Quase Crônica de uma Jornada Internacional

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Quase Crônica de uma Jornada Internacional

Em 05/12/2010, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


Quase Crônica de uma Jornada Internacional


Paulo Monteiro[1]


A 11ª Jornada Nacional de Literatura apenas veio comprovar a grandiosidade do evento, desta vez consagrado à “diversidade cultural: o diálogo das diferenças”. O Circo da Cultura é, principalmente, um circo. E como todo circo, para ser bom, deve ter feras, muitas feras, e palhaços, muitos palhaços. E teve aos dois.


ABL

Acompanhei Seminário da Academia Brasileira de Letras. Terça-feira, 23 de agosto, Ivan Junqueira, o presidente, falou sobre um de meus poetas preferidos, Manuel Bandeira. Erudição pura. Texto árido para os que não conheçam suficientemente os poemas do poeta de Pasárgada. Junqueira é, no plano físico, muito mais avantajado que Machado de Assis. Sérgio Paulo Rounet, outro erudito, foi buscar influências machadianas, nos cafundós pretéritos da França. Estudo para as melhores enciclopédias. Moacyr Scliar abriu o coração e soltou Erico Veríssimo. Teve até um espetáculo paralelo, com um artista local, de muito mau gosto, na opinião dos bem pensantes.

Quarta-feira, 24 de agosto, Antônio Carlos Secchin, falou sobre a lírica de Gonçalves Dias. Há trinta e tantos anos, eu cometia versos. E me exercitava imitando clássicos um deles o grande maranhense. Aula inteligível. João Ubaldo Ribeiro chegou às lágrimas ao falar dos clássicos de sua infância. Falou dos proibidos de ler e dos permitidos. Dos primeiros esqueceu-se. Verdade de ficcionista. Esqueceu-se de Zolá, Júlio Ribeiro e muitos outros, influências que são o calcanhar de Aquiles de sua obra. Enganou direitinho. Ana Maria Machado, autora predileta de minha filha Sara Adalía, de sete anos, lecionou sobre literatura infantil. Excelente.

Quarta-feira, 25 de agosto. Carlos Heitor Cony louva Manuel Antônio de Almeida. E convence. Cícero de Almeida, que, aos 13 anos, odiou José de Alencar e passou a admirá-lo mais tarde salienta a importância desse vanguardeiro do romance nacional. Alberto da Costa e Silva derrama conhecimentos sobre O Ateneu, de Raul Pompéia. De passagem lembra Canções Sem Metro. Para mm, um dos pontos altos a poética brasileira. Precursor do Modernismo.

Desde que a Academia Brasileira de Letras foi fundada, em 1887, é a primeira vez que um grupo de acadêmicos deixou a Casa de Machado de Assis para reunir-se fora.

Se o Machadinho tivesse acompanhado o encontro teria dito: “Estou orgulhoso desses meninos...” E sairia às pressas levado pelas mãos da apetitosa Capitu, para saborear o chá do sodalício. E todos nós ficamos orgulhos dos meninos de Machado de Assis. E agradecidos. Desculpem nossos artistas mambembes. “Eles não sabem o que fazem...”, diria um Artista maior.


AUTORES PRESENTES

As palestras com os autores presentes tiveram muitos pontos altos e alguns baixos. É impossível, a menos que se escreva os anais da Jornada, falar sobre todas as conversas. Quanto aos baixos... Como o Diabo está sempre – e malsucedidamente tentando imitar Deus – numa dessas noites, entre aplausos e caminho atapetado, saiu do palco montado em dois asnos de expressões fradescas. Pronunciaram tantas blasfêmias que viraram cavalgaduras do Cão. À tarde seguinte, enojado com certas personalidades tão despersonalizadas, fui beber sabedoria com o poeta e xilogravador J. Borges.  

As intervenções positivas, sérias, contraditórias, discutíveis, mas respeitáveis foram muitas. Resumo, com palidez extrema, a questão de Cultura/Arte Popular X Cultura/Arte Popular. Recolho algumas contribuições.

João Ubaldo Ribeiro lembrou que aquilo que hoje chamamos de música erudita ou clássica era simplesmente a música de uma época. Isso leva a que, em certos autores contemporâneos, as diferenças entre o popular e o erudito sejam muito pequenas.

Há uma identidade brasileira que se apresenta em certas manifestações, como ao vermos brasileiros de diferentes regiões, irmanados em torno do Hino Nacional, mas há identidades regionais, que reconhecemos ao ver todos os gaúchos cantando o Hino Rio-Grandense, quando o próprio autor de Viva o Povo Brasileiro, afirmou confessar envergonhado que ele próprio desconhece o Hino da Bahia. Lembrou, com exatidão, as diferenças culturais entre os próprios habitantes dos diversos estados brasileiros. E sentenciou: “Não existe fronteira entre o erudito e o popular, mas entre especialidades culturais”.

Cecília Costa, jornalista, resumiu suas idéias em outro rifão: “Os temas universais estão presentes na Literatura Brasileira da mesma forma como estão nos escritores internacionais”.

A portuguesa Clara Ferreira Alves lembrou que Portugal tem uma relação de amor e ódio com sua identidade. Essa relação é de origem erudita. A origem não sabe ao certo se procurando identificar-se com os de baixo ou os de cima. Ora, digamos nós, quem quiser entendê-lo comece por ler e entender Os Lusíadas.

A Argélia foi invadida e explorada pela França durante muitos anos. O francês tornou-se língua de muitos escritores argelinos, tanto repercussão internacional à cultura do país. Ademais, contribuiu para fortalecer a luta pela independência. Na Argélia – contou Tassadit Yacine – a cultura oral garantiu a sobrevivência das culturas locais, especialmente dos berberes.

A palavra “popular” – no entendimento de Silviano Santiago – tem um sentido de subalterno. “Toda a Literatura Brasileira nada mais é do que o resgate do subalterno, aquela figura que na estrutura do poder hegemônico brasileiro é dominada”. Somos subalternos em nossa própria terra. Apresentemos uma leitura dessas palavras: a subalternidade nos dá um complexo de inferioridade em relação às culturas metropolitanas, que nos é compensado, por um autoritarismo com relação à cultura “dos debaixo”: pobres, índios, mulheres, índios, analfabetos...

O mineiro Alcione Araújo aprofunda essa discussão, ao tocar no patrimonialismo. “Há diferença entre Nacional e Nação”. As elites confundem o público e o privado, causando escândalo e vergonha. Temos uma herança autoritária. Como a língua nasceu antes de nós e não pode ser apresada pelo Estado a questão do nacional é secundária, pois nossa pátria é nossa linguagem, em constante transformação. Ficam implícitos, nas palavras, do dramaturgo, o poder e a responsabilidade transformadora dos escritores.

Marisa Lajolo acaba confirmando esse autoritarismo das “elites hegemônicas” ao afirmar que todos os professores se julgam investidos de uma missão cultural salvadora, deixando de ouvir as manifestações da cultura popular. Com isso, reproduzem a dominação e o autoritarismo de que falaram Silviano Santiago e Alcione Araújo.

A conferência de Jostein Gaarder, por incrível que pareça, insere-se plenamente nessa discussão. Mostrou a simplicidade da técnica que o tornou um dos escritores mais lidos do mundo nos últimos anos.

Falando de “O Mundo de Sofia” lembrou que, de início, pretendeu escrever um livro aproveitando suas experiências em sala de aula. Escreveu algumas páginas e a aridez do tema fez com que mudasse o texto para uma história romanceada. “O cérebro humano é feito para histórias e não para a racionalidade. Se vocês me contarem a História de Passo Fundo, por mais interessante que seja, eu me esquecerei logo. Se essa História estiver envolvida em uma história jamais me esquecerei”. O segundo ponto importante é que a história deve ligar-se a temas universais: a amizade, o amor, o respeito à natureza.

A conclusão que se pode tirar de toda essa discussão é que a “globalização”, em termos culturais não nasceu ontem. É preciso lutar contra ela, pois as culturas locais, nacionais e populares subsistirão.


Poeta e xilogravador

Como já escrevi acima, enojado com alguns figurões, especialmente com um deles, de sistema nervoso central de certo danificado por sua vida pregressa, fui conversar com o cordelista e xilogravador J Borges.

Já havíamos entabulado conversação em torno de um amigo comum, o cordelista baiano Rodolfo Coelho Cavalcanti, falecido há alguns anos.

José Francisco Borges nasceu em Bezerros, Pernambuco, no dia 20 de dezembro de 1935. Deste muito jovem vendia folhetos de cordel, nas feiras e praças. Em 1964 escreveu e publicou seu primeiro folheto: “O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina”, com capa de Mestre Dila. Vendeu cinco mil exemplares em dois meses. Em seguida escreveu “O Verdadeiro Aviso de Frei Damião”, ilustrado por ele mesmo. E não parou mais. É autor de 235 poemas folhetos. Alguns deles, como “A Chegada da Prostituta no Céu”, de 1986, já anda perto dos 100 mil exemplares vendidos.

O poeta pernambucano também edita e vende folhetos de outros autores. Desde Leandro Gomes de Barros, “O Bilac do Cordel”, falecido há décadas. Quando este autor, em 1892, começou a vender seus folhetos nas feiras foi preso por diversas vezes, sob suspeita de divulgar literatura subversiva. Só passou a distribuir livremente sua literatura depois que o chefe de polícia da época, leu e liberou a circulação daqueles poemas populares.

J. Borges que, atualmente, tem uns 120 títulos diferentes a pronta entrega, viaja por todo o Brasil e andou por diversos países divulgando essa literatura, que tem raízes profundas fincadas na cultura popular brasileira.

Em tempo: Budapeste e Ariano Suassuna merecem tratamento diferenciado em matéria especial.

Referências

  1. Da Academia Passo-Fundense de Letras e da Academia Literária Gaúcha.