O Sentido da Revolução Farroupilha

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O Sentido da Revolução Farroupilha

Em 09/09/2011, por Paulo Domingos da Silva Monteiro


O Sentido da Revolução Farroupilha

Paulo Monteiro[1]


Todo o mês de setembro é sempre o mesmo espetáculo: escolas e empresas montam galpões crioulos, estudantes ou empregados são estimulados a pilcharem-se; promovem-se churrascadas, lingüiçadas, galinhadas; as entidades tradicionalistas organizam rondas crioulas e desfiles. Tudo em memória dos heróis farroupilhas.

Poucos, porém, são os que se preocupam em estudar o que realmente foi a Revolução Farroupilha ou Revolução Rio-Grandense, movimento armado que durou de 19 de setembro de 1835 a 28 de fevereiro de 1845, quando foi assinado o tratado de paz na localidade de Ponche Verde, no interior de Dom Pedrito. Apesar da vasta documentação disponível sobre o evento, máxime em Notas ao processo dos Farrapos, organizado e anotado por Aurélio Porto e publicado pela Biblioteca Nacional, entre 1933 e 1936, e nos documentos da Coleção Alfredo Varela, editado em diversos volumes dos Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, na década de 1980, os historiadores ainda se dividem quanto às verdadeiras causas e objetivos da Revolução.

Basicamente podemos dizer que a) uns afirmam que a Revolução Farroupilha foi influenciada pelos caudilhismo platino: b) outros pelas idéias federalistas; c) outros, ainda, por concepções republicanas; e muitos desses ainda se dividiriam entre os que acreditam que a Revolução era ou não era separatista. Na verdade, o que houve foi uma combinação de causas econômicas e politicas. A discriminação tributária contra o Rio Grande do Sul, cujos principais produtores eram as tropas de muares e o comércio de charque, que servia de alimento para os escravos, que moviam a economia agro-exportadora, especialmente de cana- de-açúcar e café; o favorecimento do charque uruguaio; o recrutamento de gaúchos para o Exército; rivalidades entre liberais e conservadores; desmandos e arbitrariedades cometidas por governantes e altos funcionários indicados pelo Governo do Império; descontentamento dos militares gaúchos com o favorecimento de oficiais originários de outras províncias; sentimento republicano, influenciado pelo exemplo das repúblicas platinas; ideais federalistas, objetivando ou uma federação com uma monarquia constitucional ou com uma república ou uma confederação republicana, a exemplo dos Estados Unidos ou a pura e simples independência do Rio Grande do Sul.

Quando estudamos os documentos daquele tempo, vemos que não havia um pensamento uniforme entre as pessoas que constituíam as elites da época, quanto ao verdadeiro caminho a ser tomado pelo Rio Grande do Sul. Num ponto, porém, todos concordavam: a província precisava de mais autonomia para a província. E o entendimento disso é muito importante porque a maioria da população gaúcha era constituída por indivíduos sem participação política ativa:escravos, pobres, analfabetos e imigrantes estrangeiros, impedidos de participarem das eleições, porque vigorava o chamado voto censitário: para votar era preciso comprovar uma renda mínima. Isso fazia com que o colégio eleitoral fosse ainda mais reduzido, pois a província era pouco povoada.

Ao falamos nas causas da Revolução Farroupilha não podemos esquecer um detalhe importante: a maior parte do armamento estava em mãos dos estancieiros graças à criação da Guarda Nacional em 18 de agosto de 1831 e a extinção das milícias públicas. Assim, quando a Revolução foi deflagrada, o governador da província dispunha de poucos homens para a resistência, e não lhe restou outra alternativa a não ser refugiar-se numa embarcação e fugir de Porto Alegre.

A própria Brigada Militar, que hoje encabeça as comemorações da Semana Farroupilha, foi criada como Corpo Policial, em 1839, para reprimir os farrapos.

A Revolução teve início na noite de 19 para 20 de setembro de 1835, quando os revolucionários invadiram Porto Alegre. Os comandantes eram muitos dos homens mais ricos do Rio Grande do Sul, especialmente fazendeiros e donos de charqueadas. Não eram esfarrapados. Farroupilha era o termo pelo qual se autodesignavam os liberais extremados, que editaram os jornais Jurujoba dos Farroupilhas e Matraca dos Farroupilhas, no Rio de Janeiro, em 1831. Esses liberais exaltados provocaram manifestações de rua na Capital do Império. O tem. Luís José dos Reis Apoim, um dos editores daqueles jornais, foi deportado para Porto Alegre, onde organizou o Partido Farroupilha, que defendia o federalismo sob a forma republicana. Esse grupo se reunia na Sociedade do Continentino. Em 24 de outubro de 1833 promoveram manifestações contra a instalação da Sociedade Militar, que reunia monarquistas conservadores, na Capital Gaúcha.

Vê-se que, de início, o termo farroupilha era depreciativo, mas foi assumido e tornado dignificado pelos revolucionários. Estes se inseriam dentro de uma série de revoltas ocorridas no país naquele período, que ficaram conhecidas como revoluções liberais. Tanto isso é verdade que, em 5 de maio de 1895, Manuel Alves da Silva Caldeira, veterano farroupilha, escrevia a Alfredo Varela: "Nós dávamos vivas à independência do Rio Grande do Sul e contra o despotismo. A nossa separação era contra o poder imperial, mas contávamos com as mais províncias para a nossa união; e tanto é verdade que foi preso na Cruz Alta um enviado de São Paulo que vinha tratar com o nosso Governo a União de São Paulo com o nosso Estado". (In Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, volume 5, Porto Alegre, 1981, p. 337).

Em documento datado de 13 de setembro de 1894, Caldeira confessava a ignorância da população quanto aos reais objetivos dos chefes: "Bento Gonçalves nunca falou em república nem em separação antes de ser ele prisioneiro. O povo combatia para libertar-se do ignominioso jugo do despotismo, e era esta a linguagem de Bento Gonçalves, e dando vivas ao povo rio-grandense e à liberdade (Ed. Cit., p. 334). O mesmo sobrevivente salienta que o apoio á República Catarinense foi dado a pedido dos liberais barrigas-verdes(Idem, p. 337), e rejeita a idéia de união ao Uruguai ou à Argentina, pois enquanto as outras províncias que lutavam contra o "despotismo" iam se enfraquecendo, o Rio Grande do Sul cada vez mais se fortalecia (Ibidem, p. 337).

A duração da Revolução Farroupilha, quase 10 anos, quando as revoluções nas outras províncias, muitas vezes não passavam de alguns meses parece comprovar a veracidade dos depoimentos de Manuel Alves da Silva Caldeira, meio século depois de extinta a República Rio-Grandense.

Referências

  1. Membro da Academia Passo-Fundense de Letras e da Academia Literária Gaúcha