de 1920. Fotografia de Antonio Veronese. Acervo IHPF.
  17. É difícil precisar a partir de quando ocorre essa abertura. Segundo d’Ávila, o declínio do Clube Visconde do Rio Branco ocorre entre as décadas de 1960 e 1980, tendo como um de seus motivos, entre outras questões, o momento quando clubes como o Comercial e o Caixeiral “abriram para os negros” (apud Fernandes, 2018, p. 37).
  18. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/carnaval/2019/noticia/2019/03/06/mangueira-e-a-campea-do-carnaval-2019-do-rio.ghtml. Acesso em: 10 set. 2019.